TREINAMENTO BÁSICO
Segundo a Análise Transacional, uma das correntes teóricas da Psicologia, o ser humano nasce O.K., isto é, natural, bom, com uma estrutura apta a responder de forma saudável aos estímulos do meio.
No processo de socialização – que envolve todas as pressões e adestramentos que visam a transformar alguém em um "ser socialmente adaptado" - vamos sendo treinados para não confiarmos em nossas emoções, em nossos sentimentos, em nossas idéias, em nossos prazeres, e isso é de tal forma eficiente que acabamos por nos tornar indivíduos não-O.K., seja lá que nome venham a nos dar por isso: esquisitos, neuróticos, paranóicos, e até mesmo loucos.
Um desses treinamentos que recebemos STEINER[1] classifica como Treinamento em Falta de Alegria. Nascemos, diz ele, felizes com nossos sentimentos e com nossos próprios corpos. Se fôssemos levados a crescer de forma saudável, provavelmente nos sentiríamos satisfeitos ao comer o suficiente, assim como nos sentimos saciados ao matar a sede com um pouco de água. Nos sentiríamos mal ao inalar a fumaça poluída do cigarro, assim como tiramos rápido a mão de uma superfície demasiadamente quente.
O que vemos, contudo, em geral, é o contrário: as pessoas comem além do que lhes sacia; tossem e engasgam até ficarem dependentes da fumaça poluída do cigarro; entopem-se de alguns remédios para "sentirem-se bem" e de outros para "não se sentirem mal".
Por que ocorre isso? Porque, responde STEINER, aprendemos a nos separar de nossos corpos, a nos sentirmos "mal" na ligação com ele, a considerar o prazer uma coisa proibida, de tal forma que acabamos por necessitar desses artifícios para fazer contato conosco mesmos e vivermos alguns instantes de prazer.
Desde crianças, nossa sexualidade é reprimida, mas bem antes dela todos os nossos sentidos já vêm sendo bloqueados. Aprendemos a ver a utilidade da rosa, não a vermos a penugem aveludada de suas pétalas ou as variações de seu vermelho vivo. Aprendemos a ouvir as palavras, não a entonação, e esquecemos como se escutam melodias ou o som alegre e triste das vozes das pessoas.
As crianças não podem ver a nudez, sentir raiva ou ter prazer em tocar seu próprio corpo ou o corpo de outra pessoa.
Muitos de nós fomos obrigados a viver em desconforto, sem o direito de escolher nossas próprias roupas. Ou fomos proibidos de correr, trepar, rolar na grama, sujarmo-nos na terra ou molharmo-nos na chuva.
E somos treinados para que? Para nos adaptarmos à tensão e à dor. Com a doença, não aprendemos como empregar a própria energia para combater a enfermidade, mas aprendemos a confiar nas drogas, e a sentir o prazer que nos causam ao suspender a dor.
O ser humano que vemos hoje, não é nem um pecador sem salvação e nem o resultado de um erro da educação ou um defeito de fabricação. Somos aquilo para o que fomos treinados. Somos o sucesso total de um treinamento bem feito.
Precisamos urgentemente mudar esse processo de treinamento para obtermos seres humanos melhores.
Irmãos, aos aventais!
[1] STEINER, Claude. Os Papéis que Vivemos na Vida. Rio de Janeiro: Ed. Arte Nova, 1976.
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