Amizade Verde
Árvore, hoje, 21 de setembro, é o teu dia! Dia em que te prestamos nossa homenagem para te expressar a nossa gratidão. Contigo convivemos durante os 365 dias do ano, em que nos cumulais com benefícios sem conta, sem a exigência de qualquer paga.
No bosque nasceste sob o sorriso dos que te plantaram, a bendizer o sol e a chuva, sob cujos olhos vieste a crescer. Tuas hastes erguidas para o alto, sob o embalo dos trinos do passaredo, de alma tão simples como a tua, fez esparzir ao derredor folhas e flores, sombra e frutos, Tua vida, de costume, se traduziu sempre em doação perene a tudo e a todos. Em teu tronco robusto sobrou lugar para as cigarras, tuas inquilinas gratuitas, a inundar de poesia o vergel solitário nas tardes mormacentas.
Sob tua fronde, o peregrino exausto fez um hiato na jornada sem rumo. Com teus frutos saciaste a fome de tantos passantes anônimos... Com as flores pendidas dos teus braços fortes foste a hospedeira dos colibris e dos insetos. As tuas folhas, osculadas pelo sol e pelo vento, no milagroso processo da fotossíntese renovaram continuamente a atmosfera e te fizeste no auditório da floresta ao abrigar em teus ramos as aves canoras. Aves alvorotadas nas manhãs radiantes e a planger no poente anunciando as noites. Tudo em milagroso anonimato! Sem alardear jamais a tua inequívoca utilidade e benemerência! Mas, num dia cinzento, te visitou um machado assassino...
Como os realmente fortes, não choraste tu o decreto de teu próprio fim, nem perguntaste a razão de quem te feria! Não tombaste ao primeiro golpe, nem ao segundo ou ao terceiro. Todavia, aos poucos, batida após batida, derreaste, a devolver perfumes contra as investidas do aço frio que te recortou as entranhas.
Choraste pela vez primeira ao ver em desabrigo a passarada, em revôos assustados e sem norte, a cigarra em silêncio, os beija-flores em pânico, as formigas em apressado despejo. Foi assim que um último ai pendeu dos teus galhos hirsutos de folhas. Tombaste, finalmente, num derradeiro beijo à verde alfombra, teu primeiro berço e último descanso.
Não obstante, não quis teu fado que te silenciassem sob um mausoléu. Tu, que tantas flores depuseste ante tantos olhares, não viste sequer uma rosa sobre o teu último dia. Quis a Natureza que os teus próprios algozes perpetuassem a tua memória.
Foi de teu cerne, ex-berço das cigarras cantoras, que veio a nascer das mãos de um artífice, um piano, um violão, um violino, um banjo, quase uma orquestra. Das sementes esparsas ao teu redor, outras árvores surgiram em amanhãs que sequer imaginaste. Trazem gravado na nervura das folhas o teu mesmo destino: a ingratidão final traduzida em extrema renúncia ao supremo sacrifício.
Entretanto, uma parte de ti, adentrada silentemente a um forno, ainda assim se fez ouvir em estalos acesos de alegria, porque cozeu o pão para bons e maus e, numa branca espiral de fumaça, evolada de uma chaminé, tua alma se elevou aos céus, sem necessidade de anjos ou guias.
Árvore, talvez ainda volte ao mundo numa gota disfarçada de chuva, a tua alma que se transplantou para o paraíso. Do mesmo modo, sem escolher onde cair, essa garoa transfeita de teus restos, regará com ternura as tuas próprias ou outras sementes...E o vento, teu irmão mais velho, há de fazê-las ressurgir pelos quatro cantos da terra.
PS. Esta crônica foi destaque no “Concurso Nacional Rubem Braga 2009”, de Cachoeiro do Itapemirim. (Geraldo Generoso, Escritor e Jornalista, de Ipaussu, SP) - calvoap@yahoo.com.br
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