EXALTAÇÃO: A TERCEIRA INICIAÇÃO
Semana passada comemoramos um dos mais importantes momentos da vida de uma loja: a Exaltação de quatro irmãos. Esse ato é importante sob dois aspectos: o administrativo e o humano. Administrativamente, poder a Loja contar com mais mestres é poder contar com irmãos plenamente aptos para todas as funções maçônicas. Humanamente, a exaltação significa um crisma, isto é a livre confirmação de um ideal que foi abraçado lá atrás quando, ainda profanos, adentramos cegos e inseguros, pela primeira vez, no círculo interno da Ordem.
A Maçonaria é uma idéia orgânica, isto é, uma idéia captada, sentida, entendida e vivida no correr dos séculos, objeto de uma compreensão que é sempre parcial e incompleta. Como idéia orgânica, adotá-la significa que iniciamos um processo que deve nos conduzir cada vez mais longe e mais alto, em direção a um modelo de homem que , de antemão, sabemos nunca atingível. É a imagem da escada de Jacó, tão grata a nosso inesquecível irmão Grumananda[1].
A filosofia maçônica, por ser gradualista, progressiva e esotérica, é necessariamente iniciática; a iniciação cumpre uma dupla função: por um lado marca, externa e internamente, o momento da passagem de cada fase da nossa vida maçônica; por outro nos recorda constantemente, embora por formas diferentes e cada vez mais profundas, o mito universal da morte e do renascimento. Esse mito, dependendo da abordagem que se adota, tem recebido as mais variadas leituras.
Segundo a interpretação chinesa, de inspiração astronômica, a natureza é morta pelos três meses de inverno, ocultando-se sob a neve e ressurgindo ao iniciar-se a primavera. A régua de 24 polegadas representa as 24 horas do dia, pequeno ciclo onde a morte ainda não é fatal mas que já é anunciada. O esquadro, a divisão do zodíaco em quadrantes iguais. O malho, símbolo do círculo, representa o ano, durante o qual a natureza nasce, se desenvolve, declina e morre.
De uma perspectiva antropológica, sabemos que os ritos de passagem vêm sendo praticados há milênios, sempre envolvendo a idéia de morte e ressurreição.
No hermetismo, morte e putrefação são idéias que indicam o surgimento da vida: a idéia da morte do grão de trigo na terra para surgimento da planta é universal. O processo de decomposição da semente, a luta entre a vida e a morte, acaba pela vitória desta última. Mas o germe da vida, que parecia condenado, finalmente brota e ressurge triunfante. A expressão religiosa acabada dessa visão se encontra na crença cristã da morte e ressurreição do Messias.
Uma abordagem psicológica, explica a iniciação pelo mito do herói. O desterro do filho, ordenado pelo pai, a sobrevivência daquele, sua volta e, por fim, o assassinato do pai, significa a necessidade do psiquismo de evoluir para além das imposições culturais e axiológicas herdadas, em seu impulso para transformar o mundo e recriar constantemente a vida.
Seja qual for a abordagem, contudo, o eixo central é sempre o mesmo e se coloca como paradigma aos maçons em geral a aos Mestres em particular. O processo de busca incessante do maçom se orienta no sentido de ser cada vez mais, orientando-se sempre pelo mesmo eixo embora atingindo níveis cada vez mais altos de perfeição. Esse movimento dialético em que a vida é sempre a mesma ao mesmo tempo em que não o é mais, assim como nós vamos sendo cada vez mais sem deixarmos de ser nós mesmos, é que constitui o mistério inefável que buscamos desvendar através das “ciências” maçônicas. Ao Mestre cabe desvendar esse mistério não para comunicá-lo, mas para fazer de sua vida um exemplo que atraia outros à sua solução.
Como nos recordou um verdadeiro Mestre, o Ir.’. Nei Lisboa de Miranda[2], na aula que nos concedeu na cerimônia de Exaltação, um mestre é diferente de um professor. Professor é o especialista, é o indivíduo que conhece muito do pouco; Mestre é o sábio, aquele que é ciente e consciente da vida e que ilumina com seu exemplo a todos os que o buscam. Irmão João Pedro, Leonardo, Salomão e Thomas de Aquino: que esse passo que destes adentrando o terceiro e último círculo dos graus simbólicos seja o primeiro na senda da iluminação, para o vosso bem e o bem de todos os vossos irmãos.
Portanto, da maioria dos pontos de vista não causa nenhuma surpresa a Lenda do Terceiro Grau da Maçonaria Simbólica, já que ritos iniciáticos representando simbolicamente a morte e a ressurreição são da mais remota antigüidade. Esses ritos, apesar das diferenças de formas e detalhes, apresentam a mesma estrutura: a morte para esta vida, a ressurreição para uma vida nova, em busca da luz que oriente o caminho do iniciado, tendo em vista a eternidade da vida. Podemos mesmo dizer que as expressões "cavar masmorras aos vícios" e "construir templos à Virtude" são consentâneas com a idéia de morte e ressurreição. O batismo na água, dos primeiros cristãos, não era senão o "afogamento" do indivíduo e sua "salvação" para uma nova vida.
O nome Hiram-Abi, na verdade, significa "Hiram, meu pai". Ora, o que é o Pai, de um ponto de vista psicológico, senão a Consciência Superior, o que equivale ao Eu Superior da perspectiva mística? É exatamente essa Consciência Superior que é "assassinada" pelo homem em uma existência inconsciente. A Lenda procura nos dizer como podemos matar e enterrar nosso Eu Superior. Senão, vejamos:
J\, J\ e J\ são nomes que não apresentam tradução. Muitos estudiosos, guiados pela lógica própria da Lenda e pelo contexto da filosofia maçônica, entendem que podemos entendê-los como Ambição, Fanatismo e Ignorância. Esses três vícios, tão próprios do homem, especialmente do homem dito civilizado, ferem de morte os três aspectos elementares do homem: seu aspecto material, seu aspecto afetivo e seu aspecto mental. Podemos dizer que são os três piores defeitos a que a tríplice natureza do homem - material, emocional e racional - está sujeita.
Retomemos a Lenda: o primeiro companheiro feriu Hiram-Abi com uma régua, atingindo-o na garganta. A régua é a expressão do tempo e a garganta é o centro da comunicação, o ponto do equilíbrio entre o dar e o receber, o ponto da relação entre o interior e o exterior. A ambição é a perspectiva errada do tempo, no sentido de que é o desejo de antecipar, pela acumulação insana e até injusta, o futuro.
O segundo companheiro o feriu com um esquadro no lado esquerdo do peito. O esquadro é a expressão simbólica da retidão de comportamento e o peito é o centro do sentimento, o ponto de equilíbrio da afetividade. O fanatismo é a mais grave doença do comportamento social, sendo o pai das maiores desgraças que a humanidade tem notícia.
O terceiro companheiro o atingiu com um maço na fronte. O maço é a expressão simbólica da vontade e a fronte é o centro da razão. A ignorância é a pior condutora da vontade do Homem, colocando sua ação a serviço do erro. Resumindo: o mau uso dos úteis instrumentos de trabalho (régua, esquadro e maço) pode conduzir à morte do Eu Superior do Homem.
Dialeticamente, contudo, a morte do homem prepara também sua ressurreição no sentido espiritual. Daí que a Lenda é tanto uma advertência para as possibilidades de queda do homem quanto uma reafirmação de sua exaltação. Passando pelo Pórtico da Iniciação, o candidato à exaltação, na constante luta pelos perigos da existência - mosaico - será orientado pela Luz - Lâmpada Mística.
Como ele deverá se guiar nessa caminhada? Utilizando o compasso, o lápis e o cordel, ou seja: avaliando com justiça, planejando com sabedoria e aferindo seus limites com prudência. Só assim seu Eu Superior repousará em definitivo "o mais próximo do Sanctum Sanctorum", isto é, do G\A\D\U\.
[1] Ir\Aroldo Frenzel, hoje no Or\Eterno.
[2] Dep\do Grão-Mestre da M\R\G\Loja do Paraná em 2002.
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