sábado, 1 de maio de 2010

Artigo: O Livro do Pucci - A/0812 - (Parte XXXIII)

NOTAS SOBRE OS SÉCULOS XVII/XVIII

Como uma instituição associativa, podemos pensar a existência da Maçonaria desde o século XIV (1356), quando foi solicitado ao Prefeito de Londres, por um grupo de pedreiros, o registro de uma agremiação de trabalhadores livres. A Maçonaria era uma associação de trabalhadores especializados, daí falarmos de sua fase operativa.
Somente mais tarde, com o declínio econômico-social desses profissionais da construção, por força do próprio desenvolvimento histórico-econômico, com as transformações que aconteceram em todos os domínios da vida e que nos são bastante conhecidas, políticos e intelectuais começaram a interessar-se por essas associações, de olho, especialmente, no direito de livre trânsito, na liberdade de reunião e na isenção de impostos
[1]. A sua aceitação nessas associações profissionais, pela coincidência de interesses tanto dos trabalhadores quanto dos intelectuais, deu origem à fase especulativa da Maçonaria.
Em 1600 é aceito o primeiro maçom especulativo, Lord John Boswel, fazendeiro, sendo lorde apenas no nome. Em 1646 é aceito Elias Aschmole, judeu, alquimista e rosacruz, que, segundo alguns autores, veio a confeccionar os primeiros Rituais
[2]. Desde essa época, portanto – século XVII – , a moderna Maçonaria vem sendo plasmada não no éter, mas sob a influência do contexto social, político, econômico e cultural em que se inseria.
De especial interesse é para nós a Maçonaria inglesa, uma vez que foi ela, em 1717, que criou a primeira Obediência, fato que – não pacificamente – veio a marcar a divisão histórica entre a Maçonaria tradicional e a moderna, lançando as bases de todos os movimentos maçônicos atuais, tanto com suas Potências quanto com seus cismas.
O que pretendemos neste trabalho é indicar, sem a pretensão de relacioná-los, alguns eventos desse contexto histórico-social, mais no sentido de catálogo do que de análise, arando o terreno para possíveis hipóteses de outros estudos.
O período que vai do século XVII ao início do século XIX é dos mais importantes da história do Ocidente. É a Era do Iluminismo. Também chamada de Idade da Razão, essa época é caracterizada por um clima revolucionário em todos os sentidos - sociais, políticos e culturais. Há a convicção generalizada de que, se a razão fosse aplicada a todos os aspectos da vida humana, a humanidade seria capaz de entender a Natureza e criar uma sociedade perfeita, a Nova Atlantis. A razão – e sua filha mais dileta: a ciência – iluminariam a humanidade. Ironicamente esse período de endeusamento da razão terminou entre guerras e revoluções sangrentas.
Baseado nos avanços filosóficos e científicos dos dois séculos anteriores, o Iluminismo, graças às melhorias na educação e no padrão de vida, aliadas à difusão das idéias entre as massas, foi fundando um novo modo de pensar. A difusão de notícias – e idéias – ao nível de massa já dava seus primeiros passos na Inglaterra no século XVII. Em 1621 surgem lá os corantos. O primeiro deles é o The Coranto or News from Italy, Germany, Hungarie, Spaine and France.
Já em 1650, contudo, sob o pretexto de coibir os abusos dos jornais ingleses, Oliver Cromwell proíbe a circulação dos mesmos, à exceção do Mercurius Politicus e do Public Intelligencer. A censura política não era novidade na história, mas agora surgia na forma de censura da imprensa.
O primeiro diário do mundo, criado por Elisabeth Mallet na Inglaterra, em 1702, The Daily Courant, foi uma tentativa que durou apenas uma semana. Esses tímidos esforços, que deviam esperar a invenção da rotativa, em 1811, capaz de rodar 1100 folhas por hora, para ter as condições técnicas do grande jornal, já indicavam, contudo, um fato social tanto novo quanto importante: a divulgação massiva de idéias, uma das bases para a moderna democracia.
O entusiasmo gerado pelas novas descobertas científicas, especialmente as de Newton, levava a crer num progresso linear e crescente em todas as áreas do conhecimento, tendo especial reflexo na Ética. O Positivismo de Augusto Comte, com sua influência marcante tanto na história nacional brasileira quanto na Maçonaria, é filho exemplar desse entusiasmo.
A maioria dos europeus acreditava haver finalmente se libertado da “antigüidade”. Em 1762, Horace Walpole escreveu: “Queimarei todos os meus livros em grego e em latim, pois não passam de histórias de duendes”
[3] .
No bojo dessa revolução científico-cultural, todas as fontes tradicionais de autoridade passaram a ser contestadas em nome da razão, inclusive a Bíblia, a Igreja e o Estado. Voltaire, é um exemplo do grande críticas dessas fontes de poder tidas até então como inquestionáveis. Os pensadores de todos os naipes sustentavam uma visão religiosa racionalista, conhecida como Deísmo. O ateísmo, contudo, não era comum entre os filósofos iluministas, muitos dos quais viam na religião um freio à volúpia das massas. Os filósofos iluministas achavam que a religião tinha que ser natural, isto é, deveria estar em harmonia com a razão “natural”, devendo livrar-se dos dogmas e doutrinas irracionais. Para os deístas, Deus teria criado o mundo, mas não teria se revelado sob nenhuma forma sobrenatural. Sua revelação se dava através das leis da natureza.
Em meados de 1760 a Inglaterra tinha o controle da América do Norte e já conquistara o Canadá e grande parte da Índia. Devemos lembrar que em 1665 Londres foi devastada por uma grande epidemia e, já no ano seguinte, um incêndio a destrói quase que totalmente. No século XVIII o capitão James Cook descobriu a costa leste da Austrália e chegou ao Círculo Polar Antártico. O contato com outras culturas influenciou o pensamento europeu profundamente, como se pode ver na filosofia de Rousseau.
O ideal iluminista de uma sociedade baseada nos direitos naturais e na democracia contribuiu para a admiração que se tinha aos chamados “déspotas esclarecidos” – monarcas reformadores – e contribuiu para a deflagração das revoluções americana e francesa, que, apesar dos excessos, representou uma ruptura decisiva com os regimes autoritários do passado.
Devido a conjunturas sociais e políticas específicas, a oposição ao clero e à nobreza se deu de maneira muito mais forte na França que na Inglaterra, levando a posicionamentos radicais que marcaram profundamente a história da Maçonaria moderna. Na Inglaterra, já desde 1689, Guilherme de Orange e Maria, detentores do trono inglês, assinavam a Declaração de Direitos, restringindo os poderes reais. A monarquia constitucional estava em marcha.
O marco mais notável do movimento iluminista foi a Encyclopédie, publicada na França entre 1751 e 1772, com colaboradores do nível de Voltaire, Rousseau e Montesquieu, e que englobava desde a manufatura de agulhas até a fundição de canhões. Seus editores, o filósofo e dramaturgo Denis Diderot e o matemático Jean d’Alembert, respectivamente, um, filho de cuteleiro e outro, filho ilegítimo de um oficial de artilharia, demonstram bem as novas oportunidades sociais que se abriam aos de origem não nobre.
Os pensadores iluministas acreditavam que a difusão da razão e da ciência contribuiria para o progresso da humanidade. Esse conceito marcou fortemente a ideologia da moderna Maçonaria. Essa orientação dá início a uma nova pedagogia, surgida no século XVIII, que estimula o aluno a pensar e a descobrir as coisas por si mesmo.
Nas artes, apesar da força do movimento Barroco que, reagindo ao renascentismo, põe ênfase na totalidade, na visão holística do mundo, na importância da relação entre os elementos, e que teve na Inglaterra, com Shakespeare, seu grande nome, da segunda metade do século XVII até o final do XVIII predominou na Europa o neoclassicismo, marcado por uma atitude racionalista e grande preocupação com a finalidade social e política das artes.
Na Inglaterra Milton, Locke, Hobbes e Hume foram alguns de seus expoentes; na Alemanha tivemos Goethe, Herder e Schiller, estes de importância histórica para o pensamento maçônico; e, na França, Chateaubriand, Lamartine, Victor Hugo e Musset. Na pintura, Hogarth, na Inglaterra, caricatura a sociedade de seu tempo. Goya, na Espanha, unindo o grotesco à crítica da sociedade, retrata o lado trágico da condição humana, ressaltando seu absurdo. É um momento de impiedosa crítica social, política, cultural e religiosa.
Na religião, especificamente, em 1749 o Marquês de Pombal ordena a expulsão dos jesuítas do Brasil, enquanto em 1751 o papa Benedito XIV proíbe os católicos de freqüentarem lojas maçônicas e a França, em 1795, garantia a liberdade de culto aos cidadãos. Como curiosidade, anote-se que em 1717, ano da fundação da primeira Potência maçônica, é encontrada no Rio Paraíba a imagem negra de N. S. Aparecida.
Como conclusão podemos resumir dizendo que a prosperidade da classe média, a ampliação de horizontes devida aos descobrimentos marítimos, a revolução científica com Isaac Newton e John Locke, destruindo o que restava da filosofia medieval e traçando as bases de uma ciência rigorosa baseada em leis universais, formaram um conjunto de condições excepcionais para o grande salto que o pensamento humano veio a dar nos campos econômico, político, social e cultural nesses séculos. A grande utopia da sociedade natural, regida pela razão, onde um homem livre do pecado original viveria a vida do “bom selvagem”, cria a rejeição absoluta da Metafísica.
E finalmente, nos meados do século XVIII, como resultado dessas grandes transformações, eclode a grande Revolução Industrial, na Inglaterra, abalando profundamente e para sempre a estrutura econômica, social, política e cultural do país e, posteriormente, do mundo todo.
Cabe agora, a quem tiver fôlego, relacionar a Maçonaria a esse contexto.


[1] SALOMÃO, L. Igreja Católica e Maçonaria. Londrina: EdItora Maçônica A TROLHA Ltda., 1998, p. 21.
[2] Op. cit. p. 24
[3] Enciclopédia digital MASTER, 1997.

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