Admitindo a existência de Deus, para entendê-Lo, admitindo também que só vale o que se entende, não deveríamos, penso eu, concebê-Lo como um todo que deixaria de fora o nada: o ser a excluir o não-ser.
Ora, para chamar-lhe ser, seria usar uma forma equivalente à que usamos em relação à Terra, que sabemos que não é o Sol, ou em relação ao sistema solar, que sabemos que não é a Via Láctea, que tudo isto são seres com inteligências muito peculiares, mergulhadas todas elas numa inteligência muito mais vasta, tal como cada célula do nosso corpo é um ser imbicado e participante do soma habitado pela nossa consciência, que por sua vez é uma centelha ínfima da consciência humana global e esta duma consciência maior ainda…
É por tudo isto que fico um tanto incomodado quando oiço alguém, creio que falsamente conformado, dizer: «são os desígnios de Deus», imaginando-O caprichoso; ou «Deus castiga», inventando-O vingativo; ou «Deus disse», tomando-O como um pregador de Domingo; ou «é Deus quem determina», aceitando-O prosaica e profanamente como um qualquer ditador do mundo; ou «é Deus que quer», concebendo-O como um cobrador do dízimo.
Mais incomodado fico ainda quando O discutem infra-humanamente pelos critérios de formais conveniências, pensando que Aquele em que afirmam acreditar é sujeito de malquerenças, ciúmes, concupiscências e lascívias.
Um dia virá em que a Ciência, não querendo ser religião de empedernidas mentes, se espiritualiza e se infunde no entendimento geral tornado superior. Então saberemos de experiência feita e pelo uso consciente da inteligência pura das leis que verdadeiramente nos regem.
Aí, fecharemos os templos onde, por falta de espaço, Deus não pode habitar e dispensaremos os sacerdotes, por obsoleta a profissão.
Deixaremos de precisar que nos falem de Deus, pois teremos as janelas do nosso coração abertas ao sol do universo mental. Do mesmo modo, não precisaremos que nos condicionem pelo medo com critérios do bem e do mal, pois estaremos condenados pela Lei a ser o próprio Bem ou desaparecer.
Até lá, o teatro do mundo continuará com os seus atores medíocres, palavras de conveniência e lágrimas verdadeiras.
(Abdul Cadre, de Lisboa)
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