quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Artigo: Nelly Martins - A/01056

História e Arte por
Nelly Martins e Baís

O município e região constituem estruturas do Estado, naturalmente em construção contínua. Campo Grande se faz com carinho, trabalho, coragem, inteligência, arte cultura. Toda estrutura tem seus principais esteios e Nelly Martins nos fala de alguns, sendo ela própria um deles a imprimir mágica e felicidade, poder e força à Cidade Morena.

São eles construtores e exponenciais do amor por Mato Grosso do Sul. O livro “Duas Vidas”, trazido em 1990, é um enredo de família e suas propriedades que compõem a história local nos lances importantes que encerra. Fita o pioneirismo de Bernardo Franco Baïs, a singularidade genial da artista Lídia Baís.

Nelly Martins (Campo Grande, 1923-Campo Grande, 2003), ocupou na Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, a cadeira 38, atualmente vaga, patrono Enzo Ciantelli. A escritora publicou “Vespasiano, meu pai”; “Crônicas de viagem”; “Vivência”; “Duas vidas”; “Casos reais”; “Água fresca” e outras obras. Colaborou no Correio do Estado, na revista Executivo Plus e em outros da imprensa. Artista plástica premiada mundialmente conhecida deixou acervo de aproximadamente 250 obras selecionadas; fez trabalhos a carvão, óleo, tinta acrílica, aquarela, lápis, cera, ecoline, pastel óleo e seco, cerâmica. Neta de Bernardo Franco Baïs.

Filha do médico e senador Vespasiano Martins e de Celina Baís Martins. Casada por 60 anos com o ex-governador de Mato Grosso do Sul, Wilson Barbosa Martins.

O livro “Duas Vidas”, de Nelly Martins, começa pelo aportamento, ao Brasil, do italiano de Luca, Bernardo Franco Baïs (18611938). Impossível falar de história sem o protagonista primar. 1879: então arraial de Campo Grande, casas de taipa cobertas de palha, margens dos córregos “Prosa” e “Segredo”.

Ele veio abrir caminhos, aventurar, negociar; trabalhou duramente, prosperou e fez prosperar e se tornou indispensável à região. A autora conta que Bernardo foi o primeiro juiz de Paz na criação da Freguesia de Campo Grande, em 1880. Ao fi nal da década seguinte possuía já notoriedade que evitava.

Era de se ver o lugarejo se expandindo: “Fazendeiros, boiadeiros, mascates, moradores e passantes enchiam as poucas ruas existentes, onde intrigas e desavenças, ódios e amores medravam sem cessar. Valentões, chapéus de abas largas, botas luzidias exibiam sua força, estribada no 44, pendurado na guaiaca”, escreve.

O enfoque para Lydia Baís (22/4/1900-19/10/1985), filha de Bernardo, reilumina, integra uma segunda parte no livro “Duas Vidas”. Ao bom estilo de escritora, Nelly trabalha com a narrativa favorecendo imaginação com o tempo, conjunturas e os fatos. O que poderia ser chamado de excentricidade povoa todo instante da vida estudada de Lydia.

Pintora, Mística religiosa revolucionária. Benemerente. Ao que acontece a todo verdadeiro artista, uma persona singular. Ela conviveu nos maiores centros culturais do Brasil e da Europa do seu tempo. Cresceu “frequentando ateliers, museus, igrejas, escolas de arte e se relacionando com outros pintores, professores e colegas”.

Dramas interiores e a busca por extravasar sua genialidade, levaram Lydia a fugir à rotina doméstica de Campo Grande. A instabilidade emocional resultou nas perigosas estadias em São Paulo e Rio de Janeiro, ela desprotegida, mas, enfim, no início dos anos de 1930, já na Capital Morena ela produzia suas famosas pinturas nas paredes do sobradão da Afonso Pena – Morada dos Baís. O casarão, construído por etapas a partir de 1914 e entregue a Bernardo Baïs em 1918, fora revitalizado em 1933 e tombado patrimônio histórico em 1986.

O local é hoje um centro cultural de eventos e informações turísticas. Abriga salas de exposições e o Museu Lydia Baís. Daquela esquina ecoam do tempo a chegada e a partida da Maria-fumaça. Foi por ali, nos trilhos da Noroeste, em 20 de agosto de 1938, que Bernardo Baïs, o iniciador, desaparecia após ser colhido pelo trem.

Deixou muitos legados, pois muito construíra e adquirira. Ia-se para mais além aquele que, radicado em Campo Grande, fazia pontes comerciais com o velho mundo em sucessivas viagens de negócios. A região lhe guarda a fotografi a nas sensibilidades do ar.

A autora descreve: “Montado, usando botas, visitava suas fazendas levando consigo o cachorro perdigueiro. Pelo caminho, fazia pequenas paradas caminhando alguns quilômetros, caçando perdiz com espingarda de dois canos de Liége, na Bélgica. Seu cavalo, quando redomão, certo dia assustou-se e, num salto, arrebentou o cabo trançado que o prendia. Solto, saiu disparado, pulando e derrubando toda a tralha que levava, espalhando-a por onde passara. Mascateou sozinho, daí seu nome, Mascate”.

A saga de Baïs deu novo ensejo evolutivo ao enredo regional. Possibilitou materialmente a Lydia entoar seu canto artístico, formou e agregou famílias fundadoras do estado político-cultural. Nelly Martins, sobrinha de Lydia, assim define a personagem: “— Mulher, trabalho, vontade, persistência, luta. (...) Mulher que, passo a passo, contra tudo e contra todos, conquistou um espaço significativo na história das artes (...)”.

Com a criação da Fundação de Cultura no governo de Wilson Martins (Wilson governou MS por duas vezes: 1983-1986 e 1994-1998), na inauguração do Centro Cultural instalavam-se dois ambientes de exposições com as duas precursoras das artes plásticas em Mato Grosso do Sul: Ignês Correa da Costa e Lydia Baís.

Na luta sempre inconclusa por compreender seguramente Lydia Baís, a escritora arrisca: “Ora a grande senhora sábia, ora criança precoce e caprichosa”; mulher de “singular inteligência, clara ingenuidade, rico misticismo, profunda curiosidade e aguda insegurança”. ELydia escreveu: “De maneira alguma não se deve admitir a ideia de envelhecimento”. “Espírito não tem idade nem sexo”. “Idade não implica no seu modo de viver”.

Nelly Martins! Há idades temporais, estações de preparar, florir, repousar e partir, mas a vida que se particulariza em pessoas tais como você foi, se nos reapresenta com os seus similares a cada dia. E não nos é difícil senti-la, com os seus afins, colhendo às nossas vistas florinhas no jardim Campo Grande Mato Grosso do Sul.

(Guimarães Rocha, de Campo Grande, MS)

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