Repensando a Noção da Justiça
A Maçonaria é uma sociedade que pugna pelo Direito, pela Liberdade e pela Justiça, combatendo - ou ao menos pregando que assim se faça - os Vícios, os Preconceitos, os Erros, a Perfídia dos que defraudam e enganam e a Corrupção dos que minam a vitalidade das nações. Mais modernamente, a própria defesa do Meio-Ambiente se agrega às nossas obrigações morais e éticas.
Dentro dessa perspectiva cada Maçom deveria ser, sobretudo, um defensor incansável da Justiça pois dela deveriam emanar todos os preceitos e meios pelos quais se pudesse levar a cabo, com sucesso, aquela missão. E um desses preceitos é o da igualdade de direitos, consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Todavia, a própria existência desse preceito dá margem a que a Justiça se veja diante de um paradoxo, raramente discutido e talvez não completamente entendido.
Uma sociedade que se considere - e que o seja, realmente - justa procurará sempre a imparcialidade e dará a cada indivíduo o tratamento justo que merece. A própria Maçonaria assim deve agir visto que o crescimento de um Irmão da Ordem supostamente ocorre por merecimento, mais do que pela decorrência de interstícios. Mas, como avaliar merecimentos? Como fazer justiça diante da desigualdade? Como ser verdadeiramente justo em sistemas sócio-político-econômicos tão diferentes e com valores éticos tão díspares, como ocorre no mundo de hoje? Como ser-se justo com as necessidades do ser humano e as outras espécies no meio-ambiente?
Essas são indagações que desafiam a ação inteligente. A Justiça é o elo de conexão dos vários aspectos da sociedade humana - e, dentro desta, de qualquer outra sociedade, como a Maçonaria por exemplo - que, por sua vez, deverá saber como recompensar os atos dignos assim como banir definitivamente os atos corruptos. Mas, será tão simples assim?
Nas sociedades capitalistas os benefícios florescem sob a premissa de que aqueles que mais realizam mais merecem receber - a chamada Meritocracia. No entanto, esse sistema de justiça deixa de ser digno de crédito e de ser aceito quando ignora que aqueles que mais precisam também devem ter suas necessidades assistidas. Esse é o Paradoxo da Justiça, cega por definição e por princípio.
A justiça distributiva enfrenta muitos dilemas: o de distribuir-se segundo necessidades ou a partir da avaliação do esforço individual ou da capacidade de usar a inteligência e a criatividade ou, ainda, do quanto se gosta do que se faz. Mas, como ficariam então os menos dotados de inteligência e os que ainda não conseguem teruma voz ou estão fisicamente impossibilitados? Como dara tudo isso um tratamento igualitário e equânime? Qual opapel da Maçonaria, enquanto uma sociedade, diante dessas questões?
Quaisquer que possam ser as respostas, é fato que não existe uma consciência de que a Justiça dos Homens, segundo está concebida, é realmente um mero artifício, um conjunto de critérios fundamentados em premissas que se acham em franca obsolescência.
Está na hora de se pensar, portanto, numa Justiça que transcenda essas premissas reinventando os próprios conceitos e premissas a partir de tudo o que sabemos sobre a vida em sociedade, recursos, etc. Essa revisão de critérios poderia, sim, lançar alguma luz sobre como atuarmos em sociedade para o objetivo maior de bem-estar digno de todos, distribuído de forma mais democrática.
É preciso se discutir se o conceito de critérios únicos racionais de Justiça é suficiente para chegarmos ao objetivo maior e até que onto estamos escravizados por leis que se arvoram em senso de justiça artificial, em vez de leis naturais guiadas por valores universais que orientariam sobre o que é justo em momentos específicos, ou até que ponto as leis e procedimentos geram uma ordem artificial que detém o desenvolvimento mais livre e mais autêntico da sociedade; ou, ainda, até que ponto precisamos investir mais em valores e numa forma de atuar em sociedade mais flexível, para que as pessoas atuem conforme o que sentem - ajuda mútua, compaixão, fraternidade, etc. - a fim de que o novo conceito de Justiça emerja nessa mesma sociedade.
É forçoso percebermos que o conceito de justiça contém sutilezas demais para que se tente legislar sobre todas as suas nuances. Não seria mais simples se visto pelo ângulo dos valores inerentes a todo ser humano?
Tudo indica, todavia, que diante da globalização pelos processos econômicos e por meio da Tecnologia da Informação, um novo código de conduta está emergindo. Esse código se baseia no sentido da responsabilidade compartilhada por todos os que estejam interessados em uma faxina ética, não só a nível local mas a nível global, repensando a própria vida na sociedade universal.
Quando situações anti-éticas acontecem em todo o mundo, a nível político, econômico, social ou organizacional a Tecnologia da Informação se encarrega de comunicar, quase que instantaneamente, a todas as nações e povos o que quer que possa estar acontecendo. e o Brasil, Itália, Japão e os Estados Unidos são apenas alguns dos exemplos de nações em que questões éticas e de justiça têm ocupado grande parte de sua vida sócio-política-econômica nos últimos tempos.
À medida que todos vão globalmente tendo acesso aos fatos e ocorrências que envolvem, direta e indiretamente, os Valores, Princípios e,
principalmente, a Ação de cidadãos emvárias arenas, vai se criando um sentido de responsabilidadecoletiva.
Quando as nações da Terra ainda se encontravam num certo estado de isolamento antes da Era da Informação, ainda era possível se pensar numa Justiça específica para cada nação ou comunidade. Hoje tudo se torna mais imediato e complexo quando a comunidade passa a ser todo o globo terrestre.
O pensamento sistêmico e ecológico propõe uma nova maneira de encarar a questão da igualdade de direitos. Não só os seres humanos precisam participar de uma Justiça mais humana e igualitária. Todas as espécies da biosfera terrestre estão na rede de interdependência e precisam ser inseridas no mesmo contexto.
É fundamental, nessa nova concepção e ótica, que os direitos humanos e também da própria Natureza sejam colocados como responsabilidade de todos os habitantes do planeta, para que seja nutrido o novo código de conduta universal que, gradualmente, emerge no mundo e ao qual cabe à Maçonaria abraçar e defender com o ardor e a intransigência que a têm caracterizado ao longo de sua história milenar.
Qualquer ser humano, onde quer que esteja atuando, faz justiça a si mesmo quando, modestamente, reconhece que ainda há muito que ele não sabe; há muito o que aprender. À medida, então, que as organizações societárias, dentre as quais se insere a Maçonaria, caminharem para se transformar realmente em verdadeiros locais de trabalho/serviço e aprendizagem, estarão se abrindo imensas possibilidades de transformações na própria cultura humana universal e em seus próprios conceitos sobre os direitos e a Justiça. (Antonio Carlos de Souza Godoi)
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