Plantão de sábado à noite, um calor danado. Estava a caminho do bebedouro mais próximo quando a recepção anuncia a chegada de mais um paciente. Eles (da recepção) devem ter câmeras escondidas pelo hospital, porque é impressionante a freqüência com que chamam exatamente na hora em que vamos almoçar ou ao banheiro. É você lembrar que tem bexiga ou estômago, e pronto!, lá vem o som pelos corredores solicitando sua presença com urgência em algum lugar distante.
Deixei o bebedouro onde estava – pesado demais para carregar –, e voltei à sala de atendimento a tempo de ver dois amigos deitando um terceiro sobre a maca, nariz sangrando que era uma beleza.
- Saindo da festa, bateu com o carro, doutor!
Conforme relato da própria vítima, poucos metros após dar partida ele colidiu com um poste “que estava pra todo lado na rua”. Ótimo. Postes que miram em carros. Os donos de auto-escolas irão adorar a notícia.
Exame neurológico, respiração, pulsos, pressão arterial... tudo estável. Levo o paciente para a radiografia. Fora o hálito pra alambique nenhum botar defeito e um pequeno galo na testa, tudo normal.
- É doutor, a sorte foi que eu tomei umas latinhas energéticas antes de ir para a balada. Se não fosse isso, bau-bau. Tinha sido muito pior, viu.
Latinhas energéticas. Cheguei a imaginar alguma forma extraterrestre de baterias líquidas para consumo humano, mas era mais simples que isso. Como qualquer entretenimento gastronômico da moda, as bebidas energéticas vêm ganhando espaço na mídia, nas prateleiras das lojas de conveniência, nas boates e nos estômagos dos mais sugestionáveis. Na maioria dos casos, não passam de drinques ricos em carboidratos contendo doses generosas de cafeína, vitamina B, aminoácidos e ervas com propriedades estimulantes.
Entre outras coisas, estas pequenas bombas enlatadas se dizem capazes de repor a força, a disposição e até mesmo a potência sexual. Com um apelo desse, as bebidas energéticas movimentam um mercado de 3.5 bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos, especialmente entre jovens de 18 a 30 anos de idade.
A raiz do problema não está na propaganda ou no conteúdo, mas no volume: uma lata de bebida energética contém a mesma quantidade de cafeína de uma xícara de café, e os jovens conseguem derrubar não uma ou duas doses, mas várias latas “energéticas” no intervalo de poucos minutos. A ingestão excessiva de cafeína resulta em ansiedade, insônia e agitação. Além disso, a Taurina, um aminoácido presente em algumas bebidas energéticas, aumenta o trabalho cardíaco quando combinada à cafeína, intensificando a sensação de estar cheio de energia.
Não é raro ver pessoas associando bebidas energéticas a drinques alcoólicos. Elas dizem que a associação diminui os efeitos depressivos do álcool - e estão certas. Porém, ao mascarar estas conseqüências, o ilustre beberrão fashion termina ingerindo uma quantidade de álcool muito acima dos limites do próprio corpo. E as conseqüências chegam logo.
As bebidas energéticas não cortam os efeitos do álcool sobre a coordenação motora. Ou seja: apesar dos altíssimos níveis de álcool no sangue, você se encontra estimulado o suficiente para achar que é capaz de dirigir até sua casa. Está alerta e falante, mas sua rapidez de reflexos é de fazer vexame em qualquer concurso de lesmas e tartarugas com cãibras.
O álcool não afeta apenas a coordenação motora, mas também a capacidade de tomar rapidamente decisões. Motoristas alcoolizados são perigosos não apenas devido à sua falta de coordenação, mas porque não são capazes de avaliar corretamente os riscos a que se expõe.
As pessoas precisam compreender que a sensação de bem-estar produzida pelo consumo de bebidas energéticas não significa necessariamente que o corpo não foi afetado pelo álcool. Se você bebeu além do razoável, mesmo com suas latinhas energéticas e tudo mais, você está sob os efeitos do álcool, sim – apenas não se deu conta ainda. Pelo menos, não até deitar na maca do pronto-socorro mais próximo.
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