A PARÁBOLA DOS TRABALHADORES
E DAS DIVERSAS HORAS DE TRABALHO
MATEUS CAPÍTULO 20
1 PORQUE o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha.
O cultivo da vinha, desde o Antigo Testamento, consistia em uma tradição do povo de Israel. Assim, eram regulares as lavouras com suas parreiras que, por amadurecerem quase ao mesmo tempo, as suas bagas exigiam maior número de braços para a colheita.
Jesus foi buscar, pois, nesse cotidiano dos seus ouvintes, esta parábola de enorme significado. Sim. Isso era próprio do Mestre em sua pedagogia inconfundível, usada para seus ensinamentos. Ele passou esta sábia lição a partir da rotina mesma que qualquer dos presentes poderia constatar em época de safra: o proprietário de uma vinha ir à cata de trabalhadores para nela trabalhar e obter remuneração.
2 E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha.
3 E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça,
4 E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.
Exatamente como na vida real de então. Lá estava um produtor resolvendo seu problema de auxiliares para a ceifa de seu vinhedo. Lá estavam os interessados em auferir um dinheiro para as próprias necessidades.
O fruticultor estava realmente interessado em sua lavoura. Tanto assim que saiu, à terceira hora, em busca de mais outros trabalhadores.
Não bastasse ter ido à cata de auxiliares à hora terceira, eis que:
5 Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo.
6 E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou-lhes: Por que estais ociosos todo o dia?
7 Disseram-lhe eles: Porque ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo.
Até aqui a história nada conta de novidade sobre a realidade daquela época. Era exatamente assim: havia patrões precisando de empregados e empregados, forçosamente ociosos, à procura de um patrão que amoedasse-lhes o suor.
8 E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos derradeiros, até aos primeiros.
9 E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um.
Neste ponto começa o questionamento da parábola. Aqui a história fica a requerer de cada ouvinte uma explicação racional para essa atitude do senhor da vinha. Sim, pois, mandou começar a chamada pelos últimos trabalhadores [ que haviam trabalhado muito menos do que os anteriores]. Era, pois, natural, que os que mais trabalharam recebessem a maior. No entanto, por determinação do patrão, isto não aconteceu.
10 Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada um.
11 E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família,
12 Dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia.
13 Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro?
14 Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti.
15 Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?
16 Assim os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são chamados, mas poucos os escolhidos
Aqui Jesus arremata a sua lição numa lógica humanamente compreensível a quem se der ao trabalho de entender sua própria presença na vinha da vida. Pode-se observar que, se alguém analisar profundamente a si mesmo, há de constatar que se encontra embutido um grande e salutar ensinamento para a felicidade neste mundo, que nos acolhe em carne e osso.
Quantas e quantas pessoas não se deixam envolver pela tentação de grandeza própria, e para isso tomam como referência a vida alheia! Não poderá haver surpresa na infelicidade que este procedimento acarreta. Está mais do que provado: A quem desenha suas expectativas pessoais – em qualquer nível –a partir da comparação com os outros, só pode alcançar frustração. E isto significa infelicidade.
Cada pessoa é um número absoluto e único. Os lavradores da hora primeira do trabalho (nesta parábola) que se sentiram injustiçados, apenas criaram a injustiça a partir da tentação de se comparar aos demais, das horas menos trabalhadas.
Durante a existência, (esta existência mesma, não a futura, envolta em mistério insondável) cedo ou tarde todos se confrontarão com esse apetite estranho de comparar seus feitos ou suas virtudes ao vizinho ou ao colega. Nada mais errado. O tempo que jogam fora com tais expedientes só os infelicita ainda mais.
Aí se nota a inveja, esse mal de que Voltaire disse o seguinte: “o invejoso é o carrasco de si mesmo”. Sim, pois se trata de um sentimento amargo, que brota do egoísmo e de, no mais das vezes, de uma avaliação errônea sobre si próprio.
Sejam a que hora haja sido convocado cada ceifeiro, só lhe cumpre executar suas tarefas e receber por ela o combinado. Há algo mais claro do que este posicionamento do senhor da vinha?
Também nos diz sobre a mudança nas urgências. Os trabalhadores que começara o trabalho depois, a essa altura, até por uma lei de mercado, eram mais indispensáveis do que mesmo os primeiros que, por seu turno, obviamente estavam mais cansados, já que entraram mais cedo.
Assim poderiam aquilatar os supostos injustiçados. Ou por qualquer outra via de raciocínio. Porém, o combinado foi cumprido e, destarte, nada justificaria sua decepção ou mesmo um possível sentimento de ter sido injustiçado.
Encontra-se também, nos ensino de Confúcio, um paralelo deste texto de Jesus, onde nos exorta o sábio chinês : “O homem superior olha para si mesmo; o inferior olha para os outros.”
Não há fórmula mais segura para se fazer infeliz ao usar deste procedimento. Claro que as pessoas, normalmente, são tentadas a comparar-se com os demais, mas da próxima vez observe bem as conseqüências desta postura, e tome-se como um número absoluto, uma entidade única, por isso mesmo denominada “individualidade”, isto é, que não pode ser dividida.
Esta história contada por Jesus poderia ser levada muito longe, com lances dos mais infelizes possíveis aos trabalhadores revoltados.
Um, ou vários entre esses, que levantou cedo e foi convocado, poderá em outra ocasião, a propósito, demorar-se mais no aconchego do leito, incertamente apostando que, se chegar mais tarde, o preço do convite ao trabalho será o mesmo de quem o senhor da vinha chamou pela primeira hora. Em prejuízo (maior ainda) sua própria consciência (que é a verdade de seu coração) o espelhará a si mesmo como um preguiçoso. Com essa autoconsciência de preguiça sua auto-estima estará inevitavelmente abalada.
A considerar apenas o aspecto do mercado de trabalho, essa ocasião a que Jesus se refere foi extemporânea, fora da rotina dos senhores de vinhas, já que, por um mecanismo natural, tais proprietários já contavam com trabalhadores acostumados à sua seara. Mais difícil ainda seria um dono de vinhedo sair à procura de empregados a partir da terceira hora e seguintes.
Daí decorreria ao trabalhador a imprudência de entregar-se à sorte, ao acaso, ao fortuito e apostar que poderia trabalhar menos para ganhar o mesmo que os que trabalharam mais.
Em qualquer hipótese, o que Jesus recomendou especificamente nesta parábola, é que sejamos justos – tanto senhores quanto subalternos – para que tudo saia em justa e perfeita ordem e de acordo com o previsto.
A harmonia da vida consiste em abraçar os trabalhos que a cada um for confiado, sem olhar de lado ou para os outros, porque o compromisso de cada um, em última instância, é apenas consigo mesmo.
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