quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Artigo: A Verdade Pudica - A/01045

UMA VERDADE PUDICA


Uma verdade pessoal e íntima exige uma grande dose de pudor e humildade, coisa difícil nesta sociedade-espetáculo, hedonista e publicitária. Podemos e devemos partilhar a felicidade que tal verdade nos dê, mas não podemos exigir dos outros que sejam felizes de acordo com o nosso entendimento, nem muito menos sujeitá-los aos caprichos das nossas crenças; nem sequer à justiça que julguemos haver na nossa verdade pessoal, que deve permanecer pudicamente íntima. Partilhá-la, só a pedido e com o cuidado de prever o benefício de quem a solicita e não o exercício da nossa vaidade.

Cada ser humano tem uma forma particular de se sintonizar com a sua verdade mais íntima, mas nem todos conseguem sintonizar-se harmonicamente e, por maioria de razão, têm dificuldade em expressá-la. É plausível que expressar a nossa verdade seja útil ao outro e a nós, que nos eleve a qualidade da sintonia, mas teremos de ter presente que não será útil indiferenciadamente para todos; para alguns será até prejudicial.

Igualmente, para cada ser humano, haverá um Deus por inteiro, plantado no seu mais fértil entendimento, feito todo Ele de crenças, descrenças, dúvidas, ansiedades, desejo e medo.

Naturalmente, como contraponto ou não, haverá também e do mesmo modo o anti-Deus que a noite sempre traz e a sombra perpetua.

Afirme-se como se afirme ou negue-se quanto se queira, é do entendimento de Deus que se fala quando se fala de crer ou de descrer. Paradoxalmente, ou nem por isso, negar Deus não deixa de ser entendê-Lo da forma mais global, direta, despida e pura que livra o Ilimitado dos atributos com que os crentes pouco profundos invariavelmente O limitam, O diminuem, ao mesmo tempo que a si mesmos se apoucam e nisto se comprazem.

Por ser muita a minha ignorância, eu nem sequer sei se Deus existe ou se foi a nossa sede de absoluto que O inventou e, sendo muito pobre a nossa imaginação e demasiado pequeno o copo para a água pura de matar a nossa sede, Dele fizemos caricaturas propiciadoras do riso e do choro, mas pouco susceptíveis ao amor impessoal.

Quando não se conhece o modelo é natural não ter apreço pelo retrato e apenas ridicularizar a caricatura.

Eis que, apesar da minha declarada ignorância, há uma coisa que julgo que sei – apenas por julgar saber – e que não peço sequer que aceitem como justo saber: o Deus popular das religiões instituídas é o avesso daquilo que uma imaginação fecunda e pura, destituída portanto de medo, ódio e conformação, é capaz de acalentar, construindo a verdade pela intuição e pela experiência espiritual, naturalmente que pessoal e intransmissível, embora susceptível de ser contagiosa. Impô-la é que não. Impô-la é negar aos outros a capacidade e o direito de descobrir o que têm plantado no seu mais profundo entendimento.

(Abdul Cadre, de Portugal)

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