A MAÇONARIA
"A franco-maçonaria, escreve a Grande Enciclopédia, é uma instituição filantrópica, que se esforça por realizar um ideal de vida social... É uma ordem ou confraria enxertada nas antigas associações operárias e místicas da Idade Média, porém organizada no século XVIII com um espírito mais amplo...Não é uma sociedade secreta, mas somente uma sociedade fechada".
"Ora, se a franco-maçonaria é isso, nada mais do que isso e há tanto tempo, deveria se bem mais conhecida e, que diabo, já não deveria suscitar tantas paixões!" - Paul Naudon[1].
Um dia desses, acidentalmente, me veio às mãos o livro de Naudon sobre a Maçonaria[2], que reli com outros olhos e renovado prazer. Como é bom reler, após alguns anos, um livro de que gostamos. Podemos avaliar se - e em que direção - amadurecemos. Certas coisas, que à época não nos despertaram maior atenção, agora saltam aos olhos cheias de interesse. Outras, aparecem tão renovadas que voltamos à página de rosto para ver se o livro é mesmo tão antigo.
Foi o que aconteceu comigo ao reler A Maçonaria, do significativo ano de 1968 - ano das revoluções estudantis na França e das piores lembranças políticas no Brasil.
Discorrendo sobre as Lendas, Doutrina, Ritos e Obediências, a obra apenas faz História, se é que se pode dizer "apenas" de um estudo sério e rigorosamente documentado.
Quando fala, contudo, de Iniciação, Simbolismo e Tradição, a leitura passa a ter um sabor especial, deixando aquela sensação de "quero mais" no espírito do leitor.
Falando d'O segredo maçônico, explica porque o silêncio e o segredo se impõem ao maçom sem que haja necessidade de uma imposição exterior. Deixemos o autor falar:
"É a lição de Hermes a seu filho Tat: 'Ó meu filho, a sabedoria ideal está no silêncio'. (...) O ensino iniciatório, escreve C. Chevillon, 'tem seus fundamentos na meditação e seus frutos nos refolhos mais íntimos do espírito pacificado... A verdade não se situa nas palavras de que cercamos nossos conceitos e nossas idéias, reside na essência das coisas e dos seres. Somente o silêncio pode permitir-nos compreender a via sutil das essências'.
Vemos que os 'verdadeiros segredos da maçonaria, são os que não se dizem ao adepto e que ele deve aprender a conhecer pouco a pouco, soletrando os símbolos'.
(...) Tal segredo é a conseqüência natural da Iniciação. 'Chegado a esse estado torna-se quase impossível a um ser humano dar a conhecer plenamente sua experiência interior, que se converte, então, em verdadeiro segredo por natureza".[3]
É extremamente importante ler - e reler - essas afirmações vagarosamente, para que a compreensão de seu profundo sentido penetre nosso espírito mais do que apenas nossa memória.
Considerando, ainda, a natureza divina do Homem, conclui o autor sua explanação sobre o segredo, com esta não menos inspirada afirmação: "A finalidade da iniciação, por conseguinte, consiste na busca da Palavra perdida, a reintegração final do homem em sua essência, ao mesmo tempo pelo intelecto e pelo coração, por uma espécie de nostalgia de um ritmo de Luz e de Harmonia, cuja lembrança e cuja esperança permanecem no mais profundo de nós mesmos"[4] .
Belas e profundas, também são as páginas sobre A razão e o amor.
A Maçonaria propõe como método da busca da Luz - da Verdade - o uso tanto da objetividade da razão quanto da subjetividade do sentimento. A integração desses contrários, aparentemente impossível, pretende conduzir à superação das polaridades sujeito - objeto e indivíduo - coletividade.
Deixemos, novamente, falar o autor: a Maçonaria se utiliza da razão, "mas não se utiliza dela como as religiões ou os sistemas filosóficos. A Maçonaria não afirma; não demonstra. Seu apelo à razão só se faz no plano individual, sem que por isso se perca no caminho da individualização total. Esse método subjetivo escapa, com efeito, ao relativo e ao contingente e visa ao universal pela via do cristianismo primitivo, a vida da comunhão com os outros homens e com o próprio Cosmos, a que essa verdade é igualmente imanente. É a via do Amor, que implica a tolerância ativa e a humildade, fazendo compreender que o pensamento permanece fragmentário quando se dissocia na multiplicidade dos indivíduos e dos tempos. É o conjunto, a unidade que importa, e a razão individual vale na medida em que participa do absoluto"[5].
A revelação da Iniciação é o caráter absoluto da Verdade. O que a Iniciação pretende, é conduzir à apreensão do conceito de imortalidade da alma. Para a Maçonaria, entretanto, "a crença na imortalidade da alma não constitui, todavia, um credo, um artigo de fé numa concepção teológica particular. A Maçonaria afirma apenas que a alma é uma centelha do Ser infinito de Deus e que, por ela, o homem é imortal".[6]
Atinge-se, assim, nos diz Naudon, A Lei da Unidade, teoria fundamental da filosofia tradicional. "O que está embaixo é como o que está em cima para realizar o milagre da unidade, enuncia a Tábua de Esmeralda de Hermes Trismegisto". A teoria da unidade faz corresponder o macrocosmo - o Universo - e o microcosmo - o Homem. "Ou melhor, não se pode contrapor os dois planos: há interpenetração, interferência entre eles. São apenas dois aspectos da mesma unidade. A matéria não se opõe ao espírito. Ambos se reduzem ao mesmo princípio".
Para o autor, a pretensão da Maçonaria de atingir o Absoluto pela via iniciática justifica-se pelo apelo à Tradição. O termo designa tanto a origem do Conhecimento quanto seu modo de transmissão. O primeiro é absoluto e imutável, o segundo adapta-se aos tempos e aos meios.
Se colocarmos entre parênteses a pretensão de "conhecimento revelado" das religiões, "ligando-nos ao seu conteúdo esotérico, percebemos que as religiões assim sublimadas em seu princípio, reduzem-se ao esforço, à busca da Perfeição, à comunhão do Homem com o Ser no Conhecimento e no Amor (...) Seu esoterismo permite encontrar o elo comum, que eleva cada uma delas, elevando-as a todas. Essa identidade, fenômeno imemorial, fez pensar numa tradição, numa revelação - seja sobrenatural, seja sentida intuitivamente pela visão elevada de alguns sábios -, tradição hoje perdida sob os véus da diversas religiões e que importa redescobrir pela compreensão esotérica dos símbolos idênticos que a exprimem em cada um dos cultos e liturgias".
A Maçonaria, escreve A. Pike, "...não sendo de nenhuma religião, encontra em todas suas grandes verdades. Não tira a fé de nenhum credo, exceto no caso em que esse credo venha a diminuir a auto-estima da Divindade e a degradar-se ao nível das paixões do gênero humano, negue o alto destino do Homem, ataque a bondade e a benevolência de Deus supremo, solape as grandes colunas da Maçonaria: a Fé, a Esperança e a Caridade".[7]
A Conclusão do livro, falando sobre a influência e perspectivas de futuro, é bastante longa para se citar inteiramente aqui, embora seja também tão bela e profunda que não pode deixar de ser mencionada: "No plano geral da Arte, se a Beleza em si, como o diz Platão, é una, simples, eterna, universal, imutável, incorpórea e invisível, assim como o Bem, compreende-se o quanto a via iniciatória, comunhão íntima e emotiva com o Perfeito, pode ser o modo de realização do Belo. Na medida em que a Maçonaria pretende trazer o conhecimento absoluto por meio de uma iluminação supra-racional, seu pensamento move-se no mundo dos símbolos, das analogias. Por conseguinte, tende muito naturalmente a recorrer à Arte como modo de expressão. (...) Já se observou muitas vezes que o seu melhor desabrochar [da Iniciação] se encontra em A Flauta Encantada, obra, segundo Wagner, do gênio da luz e do amor que foi o Ir\ Mozart".[8]
Após mostrar a influência do pensamento esotérico na literatura e na filosofia, o autor se achega à ciência: "Depois de Bergson, sabe-se que a razão dialética não é a única forma de pensamento. Existem correntes de subconsciente, até de superconsciente, de intuição criadora, únicos modos talvez de apreensão do Absoluto. (...) Os descobrimentos da ciência, por seu turno, reconduziram a atenção para os alquimistas de outrora. E essa ciência, que reveste uma expressão cada vez mais matemática e tende, com Einstein, Louis de Broglie ou Fred Hoyle, a encerrar o mundo numa fórmula, volta a dar destaque ao princípio fundamental do hermetismo: a Unidade".[9]
Confiando demasiado na ciência, "desorientado e consciente da imensidão do tempo e do espaço, mede o homem, com inquietude, sua vaidade e sua inutilidade aparente no seio da enormidade sideral. Ao mesmo tempo, assistimos, a despeito das barreiras ideológicas e de interesses, uma planetarização de um neo-humanismo em cata de um valor universal e transcendente. (...) Compreende-se o sentido profundo desta frase de Oswald Wirth: 'a Maçonaria está destinada a refazer o mundo, e a tarefa não é superior às suas forças, contanto que ela se torne o que deve ser'".[10]
Li, reli e copiei. Espero que agora apreenda!
[1] NAUDON, Paul. A Maçonaria. Coleção Saber Atual. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p.7.
[2] Obra citada acima, da qual tratam estes comentários.
[3] Op. cit., pp. 99-100
[4] Op. cit., pp. 100-101
[5] Op. cit., p. 101
[6] Op. cit., p. 104
[7] Op. cit., pp. 107-108
[8] Op. cit., p. 135
[9] Op. cit., p. 138
[10]Op. cit., p. 139
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