Preleção de Geraldo Generoso a um grupo
de escritores, reunidos em Piraju –SP
Bravos companheiros da pena, aqui também inclusas algumas valorosas escritoras e poetisas. A pena hoje é tão somente um sinônimo obsoleto da nossa arte. Da mesma forma que aquelas nossas antigas tricotadeiras, que vestiram de forma ornamental as casas de nossas gerações passadas, em toalhas e vestimentas. Onde havia um toque humano, sensível, de arte feita de alma posta em cada movimento de cada linha.
O que há de comum é que o objetivo é criar e recriar beleza, qualidade da qual nos falou Wil Durant : “na vida só nos resta criar a beleza que nos mata”. Não que a arte em si seja cúmplice de nosso desaparecimento. Até pelo contrário, a arte, quando bem exercida, imortaliza os seus cultores. O que se entende por essa mensagem do filósofo americano é que enquanto estamos embebidos na criação da beleza, a vida se consome despercebida, em decorrência de o tempo – o tempo de todos nós – sempre se nos mostrar implacável.
Hoje há máquinas bordadeiras, operadas às vezes até pelo elemento masculino, menos afeito a esses pendores da sensibilidade própria das mulheres. Borda-se em série, em muito menos tempo e em muito maior quantidade. Oras, cumpre deixar à parte o saudosismo, evocando mesmo um filósofo da era romana, e com ele dizermos em coro: “não me rebelo contra o que está estabelecido.” Assim é a vida em sua marcha. Nós nascemos num tempo que nossos antepassados – em que pesem os saudosistas – foi feito para nós vivenciarmos e preencher com o melhor do que houver em nossas habilidades e talentos.
Vocês, cada um de vocês, são uma fonte viva que precisa saciar sedes à míngua das águas do nosso tempo. O desafio não pode nos desencorajar, ainda que não o subestimemos em sua dimensão e gravidade. Certa feita, numa palestra, Roberto Gomes Bolaños (o criador do Chaves e outros personagens da TV mexicana e mundial), enfatizou que os poderes se constituem, em qualquer lugar do mundo, não apenas nos 3 mais usualmente citados: Executivo, Legislativo e Judiciário. Há o conhecido quarto poder da Imprensa e, ainda um quinto, formado pelos artistas, aí inclusos, entre outros, e com grande ênfase, os escritores.
Mas, caros colegas, o que cumpre dizer é que, para assumir essa responsabilidade de influir no mundo, requer-se um preparo direcionado, a partir mesmo do próprio talento. Esta observação, poderá alguém dizer ou pensar que se trata de chover no molhado, tal a obviedade da afirmação. Mas soará com mais consistência se levarmos em conta, por nossa própria experiência, que como autores, “somos os médiuns de nós mesmos” (nas palavras de Fernando Pessoa). Porque é um ato prazeroso – e que o digam vocês mesmos, que arcam com esse fadário, o quanto preenche a vida esse debulhar de letras no paiol da literatura. Muitas vezes podemos ser traídos pelo narcisismo implícito em nossa condição criativa.
Efetivamente temos que ser produtores e críticos ao mesmo tempo. O senso crítico se afia com o passar dos anos e insiste em cortar muitas boas produções de textos – poéticos ou em prosa -, como me atestam vários colegas, premiados com uma idade mais avançada.
Aprecio muito recorrer a uma comparação – do abstrato para o concreto – nesse tema do enriquecimento do texto, através do que descortinei ao longo dos meus serões solitários de leitura. Comparemos o nosso escrito, seja ele qual for, com uma laranjada, mesmo feita de pura laranja e de primeira qualidade. Avaliemos a sua composição: percentual elevado de água que contém pequena percentagem de essência.
Assim também na literatura, seja um conto, poesia, romance ou novela, a maior porção que se espelha nesses textos é rotina, o ramerrão do dia a dia. Há que ser assim porque a vida é assim. Seja para concordar com os que afirmam que “arte é vida”; que “a arte imita a vida” ou que “a vida imita a arte”. O que resta de tudo o que se diz e pensa é uma forte relação da vida com a arte. No nosso caso específico, a arte literária.
Pelo exposto, sempre que ao autor ocorre uma frase de conteúdo rico e de significado amplo, impactante, ele pode entremear esses momentos culminantes de inspiração com relatos do dia a dia, da rotina diária, dos acontecimentos triviais e mecânicos, como comer, beber, dormir ou amar. A menos que se queira escrever um livro de provérbios ou frases de efeito, essa recomendação permanece válida. Basta observar os grandes escritores, onde a vida se retrata até mesmo em suas arestas de fealdades e tensões.
Curiosamente, isto acontece até no fazer poético. O estro também descansa sobre paragens monótonas, dando o sentido do contraste, as nuances de cores nos movimentos de sua criação. Ninguém cria somente frases lapidadas, a espelhar perfeição e capaz de fazer sobressaltar o interesse a ponto de o leitor, continuamente, sentir o desejo de grifar ou copiar uma frase.
Atento a isso, a partir do instante em que acordemos que não pode faltar a essência, o sabor da laranja de nosso suco, é preciso que o autor, que deseja mesmo levar a sério o seu oficio literário, sempre mantenha um caderno de notas. Sempre registrar as construções de ideias especiais que lhe afloram do íntimo. Daquelas impressões que o visitam na insônia ou mesmo pululam no acaso do próprio trabalho ou de seu ócio. Cuidado, porque na maioria das vezes elas não voltam mais.
É preciso, mais que nunca, inserir-se no meio literário, valendo-se de todas as ferramentas ao dispor para emplacar, ou pelo menos tentar emplacar, o seu nome entre os que escrevem. Hoje nos assaltam desculpas as mais esfarrapadas para deixar de lado o nosso dom e ocupar-nos em algo mais lucrativo. Mas eu lhes pergunto: se fosse tão fácil se tornar num escritor conhecido e festejado, que valor teria essa condição? Para tudo na vida, em qualquer ocupação, é preciso preparo e exercício, entre outros requisitos, para que as coisas aconteçam.
Finalizando, peço-lhes encarecidamente: Jamais confiem na sorte e jamais atribuam o sucesso de um autor a essa condição. Se ela de fato existir para algumas pessoas, é num grau tão mínimo que será incapaz de, por ela mesma (sorte) determinar qualquer diferença entre o êxito e o fracasso.
Fico feliz em tê-los aqui e me dou por satisfeito pela graça de, na seara literária, ter semeado amizades e colhido centuplicadamente cada um desses grãos lançados à terra da escrita, pela fortuna de poder contar com pessoas tão especiais como vocês, meus amigos e amigas desta querida cidade.
Agradeço pelo convite e aqui estarei quando assim o desejarem. Concluo que o sucesso de vocês, por grande que seja, será sempre menor comparado à minha alegria em partilhar, por mínimo que seja, para que o êxito coroe os seus esforços de forma completa, sob todos os aspectos.
Muito obrigado.
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