Demósthenes Martins, um
Homem que fez o tempo
Tempo é oportunidade. Os pioneiros de uma época, quando portadores de verdadeira vocação, constroem a vida no lugar onde se instalam. Organizam, fazem cultura, imprimem valor, caráter. Não importa se migrantes ou imigrantes, tudo se faz novo ao seu toque. Eles próprios ganham vida nova, local. Demosthenes Martins é nosso. É um dos iniciadores cuja presença pode ser detectada num piscar de olhos diante das páginas mais importantes da história do Estado de Mato Grosso do Sul.
Demosthenes Martins nasceu a 26 de outubro de 1894, em Goiana (PE) e faleceu a 15 de março de 1995, em Campo Grande. Teve por principais obras literárias: Aspectos Jurídicos e Políticos do Município (1972); História de Mato Grosso (1975); e A Poeira da Jornada (1980). Foi membro decano da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, tendo ocupado a cadeira cinco, patrono José Ribeiro de Sá Carvalho, hoje ocupada por Enilda Mougenot Pires.
Em “A poeira da jornada”, as memórias de Demosthenes Martins mostram o advogado (foram 50 anos ativos), estabelecido ao sul de Mato Grosso (uno), tornado prefeito de Nioaque (1921); intendente de Bela Vista (1923); prefeito de Campo Grande (1942-1945) implantou (1944) o primeiro serviço de água e esgoto; secretário do Interior, Justiça e Finanças do Estado de Mato Grosso (1951-1965). Em 1973 foi declarado Cidadão Mato-Grossense pela Assembleia Legislativa. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras (em 1974 ocupou a cadeira 28, sucedendo a Ulisses Serra).
Com Demosthenes a historiografia tem status de credibilidade e a qualidade estável da permanência. Como quando escreve em artigo sobre o Marechal Rondon (1865-1958), com quem travou conhecimento pessoal em plena região da floresta amazônica: “A obra de Rondon vista e sentida na sua realidade, mensurada no próprio palco em que se desatava, tinha fulgurações de epopeia, lembrando tragédias vividas, dramas padecidos, agonias amarguradas e triunfos consumados”.
Os escritos de Demosthenes ressumam o fascínio pelos estudos e participações cidadãs na organização política e social. É assim quando relata, em subtítulos, sobre os primeiros governadores de Mato Grosso (1751 a 1777). Em “Itinerário de um destino”, artigo, registra que o povoamento de Mato Grosso (no começo do século 18) “foi a resultante do descobrimento das minas de ouro de Cuiabá pelos bandeirantes vindos de São Paulo na preia de índios (nesse sentido, prear: aprisionar para trabalho escravo)”.
Em momento empolgante do seu estilo, diz: “Deve-se ao intimorato sertanista Joaquim Francisco Lopes o reconhecimento dessa região através das suas dezessete entradas, vindo de sua fazenda Monte Alegre, nas proximidades do rio Paraná, para as bodas do seu espírito de bandeirante com a virgindade de paragens ignotas. A ele deve-se a vinda dos Barbosas, dos Lopes e dos Sousas, os pioneiros do povoamento da Vacaria com os rebanhos que trouxeram. Foram eles os povoadores da região, que os paraguaios reivindicaram como de seu domínio...”.
E depois, “vindo de Monte Alegre, Minas Gerais, José Antônio Pereira aportou, a 21 de junho de 1872, à confluência dos córregos que mais tarde se chamariam de Prosa e Segredo...”. “A amenidade do clima, a fertilidade do solo, a posição geográfica ensejadora de um dominante centripetismo na região, a força da atração do convívio humano nessas paragens solitárias, foram as parcelas que deram vitalidade, destaque e importância à vila de Santo Antônio de Campo Grande, já na posse de foros de município, no dealbar do século 20...”.
“A poeira da jornada” documenta a criação do Estado de Mato Grosso do Sul: da ideia encampada pelo presidente Ernesto Geisel em 1976, à finalização em 1979, “o coroamento de um ideal que vinha desde o fi m do século passado, o reconhecimento de um imperativo geoeconômico, a consequência lógica da desajustada constituição do grande Mato Grosso, o corolário de uma luta que se manteve viva em todas as oportunidades que se apresentaram...”.
Demosthenes Martins! Conhecer a sua história, ainda mais no aspecto civil, na feição de líder pró-divisão do Estado, significa amar e conhecer Mato Grosso do Sul. O seu interesse ativo pela viabilização da comunidade nos inspira a honrar a oportunidade de viver aqui, imbuídos da consciência histórica em que temos sedimentada a sua paixão construtiva.
(Guimarães Rocha)
Nenhum comentário:
Postar um comentário