domingo, 13 de novembro de 2011

Artigo: Café da Manhã - A/01049

Café da Manhã


Como aceitar a sua partida, quando nenhuma outra pessoa foi capaz de ocupar o seu lugar? O que fazer com este vazio, mesmo preenchido de um silêncio de chumbo, que me oprime no mais fundo, na forma de uma ausência sem remédio?

Fazer o quê, a cada vez que sinto o barco vogar à deriva, vergastado pelas tempestades, como aquela que o senhor repreendeu, para assombro daqueles humildes, ainda que experientes pescadores?

Quão mais animadas eram as festas com a sua presença, a preencher a taça dos convivas com o vinho mais puro, convertido da insipidez da água abençoada pela sua simples palavra. Que desmedida harmonia se irradiava a partir do seu assento na mesa, no partir do pão, ao modo que era só seu?

Quanta comoção entre os circunstantes, entre eles os próprios descrentes e ateus, quando o senhor mostrou a sua força de absoluto domínio sobre a morte, e ordenou que se abrisse um sepulcro, há vários dias selado, e proferiu aquele chamado histórico que até hoje faz estremecer todos os cemitérios do mundo: “Lázaro, vem pra fora” ! Quanta serenidade preencheu a alma de quem teve a ventura de ouvir à viva voz, aquela sua costumeira saudação: “Que a paz esteja convosco”?

Por essas e outras passagens, é que reflito, de mim para comigo: o senhor há de convir ser impossível lembrar de você com o que se poderia meramente chamar de saudade. Por tudo o quanto foi a sua vida, ainda que a contragosto, você nos causa o inevitável o desconforto desta sensação de orfandade e abandono.

Assim eu conjecturava numa manhã de domingo, de repouso mais esticado, quando me surpreendeu o som da campainha por vezes sucessivas. Visto ser ainda muito cedo, acomodado ao leito , foi inevitável o desconforto daquele chamado, Assim mesmo, presto levantei-me, por supor tratar-se de algum problema com pessoa da família.

Enlevado na curiosidade de prever quem seria àquelas horas, antes de abrir a porta ouvi ecoar aos meus ouvidos uma voz doce e enérgica ao mesmo tempo: “Pode abrir que sou Eu”.

Ao atender a porta, constatei com surpresa que o “importuno” era um morador de rua, desdentado e esquálido, cujo “bom dia” foi apenas esta pergunta:
- Tem café?

(Geraldo Generoso, de Ipaussu, SP)

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