quinta-feira, 9 de junho de 2011

Artigo: Magia e Misticismo - A/0924

Magia e Misticismo

A confusão entre a Iniciação e o Misticismo é sobre todo produto daqueles que querem, por uma razão qualquer, negar mais ou menos expressamente a realidade da iniciação reduzindo-a a algo diferente. Por outro lado, nos ambientes que, pelo contrário, tem pretensões iniciáticas injustificadas, como os ambientes ocultistas, têm tendência a considerar, como formando parte integrante do domínio da iniciação, se não inclusive como constituindo-a essencialmente, a uma multidão de coisas de outro gênero que o são completamente estranhas, e entre as quais a magia ocupa freqüentemente o primeiro lugar.


As razões desse erro são também, ao mesmo tempo, as razões pelas quais a magia apresenta perigos essencialmente graves para os ocidentais modernos, e dos quais o primeiro é a sua tendência a atribuir uma importância excessiva a tudo o que são "fenômenos", como testemunha por outra parte o desenvolvimento que tem dado as ciências experimentais. Se forem tão facilmente seduzidos pela magia, e se se imaginam até o ponto acerca de seu alcance real, é porque é, também, uma ciência experimental, ainda que bastante diferente, com segurança, daquelas que o ensino universitário conhece debaixo dessa denominação. Assim, pode-se afirmar, que no processo evolutivo da raça humana, ao longo de tanto tempo, "Misticismo" e "Magia" são expressões muito conhecidas, mas na aplicação prática, cada termo pode designar um sentido diferente. O místico e o mago se encontram, porque ambos exercem a magia e o misticismo, com o propósito de buscar sempre a evolução de seus adeptos.


Não é preciso, então, enganar-se: trata-se de uma ordem de coisas que não tem em si mesmo absolutamente nada de "transcendente"; e, se uma ciência semelhante pode, com todas as demais, estar legitimada por sua relação com os princípios superiores dos quais tudo depende, seguindo a concepção geral das ciências tradicionais, não se situará, sem dúvida, na última categoria das aplicações secundárias e contingentes, entre as que estão mais distantes dos princípios, logo, entre as que devem ser consideradas como as mais inferiores. Essa transcedência é muito mais presente na magia, pois ela é mais freqüente em nosso viver. No misticismo, ela se apresenta de forma indelével, mas também é perceptível.


A magia é considerada em todas as civilizações orientais. Que ela existe é um fato inegável, porém está muito longe de ser tão bem vista como se imaginam muitas vezes os ocidentais. No Tibete mesmo, tanto como na Índia ou na China, na prática da magia, enquanto "especialidade", se pode-se dizer assim, é abandonado aquele que é incapaz de elevar-se a uma ordem superior. Isto, por hipótese, não significa que os demais não possam também produzir de vez em quando, excepcionalmente e por razões particulares, fenômenos exteriormente semelhantes aos fenômenos mágicos, porém o objetivo e inclusive os meios colocados em prática são, na realidade, totalmente diferentes. Ademais, para aderir-se ao que é conhecido no mundo ocidental, que se tomem simplesmente as histórias de santos e feiticeiros. E isto demonstra bem que, contrariamente a crença dos modernos "cientistas", os fenômenos, sejam quais forem, não poderiam em absoluto, provar nada por si mesmos.


Agora, é evidente que o fato de iludir-se sobre o valor destas coisas e sobre a importância que é conveniente atribuir-lhes aumenta consideravelmente o perigo; o que é particularmente nocivo para os ocidentais que querem envolver-se na magia é a completa ignorância em que necessariamente estão, no atual estado de coisas e na ausência de todos os ensinamentos tradicionais, acerca daquilo em que se ocupariam em outras circunstâncias. Inclusive deixando de lado os farsantes e os charlatões tão numerosos em nossa época, que não fazem, em suma, nada, mas que exploram a credulidade dos ingênuos, e também aos simples caprichos que crêem poder improvisar uma "ciência" à sua maneira, os mesmos que desejam com seriedade tentar estudar estes fenômenos, não tendo dados suficientes que os guiem, nem uma organização constituída para apóia-los e protegê-los, vêem-se reduzidos a um grosseiro empirismo; comportam-se verdadeiramente como crianças que, isentos de si mesmos, quiseram manejar forças terríveis sem conhecê-las, e, se ocorrem constantemente deploráveis acidentes, por uma imprudência semelhante, não têm lugar para maravilhar-se mais da conta.


Falando de acidentes, queremos especialmente fazer alusão aos riscos de desequilíbrio aos quais se expõem, quem atua assim. Este desequilíbrio é, com efeito, uma conseqüência bastante freqüente da comunicação com o que alguns têm chamado o "plano vital", e que não é, senão outra coisa, que o domínio da manifestação sutil, considerada por outra parte principalmente naquelas de suas modalidades mais próximas à ordem corporal, e por ele mais facilmente acessível ao homem comum.


A explicação é simples: trata-se aqui, exclusivamente, de um desenvolvimento de certas possibilidades individuais, e inclusive de uma ordem demasiado inferior; se este desenvolvimento produz-se de uma maneira anormal, desordenada e inarmônica, e em detrimento de possibilidades superiores, é natural e em qualquer caso inevitável que se deva redundar em semelhante resultado, sem falar das reações, que não são, em absoluto, depreciáveis e que algumas vezes chegam a ser terríveis, das forças de todos os gêneros com as quais o indivíduo se põe desconsideradamente em contato. Dissemos "forças", sem precisar, pois pouco importa para o nosso propósito; preferimos utilizar esta palavra, por vaga que seja, a de "entidades", que, ao menos para os que estão suficientemente acostumados a certas maneiras simbólicas de falar, corre o risco de dar lugar demasiado facilmente a "personificações" mais ou menos fantasiosas.


Este "mundo intermediário", é, por outra parte, como muitas vezes temos explicado, muito mais completo e mais extenso que o mundo corporal; porém o estudo de ambos encaixa, igualmente, no que se pode chamar as "ciências naturais", no sentido mais autêntico desta expressão. Querer ver algo mais é, repetimos, iludir-se da forma mais estranha. Não há aqui absolutamente nada de "iniciático", não mais por outra parte que de "religioso"; encontrando-se inclusive, de maneira geral, muito mais obstáculos que apoio para alcançar o conhecimento verdadeiramente transcendente, que é algo completamente diferente das ciências contingentes, e que, tem ares de um "fenomenismo" qualquer, não proveniente senão da pura intuição intelectual, que é a única e pura espiritualidade.


Alguns, depois de se entregar durante algum tempo à busca de fenômenos extraordinários ou supostamente extraordinários,, acabam sem dúvida por abandoná-la, por uma razão qualquer, ou por ficar decepcionados pela insignificância dos resultados obtidos e que não respondem às suas previsões, e, coisa digna de se assinalar:; ocorre isso, freqüentemente se voltam então para o misticismo. Por estranho que possa parecer, à primeira vista, este responde ainda que sob outro aspecto, a necessidade ou aspirações similares.


Com segurança, estamos bem longe de dizer que o misticismo tenha, em si mesmo, um caráter notavelmente mais elevado que a magia, porém, apesar de tudo, se analisarmos com maior profundidade, podemos dar-nos conta de que, sob um certo aspecto ao menos, a diferença é menor do que poderia crer-se: aqui, todavia, de fato trata-se de "fenômenos", visões ou não, manifestações sensíveis e sentimentais de todo o gênero, com os quais se permanece sempre exclusivamente no domínio das possibilidades individuais.


Os perigos de ilusão e de desequilíbrio estão longe de ser superados, e, se revestem aqui de formas tão diferentes, não sendo menores por isso.


Estão inclusive agravando, em um sentido, pela atitude passiva do místico, que, como afirmamos, deixa a porta aberta a todas as influências que podem apresentar-se, enquanto o mago está ao menos protegido até certo ponto pela atitude ativa que se esforça em conservar a respeito das mesmas influências, o que certamente não significa, por outra parte, que resista sempre e que não termine por ser submetido a elas, Daqui vem também, ademais, que o místico, quase sempre, seja muito facilmente vítima de sua imaginação, cujas produções, sem dúvida, se entrecruzam muitas vezes com os resultados reais de suas "experiências" de uma maneira um pouco mais ou menos inconstante.


Por esta razão, não é preciso exagerar a importância das "revelações" dos místicos, ou, ao menos, não se deve jamais aceitá-las sem controle. O que possui todo o interesse em certas visões é que estão de acordo, em numerosos pontos, com os dados tradicionais evidentemente ignorados pelo místico que teve as visões. No entanto, o que seria um erro, e inclusive uma inversão das relações normais, é querer encontrar aqui uma "conformação" dos ditos dados, da que não tem por outra parte nenhuma necessidade, e que são, pelo contrário, a única garantia de que há realmente nas visões em questão algo diferente a um simples produto da imaginação ou da fantasia individual.

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