A COLUNA VERTEBRAL
escada para os céus
Felizmente não são poucos os livros verdadeiramente inspirados - sejam de literatura, ou de ciência, sejam de religião ou esoterismo - com que nos encontramos, e que nos marcam tanto, pela profundidade e pela beleza, que não resistimos ao impulso de compartilhá-los com os amigos.
Este mês, um desses livros me encontrou. Chamou-me com tanta insistência da vitrine daquela livraria que não consegui resistir. Trata-se de "CORPO - Território do Sagrado", de Evaristo Eduardo de Miranda, das Edições Loyola.
Examinei com alguma relutância, sentindo-me culpado pela pilha de outros que me espera há meses para ser lida.
Busquei saber do autor na orelha: doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier, é, além de cientista, estudioso de Teologia, agente da Pastoral da Esperança e autor de outras tantas obras de título interessante ("Água, Sopro e Luz - a alquimia do batismo", "Agora e na hora - ritos de passagem à eternidade" e "A foice da lua no campo das estrelas - ministrar exéquias"). Não pude deixar de admirar a interessante alquimia.
Fundamentado na tradição mística judaica da Cabala e desenvolvido numa perspectiva judaico-cristã, o livro apresenta a simbologia do corpo humano, dos pés à cabeça, num caminho que é uma verdadeira iniciação, conduzida por um conhecedor sério e profundo.
Reproduzir as 278 páginas do livro é impossível. Além do que autor e editora não iriam gostar, mesmo num artigo de circulação interna[1]. Mas como eu preciso dar vazão a essa ânsia de espalhar esta notícia, apresento, como provocação de reflexão e leitura, pelo conteúdo e simbologia, o capítulo referente à Coluna Vertebral - escada para os céus.
Inicia o autor sua abordagem da coluna vertebral, eixo da construção da árvore humana, com uma bela passagem bíblica: "Esta tua estatura é como uma palmeira, e teus seios, como os cachos. Digo: preciso subir na palmeira, tenho que apanhar teus cachos" (Ct 7,8-9). Dessa transcrição, passa a ressaltar como abalar a coluna significa abalar o edifício todo. É como Sansão, afastando as colunas do templo dos filisteus.
"Direita e esquerda, consciente e inconsciente, masculino e feminino, positivo e negativo...todas as antinomias podem ser ultrapassadas no interior do homem, pelo casamento místico dos opostos", comenta, acrescentando que "a coluna vertebral é a escada de Jacó para atingir o topo, o teto do templo corporal, a matriz vibratória do crânio". É uma notável inspiração para o nosso conhecido estudo a respeito da dualidade, não é?
Relacionando a coluna à teofania (manifestação divina), relembra a liturgia da Páscoa, onde se recorda o livro do Êxodo (13, 21): "durante o dia, sob a forma de uma coluna de nuvens, para indicar-lhes o caminho, e de noite, sob a forma de uma coluna de fogo, para iluminá-los" Deus precedia seu povo no deserto. Exatamente por isso, quando alguém é considerado a coluna de um grupo, é porque é visto como manifestação da potência de Deus entre os homens, sinal de força. Daí porque "abalar" as colunas ou "abater" colunas tem, para nós, tão forte significado.
Descrevendo o templo de Salomão, lembra o autor como ele ficou célebre por suas colunas, especialmente as "duas famosas colunas salomônicas, uma de cada lado do vestíbulo de entrada (1Rs 7,15-22), cujos nomes misteriosos eram Yakin e Boaz..." que, segundo antiga interpretação, significa que "...Deus estabelece na força, solidamente, o templo e a religião da qual Ele é o centro, o eixo, a coluna".
Referindo-se às colunas do templo maçônico, reflete o autor que "a primeira representa o lado direito, o masculino, a vontade, o positivo, o fogo, o vermelho, o vinho e o sol. A segunda, o lado esquerdo, o feminino, a intuição, o negativo, o ar, o branco, a água e a lua. Essa simetria axial está projetada sobre o meio do corpo humano, da cabeça aos pés, tendo como referência natural a coluna vertebral".
Lembra o autor que entramos num novo milênio carregando, como o mal do século, a dor nas costas ou na "coluna", significando quanto o homem contemporâneo reflete a falta de uma postura interior correta diante das contradições do mundo.
Retornando à idéia da escada de Jacó, nos diz que "a escada está entre dois pólos, a terra e os céus. Essa é a situação do homem. Situado entre esses dois pólos de um imã, ele representa a energia vibracional. Caso se desligue de qualquer um dos pólos, deixa de ser para simplesmente existir. Fica fora da corrente da vida. Os anjos sobem e descem a escada. Eles são todas as energias ascendentes e descendentes transitando pela coluna vertebral. Na primeira fase da vida, a força dessas energias leva o Homem a caminhar e explorar o mundo exterior. Na segunda etapa de sua vida, elas o levam para a grande aventura interior, o casamento de seus opostos, a superação das dualidades, ao encontro da unidade no seio do Uno". Essa é a Unidade que simbolizamos no Ternário.
É belíssima a narração que faz o autor, a partir dos simbolismos tântrico e bíblico, de como a energia de Eros (erótica) conduz à consciência da Iluminação, adormecida na base da coluna e que se eleva até o lótus das mil pétalas na cabeça.
Falando sobre a superação da dualidade no Cristo, o autor lembra que na tradição judaico-cristã as dualidades yang-ying dos chineses e as energias-princípios de várias religiões tradicionais "encarnam-se" em pessoas concretas. Dessa forma, o Cristo é tanto o Filho de Deus quanto o Filho do Homem (energia ascendente e descendente); temos dois Judas, nome que significa "Deus se inscreve na história"; temos dois José (de Nazaré e de Arimatéia), um ligado ao nascimento e outro à morte do Cristo; na montanha do Tabor aparecem Moisés e Elias (a rigidez da Lei e o Fogo do Profetismo); dois João também se relacionam ao Cristo (um ao anúncio e outro ao porvir); finalmente, aos pés da cruz encontram-se Maria e João, a mãe e o discípulo, o feminino e o masculino.
"A coluna do meio é o lugar do possível encontro dessas duplas dimensões. A coluna vertebral é um lugar privilegiado onde se inscrevem nossos freios e libertações, nossas realizações sucessivas, nossa ascensão progressiva ao longo de cada vértebra e também nossa recusa de evoluir, de esposar, de amar. Na coluna vertebral, inscrevem-se todas as tensões, sofrimentos e bloqueios gerados pelo medo. Nos problemas de coluna, nas dores de costas, existem sofrimentos patológicos e sofrimentos iniciáticos".
A exemplo do alerta que nossas Instruções fazem ao Aprendiz sobre os riscos do número dois, continua o autor: "Quem ignora a unidade profunda das aparentes antinomias, na dualidade da manifestação, não pode ultrapassar o ferimento, o esgarçamento, que elas provocam".
[1] Publicado originalmente no Boletim de nossa Loja.
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