terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Artigo: Memórias de Sedutor - A/01116

MEMÓRIAS DE UM SEDUTOR

Esta página tem dupla utilidade de informação. Se de um lado aqui abro espaço, consultando os alfarrábios de um homem que se considerava – na teoria e prática – um sedutor, por outro também serve de advertência às mulheres, no sentido de se vacinarem contra eventuais investidas do sexo masculino.


Chamemo-lo pelo exótico nome de Karika. Pouco dado à escrita, contudo em horas de descanso ao seu pincel de pintor, ele se colocava, na madrugada, a rabiscar anotações, algumas tidas como princípios infalíveis, na arte da conquista do elemento feminino. Os que lerão estes conselhos do pretenso mestre, em muitos aspectos já superados pela evolução dos costumes, certamente gostariam de ter, pelo menos, alguns detalhes do perfil desse impagável personagem.

Karika dizia, sobre seu estado civil, que era solteiro de nascença e – assim prometia a si e aos outros : “serei solteiro na alegria e na tristeza, na saúde e na doença...” Ele era de porte robusto, cabelos lisos, grisalhos, penteados para trás, bigodes fartos, quase a cobrir-lhe os lábios superiores. Era o tipo cômico-sério, poucas vezes o vi sorrir, embora à sua volta todos achassem graça do seu modo de falar, puxado propositalmente para o sotaque carioca.

Em sua vida nunca leu Karl Marx, mas em que pesasse sua total ausência de teoria – e de prática – confessava ser um comunista de carteirinha. Na verdade, gostava mesmo de manter sua carteira recheada com pelegas de notas de mil cruzeiros, e disso não fazia segredo. Também se definia como boêmio. Não mantinha qualquer preconceito contra os chamados vícios permitidos: cigarro, cachaça, cerveja e...mulher.

No tempo dele ainda não se falava em ponto “G”, mas Karika tinha uma letra para designar o ponto de eclosão erótica do sexo feminino: a letra “P”, abreviando a palavra papo. Como indumentária, preferia terno de linho branco e sapatos bem engraxados. Mesmo quando não estava em alto astral, proibia-se terminantemente, a si e aos discípulos conquistadores, que andassem de cabeça baixa: “Você nunca vai ver um leão cortejando uma leoa com a juba caída” – ensinava com ênfase.

Outro ingrediente para o “ataque” era o uso de desodorante e, como perfume, usava e recomendava lavandas discretas: ” Perfume forte em macho não pega bem.” Karika era um homem que estudava todas as investidas às suas presas, ainda que sempre reiterasse – não gostava de moças muito novas, que não sabiam ainda o que era a vida e que podiam trazer transtornos. Desde moço, sempre preferiu mulheres acima dos 30 anos.

Às feministas de plantão, cumpre destacar que hoje estas anotações são válidas tão só a título de registro de um tempo em que, feliz ou infelizmente, está superado pela evolução em suas tantas modalidades. São páginas soltas do diário de um “don juan” que os costumes ultrapassaram, servindo apenas como memórias, o que não é pouco.

Em sua pose de mestre de Cupido, não se cansava de repetir um chavão bastante antigo, já mesmo no seu tempo: “Não existe mulher impossível; o que existe é mulher mal cantada” . E, atento à censura e ao bom humor, ajuntava : “com honrosas exceções...para a minha mãe e a sua”.

Indaguei-o sobre qual o recurso extremo de que ele se valeu para conquistar a namorada mais difícil com que se relacionou. Karika explicou em tom professoral: “Por se tratar de uma conquista que realmente me interessava, a primeira coisa que fiz foi entabular amizade com a empregada da pensão que ela morava. Não foi difícil conhecer o sabor de sorvete que ela mais gostava. E outras preferências sobre outros itens de agrado feminino, como um belo lenço ou um vestido da moda. Comecei por frequentar a pensão, alegando que minha mãe havia viajado em visita a um irmão (embora eu fosse filho único). Soube que ela era professora de língua portuguesa. Até me dei ao trabalho de ler um livro (chato pra caramba), para depois ir tirar uma ideia com ela.

Assim Karika cozinhou essas preliminares – segundo ele – em banho-maria, por um bom tempo. “Nada de pressa, também nesse assunto, pressa é inimiga da perfeição” – dizia ele do alto de sua maestria. Assim, como é de se prever em alguém que preza o nome de conquistador, em pouco tempo ele acompanhava Zuleika ao cinema, dava algumas voltas pelo jardim, a ponto de começar a chamá-la de “querida” e surpreendê-la com o envio de flores.

Cumpre destacar que Karika, na verdade, era um namorado aos moldes antigos. Não se tratava de um aficionado pelo aspecto sexual, pura e simplesmente. Embora ele não soubesse, na verdade poderia ser classificado como um romântico, ainda que matreiro e useiro de todos os artifícios possíveis para impressionar o sexo oposto e desfrutar de sua companhia: “Gosto de conversar com as mulheres. Conversar com homem é o mesmo que conversar comigo mesmo, nunca se muda o tom e o tema.”

Mas vai daqui e vai dali, Zuleika, sua quase namorada, acabou por achar que aquele relacionamento não levava a nada. Na verdade, ela acabou acordando para a realidade de que Karika, ainda que não tivesse segundas intenções, além a de a tê-la como namorada, não passaria desse chove não molha de que o mundo está cheio.

Todavia, ele era teimoso e acabou por se valer de um expediente antigo, porém presente até nas novelas de hoje, com muito bom resultado. Não bastasse ter proposto noivado à sua bela mestra – como a chamava – ainda a levou a uma loja para escolher os móveis do “futuro lar que construiriam juntos.”

Foi tiro e queda. O difícil, depois, para Karika, tal qual o feiticeiro que não sabe desmanchar o próprio feitiço, foi se livrar da pretensa noiva, que não largava de seu pé. Este é um, entre tantos recursos de que se valia nosso herói (ou anti-herói) na caça às suas presas. Oportunamente, aqui ele contará, do alto de seus rascunhos feitos em caneta tinteira, com borrões ininteligíveis que tolhem a clareza de seus apontamentos, para, se a mais não sirvam, pelo menos são muito engraçados e criativos.

(Geraldo Generoso, de Ipaussu)

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