Janete Moraes é filha do empresário Antônio Moraes dos Santos, um dos maiores filantropos do País, a pastora e presidente do Instituto Veredas da Fé, em Campo Grande. No escritório da instituição criada para promover ações em favor das pessoas carentes ela discorreu sobre os planos da ONG para o futuro, a respeito do que já está fazendo hoje e ainda conclamou a população a se unir em doação aos mais necessitados. Janete agora é candidata a vice-governadora na chapa do PMDB, que tem Nelsinho Trad como candidato ao governo do Estado.
A família Moraes passou a ter visibilidade a
partir de ações de seu patriarca, Antônio Moraes dos Santos, que já promoveu a
doação de somas consideráveis de recursos pessoais à instituições
filantrópicas. Sempre foi assim?
Janete Moraes –
Tudo teve início em Dourados. Eu era criança ainda e sempre vi meu pai fazendo
caridade, colocando a mão no bolso para atender as pessoas mais necessitadas.
Isso ele fazia antes mesmo de entrar na vida pública. Lembro de várias
passagens, mas em especial na ocasião em que a balsa que ligava o município à Fátima
do Sul afundou, matando mulheres e crianças. O meu pai ficou indignado e
decidiu contratar e pagar pela construção de uma ponte para ligar as duas
cidades.
Seu pai foi prefeito de Dourados?
Janete Moraes –
Sim. E foi também deputado estadual pelo antigo Mato Grosso e com um detalhe:
até onde eu sei, foi o único político que ao invés de pedir licença do mandato
por problemas de saúde, condição em que o parlamentar continua sendo
remunerado, pediu para tratar de interesses particulares, sem direito à
remuneração. Ele pediu licença para cuidar dos negócios dele, sem remuneração.
Antes e durante os mandatos eletivos ele
sempre ajudou as pessoas?
Janete Moraes –
Desde que me conheço por gente, e olha que eu tenho 64 anos, os meus pais sempre
ajudaram muito as pessoas. Em Dourados, por exemplo, ele construiu o pavilhão
do Lar Santa Rita de Cássia. Minha mãe pagava o hospital e o anestesista e
pedia ao Dr. George Takimoto, que hoje é deputado, a operar as mulheres
que não queriam mais ter filhos. E ele fez várias cirurgias sem nunca ter
cobrado nada.
A família sempre morou em Dourados?
Janete Moraes –
Sim, durante muitos anos. Essas ações de meu pai começaram há cerca de 60 anos.
Quando mudamos para Campo Grande, entre 1963 e 1964, eu sempre vi o meu pai
pagando receita médica, pagando tratamento médico. Quem chegava ao escritório e
pedia ajuda ele ajudava. Nunca mandava ninguém embora. Mas ele checava se era
verdade, ia atrás. Pode ter sido enganado, mas foram poucos os casos. As coisas
para ele tinham de ser muito claras.
Você poderia fazer um breve relato das
instituições que contaram com a ajuda de seu pai?
Janete Moraes –
Aqui em Campo Grande ele reformou a ala masculina do Asilo São João Bosco, a
creche da Avenida Mato Grosso, construiu um pavilhão no Lar Santa Edwirges e a
Oficina “Antônio Moraes”, que atende crianças carentes com aulas de balé e
computação. O Sanatório Mato Grosso ele acudiu muitas vezes. O mesmo aconteceu
com a Santa Casa, que recebeu em doação aparelhos para o setor de cardiologia e
UTIs. E também o Hospital do Câncer Alfredo Abrão.
A maternidade da Cândido Mariano
Janete Moraes –
Também ajudou. Lembro que certa vez estávamos vindo do escritório e quando
passamos perto da Maternidade da Cândido Mariano percebemos que estava
ocorrendo um tumulto. Ele foi saber o que estava acontecendo e foi informado
que faltava dinheiro para fazer alguns pagamentos. Ele não teve dúvidas:
emprestou o dinheiro para que as contas fossem pagas e o problema foi
resolvido.
Ele ajudou também a AACC
Janete Moraes –
Sim. Não podemos esquecer a AACC. Meu pai foi um grande colaborador. Por
último, agora, ele deu um carro dele, a Mercedes que era a paixão de sua vida,
para ser usada para arrecadar dinheiro em uma rifa para a associação. Ele doou
um bem que amava. Ele sempre diz que caixão não tem gaveta. Então, não adianta
guardar. É uma grande lição.
A intenção dele era promover a ampliação das
instalações do Hospital de Câncer Alfredo Abrão. No entanto, o processo acabou
não dando certo. Por quê?
Janete Moraes –
Quando ele fechou com o Adalberto Siufi para ajudar o Hospital do Câncer
Alfredo Abrão, tudo começou errado. Ele não concordava com muitas coisas e
estabeleceu algumas cláusulas que deveriam constar do contrato. Uma delas é a
de que ninguém pudesse vender ou dar o hospital como garantia. Na verdade, ele
queria preservar um patrimônio que seria utilizado pelos mais carentes. Ele
falava que não iria construir aquilo para enriquecer quem quer que seja. Disse
que iria fazer para ajudar aos pobres. Ele chegou a investir mais de 1 milhão
na fundação do prédio. Se não me engano, um milhão e setecentos mil reais. Mas
as coisas não estavam dando certo. Eles não queriam ou não podiam fazer do
jeito que papai queria. Ele desejava, por exemplo, que caso não desse certo, se
acabasse, teria que voltar para o governo. Isso consta de documentos, em
contrato. Quando isso não deu certo ele ficou muito frustrado. Ele dizia: meu
Deus, até parta a gente doar é difícil.
Hoje, após todos os problemas envolvendo os
ex-diretores do hospital, que foram afastados de suas funções, como você vê a
atual administração daquela unidade?
Janete Moraes – O
Hospital do Câncer Alfredo Abrão hoje está nas mãos de um jovem, o Carlos
Coimbra, e de várias outras pessoas para as quais a gente tem que tirar o
chapéu. Eles estão trabalhando, levantando aquilo. Hoje o hospital já trabalha
com sobra de dinheiro. Quero parabenizar todas essas pessoas e destacar que
quando os bem-intencionados entram em um lugar, as coisas andam. Quando as pessoas
vestem a camisa do sofrimento alheio e da dor do outro, as coisas acontecem.
Temos que apoiar o trabalho do Carlos Coimbra e de toda a equipe que está com
ele nessa árdua, porém gratificante missão.
E em
que momento surgiu o Hospital de Câncer de Barretos?
Janete Moraes –
Teve uma entrevista, uma matéria na TV sobre o Hospital do Câncer de Barretos.
Foi nessa ocasião que surgiu a ideia de construir o Centro de Diagnóstico do
Hospital do Câncer de Barretos em Campo Grande, hoje uma realidade. Mas o
carro-chefe de tudo isso é a carreta preventiva, dotada com o que existe de
mais modernos em equipamentos para a detecção da doença, que se descoberta e
tratada a tempo, tem grande chance de ser extinta do organismo.
Como será o funcionamento dessa unidade
móvel?
Janete Moraes –
Praticamente a carreta vai estar na porta de sua casa. E o atendimento vai ser
realizado por meio da ligação das prefeituras, que administram os postos de
saúde, com o hospital. Como exemplo, vamos imaginar que a carreta vai estar na
Vila Moreninha, onde ela vai permanecer por alguns dias. Os agentes de saúde
irão convidar as pessoas de casa em casa. Além disso, terá uma ampla divulgação
da presença da carreta no bairro. Os pacientes serão atendidos com hora marcada.
Na unidade móvel serão realizados os exames preventivos. Feito isso, dentro de
mais ou menos 30 dias a equipe do hospital vai saber quais as pessoas têm
câncer, nos variados graus da doença. Vai ser então agendada consulta no Centro
de Diagnóstico. Se houver necessidade de intervenção cirúrgica, o paciente será
operado no Hospital Rosa Pedrossian por médicos do Centro de Diagnóstico. Após
a alta hospitalar, o paciente será tratado aqui nesta nova unidade, que é uma
coisa de primeiro mundo. Quem não tiver que ser operado também vai ser atendido
no mesmo local. Apenas os casos gravíssimos serão encaminhados para Barretos.
Assim será o sistema.
O seu pai doou todo o complexo hospitalar e a
unidade móvel?
Janete Moraes –
Exatamente. Ele só não doou o terreno, providenciado pela prefeitura. A nova
unidade está dotada de aparelhos que não existem nem em grandes hospitais. São
equipamentos de última geração doados por Antônio Moraes, que também doou a
carreta e a construção do prédio. Ele também cobriu os custos com a ida dos
médicos campo-grandenses a Barretos, onde foram definidos os protocolos de
atendimento.
Para dar sequência às ações de filantropia
para auxiliar os mais carentes você Criou o Instituto Veredas da Fé, uma
organização não-governamental. O trabalho aumentou?
Janete Moraes –
Veja bem, estamos começando agora. Nosso CNPJ saiu há pouco tempo. Em verdade,
tudo começou com o programa na rádio. Sou pastora e estava muito incomodada
porque após meu pai ter ficado doente eu não podia mais pregar, pois ficou
muito mais difícil, cuidando das coisas, ajudando. E então surgiu essa
oportunidade, bem na hora do meu almoço. Então, ao invés de eu almoçar, vou
pregar. E isso já tem 14, 15 meses. Quando estávamos no décimo programa, passamos
a ir todos os sábados aos bairros para levar a palavra de Deus. Mas a palavra
estabelece que a fé sem obras é morta. Quando você chega no bairro, nas casas,
e vê as necessidades das pessoas, que carecem de cadeira de rodas, de agasalho,
de alimentos, de todo tipo de ajuda, seu coração vai ficando comovido. E então
você começa a se questionar: do que adianta eu trazer a palavra se tem fome
nesta casa?
É um quadro comovente e chocante
Janete Moraes –
Sim, e para ajudar comecei a colocar a mão no bolso, só que eu não sou Antônio Moraes. Sou filha de Antônio Moraes. E aí teve esse frio danado, há
algumas semanas, e no domingo, quando acordei, passei a pensar na situação
daquelas famílias morando em barracos de lona na Cidade de Deus, no lixão.
Lembrei-me daquelas pessoas sem fogão, nas lonas furadas sobre os barracos e
nos colchões instalados diretamente no chão. Eu não vi fogão naquelas casas,
mas apenas fogareiros no chão, à base de lenha e tijolos, no lado de fora
daqueles precários abrigos. Na segunda-feira, às seis da manhã, telefonei para
uma das nossas parceiras no projeto e disse a ela: – Não sei como vamos fazer,
mas eu quero 600 cobertores de casal, umas 300 cestas básicas, 300 quilos de
carne e pelo menos 600 litros de leite. Na hora do almoço estávamos com o
caminhão carregado e seguimos para a distribuição na Cidade de Deus.
E você bancou todo o custo com esses
donativos?
Janete Moraes –
Exatamente. Nessa brincadeira gastamos quase 27 mil reais, mas felizmente meus
irmãos me socorreram. É muita coisa, você não dá conta sozinho. Foi então que
começamos a pedir doações pela rádio (Programa de Rádio Veredas da Fé, levado
ao ar de segunda à sexta-feira pela Difusora Pantanal AM – 1.240 khz, das 13h
às 14h e apresentado por Janete Moraes). E graças a Deus passamos a ganhar
muita coisa, muitas roupas para crianças, para as grávidas. Eu peço berços,
fogão. E as pessoas têm colaborado muito.
A gente fala muito em campanha do agasalho,
que geralmente só ocorre uma vez ao ano. Esse tipo de campanha não teria de ser
constante?
Janete Moraes –
Você sabe o que acontece? Não adianta a gente ficar levando as coisas. Nós
temos que mudar a realidade dessas pessoas. É com esse intuito que nasceu o
Instituto Veredas da Fé, que ainda carece de reconhecimento como instituição de
utilidade pública, pois só temos o CNPJ. Não podemos ainda receber dinheiro,
mas já estamos procurando terreno, vamos construir um barracão. Quero chamar um
homem de Deus para nos ajudar e nesse espaço montar casa com banheiro, cozinha
e quarto, para ensinar as mulheres a serem boas donas de casa, para que saiam
dalí capacitadas para o trabalho. Queremos montar uma estrutura para dar aulas
de marcenaria aos jovens. Só que para fazer isso, precisamos de uma creche para
atender as mães. Uma coisa puxa a outra. Ainda não sei como, mas vamos resolver
isso. Depois que acertarmos essas ações na Cidade de Deus, vamos partir para o
Bairro Nova Lima, onde atenderemos as pessoas carentes daquela região.
Com tanta miséria, a impressão que se tem é
que os programas sociais do governo não chegam até essas pessoas, apesar de
toda a propaganda oficial
Janete Moraes –
Lá na Cidade de Deus a gente ouviu falar que existem pessoas que recebem algum
benefício, sob a forma de alimentos. Mas é muita gente. E tem gente também que
ao receber uma cesta básica, por exemplo, em função do vício em droga ou bebida
acaba trocando esses alimentos por essas coisas. Inclusive já temos o primeiro
usuário de drogas com tratamento bancado pelo Instituto Veredas da Fé. Ele está
internado há cerca de um mês.
De que forma as pessoas podem auxiliar o
instituto?
Janete Moraes –
Podem doar qualquer coisa. Alimentos, guarnição para cozinha como panelas,
pratos, fogão. Roupas e cobertores. O que for doado será bem-vindo. A Top
Mídia, por exemplo, que é nossa parceira, doou lonas grossas, resistentes,
usadas na cobertura dos barracos. E precisamos também que os políticos
participem. O mesmo digo com relação à comunidade cristã, independente de opção
religiosa. Também os céticos, os ateus, podem e devem ajudar, pois a caridade
independe de crença e religião. Eu costumo repetir sempre o que dizia um pastor
de minha igreja: – se muitos fizerem um pouco, não será mais necessário que poucos
continuem a fazer muito.(Entrevista concedida ao jornal A Crítica no ano passado,
com adaptação para o Blog Recanto do Escritor e para
o site www.tribunadopovo.com)
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