NÍSIO TEIXEIRANA ACADEMIA
BRASILEIRA DE LETRAS
O ingresso na Academia Brasileira de Letras jamais foi objeto das
preocupações de Anísio Teixeira. Somente após haver completado os seus setenta
anos foi que passou a admitir tal possibilidade, isto em atenção a amigos que
lhe eram merecedores da melhor estima e que tiveram a ideia de lançar a sua
candidatura.
A rigor, Anísio não se considerava um escritor.
Autor de muitos livros, ensaísta de primeira ordem, uma vida toda
dedicada às atividades intelectuais, um administrador escolar permanentemente
preocupado com o problema do livro didático, além de sempre estimular as
atividades artísticas e culturais de um modo geral. Evidentemente que possuía
títulos suficientes para honrar os quadros da Academia.
Faltava muito pouco para a sua eleição.
Teria recebido consagradora votação. Lá estaria ao lado de conterrâneos
ilustres: Adonias Filho, Jorge Amado, Pedro Calmon, Hermes Lima, Afrânio
Coutinho e Luís Viana Filho. Teria substituído outro baiano muito ilustre o
Prof. Clementino Fraga, cuja vida e obra estão a exigir, urgentemente, um
biógrafo que o torne mais conhecido das gerações mais novas.
A Bahia Solidária à Candidatura de Anísio
Quando a imprensa carioca divulgou as primeiras notícias sobre a
candidatura de Anísio Teixeira à Academia Brasileira de Letras, notícia bem
recebida por todos os setores, especialmente pelos meios educacionais, liderei
em Salvador um grande grupo de estudantes e professores que dariam início a uma
campanha de apoio e aplausos à candidatura do velho mestre.
Pareceu-nos extremamente oportuna a idéia da sua candidatura. Tal como
Almeida Júnior e Lourenço Filho, era a vez de um grande educador baiano
alcançar a imortalidade acadêmica.
Quando nos preparávamos para tornar pública a campanha pela sua
candidatura, achei por bem escrever ao Mestre Anísio, dando-lhe conhecimento da
nossa disposição. A carta, ele me respondeu quase que imediatamente.
Jamais Serviu Tendo em vista Honrarias
Data de 8 de dezembro de 1970, do Rio de Janeiro, o Prof. Anísio
Teixeira me endereçava a seguinte carta:
"Meu caro colega prof. Hermano:
Apresso-me em responder sua afetuosa carta de 2 deste, não só para
agradecer-lhe toda a cativante gentileza de seu espírito para com o colega de
lides educacionais, mas também para pedir-lhe permissão para declinar da honra
com que me viria confundir de um movimento pelo meu ingresso na Academia de
Letras.
Um grupo querido de amigos acadêmicos já teve a generosidade dessa
lembrança. Fiz-lhes ver, contudo, que não possuía títulos para pretender
tamanha honra. A Academia, mui justamente, requer dos candidatos que peçam o
seu ingresso à ilustre Companhia. A lógica dessa exigência está em que o candidato
crê possuir títulos para tão alta convivência. Ora, eu não os possuo, e
qualquer possível candidatura me porá em contradição comigo mesmo. Por este
motivo, tive que afastar a lembrança, embora soubesse que a animava a mais
sincera generosidade.
Em toda a minha vida jamais servi tendo em vista honras ou homenagens.
Meu empenho, meu esforço, meu serviço tinham em si mesmos sua razão de ser e
com eles é que alimentava as minhas energias, os meus propósitos, a minha
possível fortaleza. Minha possível recompensa estava no desempenho do que
julgava meu dever.
Estenda o meu agradecimento a todas as jovens colegas, que agora se
formam para idêntico viver e diga-lhes que a escolha do meu nome para patrono
sobremodo me penhora.
Abraça-o muito grato, o velho colega
Anísio Teixeira."
Os Argumentos da Amizade
Depois da carta que recebi do Prof. Anísio, em respeito ao seu
pronunciamento, achei por bem sustar o movimento que juntamente com alguns
amigos seus, professores e estudantes, lideraria aqui na sua terra natal.
Ainda hoje não tenho dúvidas de que seríamos capazes de levantar a
opinião pública em torno dessa candidatura. O nosso plano era o de fazer chegar
à Academia Brasileira pelo menos mil telegramas de apoio à candidatura,
predominando entre os signatários professores e estudantes de Faculdades de Educação
e de Escolas Normais. Desejávamos que a eleição de Anísio Teixeira fosse
marcada pela presença da Bahia.
Em janeiro viajei para Recife, a fim de participar de um curso de
aperfeiçoamento, só voltando à Bahia em março, dias antes do seu inesperado
desaparecimento. Ainda em Recife, tive oportunidade de ler algumas notícias
dando conta da candidatura do velho mestre. Pretendia voltar ao assunto, mas
não houve oportunidade.
Acredito que aquele "grupo querido de amigos acadêmicos", a
que se referia Anísio na sua carta, não tendo conseguido convencê-lo pelos
argumentos da razão, terminou por vencê-lo através do coração. Ele era homem
afetuoso, por isso mesmo capaz, muitas vezes, de se deixar dominar pela
afetividade.
Terminou por admitir o seu ingresso na Academia Brasileira de Letras,
sabendo que "a Academia, mui justamente, requer dos candidatos que peçam o
seu ingresso. . . " Ao aceitar a sua candidatura, em nenhum momento pensou
na honraria. Modesto e simples, sem jamais haver se deixado dominar pela vaidade
dos títulos e dos cargos, ao se admitir membro da Academia Brasileira de Letras
deve ter pensado no bom convívio intelectual, nas horas de lazer espiritual, ao
lado de figuras as mais representativas da cultura brasileira.
Ouso admitir, também, que aceitou a sua candidatura como desafio - a ele
próprio! Haveria de produzir inesquecíveis páginas literárias, desde o seu
discurso de posse até outros livros que por certo escreveria, compenetrado, no
melhor sentido, da sua responsabilidade de Acadêmico.
De qualquer modo deixou o seu nome inscrito nos Anais da Casa de Machado
de Assis. A sua candidatura teve sabor de ingresso e isto, em vida, ele ainda
sentiu. Amplo noticiário na imprensa brasileira, comentários, pronunciamentos
prévios - uma candidatura pacífica, "imbatível".
Homenagem da Academia
Após o seu falecimento, na sua sessão de 1º de abril, a Academia
Brasileira de Letras homenageou a memória de Anísio Teixeira, que ocuparia a
cadeira nº 36.
Na homenagem falaram os Acadêmicos Afrânio Coutinho, Pedro Calmon, Josué
Montelo, Viana Moog e Cândido Mota Filho, todos unânimes em reconhecer os
méritos do velho educador brasileiro e a proclamar o quanto teria sido
importante para a Academia Brasileira de Letras o ingresso de Anísio Teixeira,
um homem que viveu a vida toda voltado para a cultura brasileira.
O seu nome será sempre lembrado, pelo muito que fez em prol do
desenvolvimento cultural da sua Pátria, pelos livros que escreveu, pelo
marcante exemplo da sua vida de consagrado educador.
Imortal, sem Dúvida Nenhuma
Não ter se materializado o ato de seu ingresso na Academia, não nos
impede de considerá-lo imortal. Anísio Teixeira continua presente na vida
intelectual brasileira, sempre lembrado e já agora por todos respeitado.
Nós o lembraremos sempre. Jamais esqueceremos as suas lições, nem as
suas palavras:
"Em toda a minha vida jamais servi tendo em vista honras ou
homenagens. Meu empenho, meu esforço, meu serviço tinham em si mesmos sua razão
de ser e com eles é que alimentava as minhas energias, os meus propósitos, a
minha possível fortaleza. Minha possível recompensa estava no desempenho do que
julgava meu dever."
Anunciava-se, Líquida, a Vitória de Anísio...
Ainda sobre o ingresso de Anísio Teixeira na Academia, vale a pena
registrar neste livro o artigo do ilustre historiador, também Acadêmico e
membro do Conselho Federal de Cultura, possuidor de invejáveis títulos, além de
Ministro da Educação e Cultura que foi, e também, por muitos anos Reitor da
Universidade do Brasil, Prof. Pedro Calmon.
O seu artigo foi publicado no jornal A Tarde, de
Salvador, edição de 3.4.1971. Do mencionado artigo é o trecho que se segue:
" ... Anísio, na sua conversa imaginosa - mestre de dialética -
tinha a obstinação do melhor colégio. E, com os fios de todas as descrenças,
tecia o paradoxo do otimismo. Confiava, como Rousseau, na humanidade; era, como
Renan, um devoto da ciência; sereno homem, uma dessas raras personalidades para
quem a modéstia e a discrição constituem as condições necessárias do trabalho;
ou o prêmio do êxito!
Com Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, compôs o triunvirato dos
orientadores da instrução: os grandes nomes da década de 20 e de 30. Fernando
recebeu, no limiar da velhice, a consagração acadêmica. Os olhos não o deixaram
ler o discurso de posse. Mas na importância dessa mensagem se lhe revê o
espírito sempre moço. Desapareceu Lourenço Filho, quando ainda muito prometia
às letras eruditas. Chegara para o terceiro deles a vez da láurea.
Anunciava-se, líquida, a vitória de Anísio Teixeira no próximo pleito da
Academia Brasileira, para o preenchimento da vaga de outro baiano ilustre,
mestre Clementino Fraga. Entraria na Casa de Machado de Assis (outro tímido e
outro excêntrico), como caminhara até então; sem barulho, muito vexado pelo
constrangimento da publicidade, e o horror ao fardão que lhe vestiria a
humildade, na noite brilhante da recepção, ele, que nascera para o burel, de
frade, ou para a beca, de lente... Foi aí que o surpreendeu a morte, um
acidente que teve a brutalidade, do imprevisto. E que ficou ecoando na
consternação geral, como uma grave perda. Perda grave para a Cultura; e para a
Bahia, que não pode esquecer o sertanejo de Caetité, que tão largamente ensinou
neste País."
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