segunda-feira, 6 de maio de 2013

Dr. Toledo - 50 Anos - II

Dr. Toledo II - 50 Anos de História

Há profissionais da saúde que fazem de sua profissão um sacerdócio. O médico José Carlos Dias de Toledo, que completou 88 anos no final de 2012, é um exemplo. Especializado em ortopedia, com passagem por alguns dos mais modernos hospitais dos Estados Unidos, ele escolheu Maringá para fazer história. Em 1961, quando a pujante cidade ainda se consolidava como centro regional, ele chegava com a sua família. Mais de meio século, portanto.
Residiu em Maringá por apenas vinte anos, mas sua atuação revelou-se decisiva numa época em que parte da população infantil foi acometida, como em nenhum outro momento, de um assustador surto de poliomielite (paralisia infantil). Em sua especialidade e por suas iniciativas, Dr. Toledo destacou-se como o médico que, na oportunidade, estava trabalhando na cidade onde deveria estar. Colocado certamente por Deus para que quase uma centena de crianças voltasse a ter qualidade de vida.

A ANPR E O GRÊMIO - O médico possuía uma bagagem de conhecimentos e técnicas avançadas para os padrões brasileiros que foram valiosos para o enfrentamento da doença. Nesse contexto, um dos legados que o eternizam foi a fundação, em 1963, da Associação Norte Paranaense de Reabilitação, a ANPR, da qual tornou-se também o primeiro presidente e médico voluntário durante todo o tempo em que residiu em Maringá. A ANPR, que completa meio século em 2013 como uma referência no Paraná, é um dos orgulhos do Dr. Toledo, profissional que se notabilizou também a  serviço do Grêmio Esportivo Maringá, o famoso “Galo do Norte”. “Pé quente”, ele experimentou o sabor da conquista dos dois primeiros títulos estaduais da equipe, em 1962 e 1963, e também do brasileiro, o “Robertinho” de 1969. Portanto, a primeira façanha foi há 50 anos. Mas não parou por aí. Como ortopedista acostumado a trabalhar com atletas e que sabia muito bem o que estava fazendo, teve influência direta no terceiro campeonato do Grêmio em 1977, ao “bancar” perante a diretoria a capacidade física do centroavante Itamar Bellasalmas, que fora dispensado do Palmeiras por uma grave virose e, para muitos na época, acabado para o esporte. Itamar, que escreveu um capítulo feliz da história do futebol maringaense, não apenas tirou o time da repescagem, como também foi o artilheiro da competição, fazendo o gol decisivo do título, na célebre disputa com o Coritiba em plena Capital paranaense .

 Há muitas outras passagens envolvendo a participação do Dr. Toledo, no futebol e fora dele, que o projetaram no País e no exterior, e levaram adiante o nome de Maringá, como aconteceu no atendimento prestado ao goleiro Adamache da Seleção Romena, o qual sofreu fratura do malar (zigoma), num jogo disputado em Maringá, recebendo por isso cartões postais de agradecimento desse atleta, enviados do México e de Bucareste. Tudo isso faz do médico um personagem importante, cujo nome é valorizado na memória da cidade.

“CAFÉ COM LEITE” - José Carlos Dias de Toledo nasceu a 10 de novembro de 1924 emBebedouro, no interior paulista,  sendo o terceiro filho de uma família de produtores rurais de linhagem “café com leite”, formada por ancestrais de origem paulista e mineira.  O menino viveu até os cinco anos em Bebedouro, com seus pais Lúcio Dias de Toledo e Maria de Lourdes Moura de Toledo, ao lado dos irmãos Paulo, Walter, Lúcia e Maria Aparecida. Nos cinco anos seguintes, a família transferiu seus negócios para a Fazenda de pecuária “São Sebastião”em Orindiúva, extremo norte paulista, próximo ao Triângulo Mineiro. José Carlos foi alfabetizado ali, numa escola rural, sob a orientação do professor Pedro Lima, homem simples e admirado por seus conselhos. Ao completar dez anos, de mudança para Barretos, José Carlos recorda-se que recebeu dele uma pequena carta, na qual se lia: “Vai com Deus e não se esqueça de mim”. Setenta e oito anos depois, em depoimento a este livro, o médico ainda recordava-se com carinho do primeiro professor.  Em Barretos, os estudos seguiram no Grupo Escolar e no Ginásio Municipal “Orlando França”.

NA CAPITAL DA GAROA- Com quinze anos, o jovem foi para São Paulo em busca de emprego para custear o ensino noturno, encontrando colocação na Cooperativa Central Agrícola de São Paulo, cujos escritórios ficavam num prédio na Praça João Mendes, atrás da Catedral da Sé. A entidade à época presidida por Francisco Antônio de Toledo Piza, congregava basicamente agricultores de origem japonesa e produtores de café, arroz, feijão, ovos, frutas e outros itens. O jovem cumpria o expediente cuidando das correspondências e redigindo cartas para associados e repartições públicas. 

Quando a idade permitiu, prestou vestibular para o curso de Economia na antiga Faculdade de Economia, Finanças e Administração da Cidade de São Paulo. Ao cabo de três anos graduou-se ao lado de outros 28 bacharelandos. Foi um período difícil e sacrificante: morando em pensão; trabalhava, estudava e cumpria o serviço de Tiro de Guerra, obtendo o certificado de reservista pelo TG 35 após juramento à Bandeira no Vale do Anhangabaú. Rememorando, diz que fazia instruções  nos morros inóspitos do Pacaembu, bivaque em Caieiras e treinamentos para o manejo de fuzil no campo do Juventus, situado no Bairro da Mooca.  

A REVIRAVOLTA – No entanto, como a profissão de economista ainda não estava regulamentada no país, José Carlos refletiu sobre o seu futuro e tomou a decisão que lhe parecia mais importante de sua vida até então: cursar medicina, espelhando-se no sucesso de um tio, irmão de seu pai, o Dr. Ricardo Dias de Toledo, cirurgião conceituado que atendia pacientes de toda a região em sua Casa de Saúde “Doutor Toledo”,  na cidade de Bebedouro.

José Carlos o procurou e lembra que o tio ficou satisfeito com  sua determinação, prontificando-se a ajudá-lo financeiramente. Ele, então, retornou a São Paulo para fazer o curso científico no Colégio Anglo Latino, preparando-se para o vestibular na Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (UB), na Praia Vermelha, Rio de Janeiro. A Faculdade, uma das mais conceituadas do País, era a mesma em que o tio havia se formado.

ESTUDANDO E TRABALHANDO - Aprovado em disputado exame vestibular no ano de 1948, o jovem fez o curso com a duração de seis anos.  Enfrentou problemas de moradia, alimentação e transporte. O bonde “4-PVermelha” e ônibus “13.E.Ferro-Urca”, lotados e morosos. 

Em 1951 voltou a conviver com a tríade morar em pensão, estudar e trabalhar, com uma diferença: compartilhando, desta vez, com sua colega de turma Stella G. Rosembaum no Serviço Nacional de Recenseamento, que funcionava ao lado da Faculdade de Medicina. Ele como codificador e ela como revisora dos dados do Censo de 1950. Por meio de uma portaria, receberam um certificado de funcionários exemplares, com 100% de frequência, uma inequívoca prova de eficiência no trabalho realizado. Stella, de origem alemã com sangue baiano foi sua “girl-friend”, durante quatro anos. Ela estagiava na Cadeira de Ortopedia e, isso influenciou na escolha da especialidade que viria a abraçar. Bastante inteligente, seguiu carreira universitária, tornando-se Catedrática de Ortopedia, na Faculdade onde-se formou. Ele na fase acadêmica, estagiou-se na Maternidade Escola de Laranjeiras e no Hospital Moncorvo Filho, já auxiliando cirurgias. Destacou-se ainda, todos os anos, como representante de turma eleito pelos colegas; foi diretor do Departamento de Assistência do Diretório Acadêmico Carlos Chagas. Em 1953, em nome de todos os formandos, foi escolhido para prestar o juramento de Hipócrates nas solenidades de formatura no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 

O tio Ricardo Dias de Toledo

Vale, então, abrir um parêntese e relatar um pouco mais sobre a vida e a obra desse profissional que foi pioneiro em Bebedouro, onde inseriu seu nome na história da cidade.

Em 1987, já aposentado, e com a idade de 82 anos, o Doutor Ricardo foi entrevistado pelo jornal Gazeta de Bebedouro e a matéria com o título “Por suas mãos passaram centenas de vidas” ocupou uma página inteira na edição de 6 de junho. Ele havia exercido a medicina por mais de cinquenta anos e, já com a saúde frágil , recordou-se de ter sido estudante de Engenharia e de sua eleição para Deputado Estadual pelo Partido Republicano, obtendo expressiva votação. Filho de fundadores do Município e irmão do ex-prefeito Antônio Alves de Toledo, o médico alimentava naquele momento um grande desjo pessoal: construir o Lar do Idoso, na Chácara Paraty, em terreno de quatro mil metros quadrados de sua propriedade, para assistir àqueles que não podiam gozar uma velhice digna. Falamos apenas de passagem sobre a importância do apoio do médico Ricardo Dias de Toledo para que José Carlos, seu afilhado, pudesse abraçar a medicina.  “O médico de hoje sai da escola muito mais capacitado, mas no nosso tempo a profissão era um sacerdócio. Sem o médico de família, a medicina mais perdeu do que ganhou”, disse. Ainda sobre o período em que exerceu a profissão, ele declarou: “A medicina naquele tempo era feita sem os recursos de hoje. O primeiro raio X da região foi na minha Casa de Saúde. Hoje é uma medicina gostosa de ser trabalhada, com mais desembaraço. Mas, tenho saudade do tempo em que fazia diagnósticos muito mais por intuição”. No Posto de Atendimento Médico “Dr. Ricardo Dias de Toledo”, localizado no Jardim Sânderson, dedicou-se a um trabalho em grande parte assistencial.

De Volta à Bebedouro

Iniciando a vida profissional, José Carlos foi trabalhar com o tio Ricardo Dias de Toledo em Bebedouro, atuando como assistente de clínica geral e cirurgia. Após um ano, interessado em especializar-se em ortopedia, procurou o Dr. Luiz Tarquínio de Assis Lopes, conceituado profissional na Santa Casa de Ribeirão Preto, que o incorporou à sua equipe, da qual fez parte durante três anos. Reconhecendo o valor de seu pupilo José Carlos como habilidoso ortopedista, e atendendo a um desejo deste de aprimorar-se cada vez mais em sua especialidade, o Dr. Luiz Tarquínio o levou a conseguir uma cobiçada bolsa de pós-graduação de três anos na Universidade da Califórnia, em São Francisco. Dr. Tarquínio era conhecido do Dr. Ralph Soto-Hall, chefe do Serviço de Ortopedia do Hospital da Instituição. A única exigência feita é que José Carlos aplicasse no Brasil, posteriormente, os conhecimentos assimilados nos Estados Unidos, de maneira a contribuir para o aprimoramento da medicina em seu País.

Uma Bolsa de Estudos. Destino: São Francisco

Fazer pós-graduação no exterior não era para qualquer um. Além de ser muito difícil conseguir, exigia preparo, capacidade de adaptação e, obviamente, pleno conhecimento da língua inglesa, o que José Carlos não detinha. Tamanho desafio, em vez de assustar o jovem médico brasileiro, só o motivou ainda mais a fazer todo o possível para não deixar escapar a oportunidade.

INCANSÁVEL APRENDIZ - A bolsa, válida para o período 1957-1959, correspondia ao valor de 120 dólares mensais, passando a 200 dólares após seu casamento, com todas as despesas pagas. E assim, logo ao chegar a São Francisco, José Carlos matriculou-se numa escola pública para o aprendizado intensivo do idioma. Não obstante, adquiriu um aparelho de rádio com o objetivo de familiarizar-se ao som das palavras e, em suas folgas, procurava ver TV para absorver mais informações.

Em sua estadia, o médico conta que sofreu em razão das diferenças culturais e ambientais entre os dois países e, particularmente, a saudade dos familiares e da língua. Mas havia também a preocupação com algo inusitado para ele: “os tremores de terra” que, de vez em quando, chacoalhavam os ambientes. Durante um deles, ocorrido no momento de uma cirurgia, o desacostumado José Carlos lembra que se assustou e, por alguns momentos, deixou a sala. O motivo de toda essa precaução, foi porque a cidade de São Francisco sofreu um grande terremoto seguido de grande incêndio décadas antes, mais precisamente no ano de 1910.

APROVEITANDO O TEMPO - O sacrifício valeu a pena: foi um período de intenso aprendizado e aprimoramento que moldaram o seu perfil profissional. Nas férias, para aproveitar ao máximo o tempo, ainda procurava fazer estágios. Um deles, sobre cirurgia de mão, em companhia da equipe especializada do conceituado Dr. Bunell; outro, com foco no tratamento de escoliose no hospital do Dr. Joseph Risser em Passadena, próximo a Los Ângeles. 

Interessado por esportes, onde pretendia conhecer um pouco da atividade médica nessa área, o brasileiro conseguiu permissão para acompanhar, durante algum tempo, o médico do “San Francisco 49 ers”, importante clube de futebol americano da Califórnia, fundado em 1946 e um dos principais ganhadores do Super Bowl, evento tradicional que acontece no dia 1º de janeiro de cada ano em Pasadena, California, USA.

CAROL BETTY - Dos Estados Unidos José Carlos trouxe não apenas os conhecimentos e as técnicas mais modernas que fariam dele um profissional diferenciado em seu País. Em 1958, conheceu e casou-se com a técnica de Raio X Carol Betty, uma norte-americana cinco anos mais jovem: ele tinha 33 anos e ela 28. Natural de Denver, Colorado, era filha de um minerador que se tornou dono de uma área a qual, mais tarde, seria transformada em concorrida estação de esqui “Vail”, perto de Aspen. O casal formava um par aventureiros. Os dois gostavam da vida no campo, praticavam aventuras “off Road” com jeep nas montanhas, pescavam nos lagos das cercanias em Glenwood Spring – Rio Colorado,  pescavam trutas,  com ovas de salmão, as quais foram consumidas pelos familiares em uma cabana nos altos da montanha. 

A cerimônia de casamento realizou-se em Reno, no Estado de Nevada, onde o jogo é liberado e grandes cassinos funcionam dia-e-noite. É o lugar preferido por milhares de não-residentes, americanos ricos e famosos, assim como pelas estrelas de Hollywood, que lá se divorciam e casam de novo, beneficiando-se da lei estadual de “no-waiting”, para casamento, ao custo de U$ 25, favorecendo não só aqueles que se casavam pela primeira vez, como também os divorciados. Após a cerimônia, era costume jogar as alianças antigas nas aguas do riacho Truckee, que atravessa a cidade; este fato se tornou um atrativo turístico, pois, gerou uma nova profissão “os pescadores de alianças”, que as recolhem por meio de uma rede de malhas finas. No nosso caso nada lucraram, já que não haviam alianças para ser descartadas.

A exemplo do que ocorrera com o marido nos Estados Unidos, agora seria a vez de Carol estranhar os costumes e o modo de viver dos brasileiros. A primeira cidade onde viveu, Ribeirão Preto, exibia ares de metrópole importante e desenvolvida em comparação à maioria dos municípios, mas o Brasil não deixava de ser diferente e muito atrasado em relação à realidade norte-americana.

Anos depois, já no Brasil, Dr. Toledo analisou o perfil dela, escrevendo:  “Quem não teve oportunidade de conhecer Carol Betty ou de viver com ela, pode imaginá-la distante e pouco dada a relacionamentos. Todavia, sua timidez escondia uma mulher simpática e elegante no trato com as pessoas. Recatada e de poucas palavras, mas delicada nos gestos e atitudes, perfil que caracteriza a maioria das americanas, incorporou os hábitos e costumes brasileiros, naturalizando-se. Como uma perfeita ‘house-wife’, priorizou a educação dos filhos, ensinando-lhes uma segunda língua, o inglês, que viria, sem dúvida, ajudá-los em suas formações profissionais e, consequentemente, na conquista do mercado de trabalho, tornando-os plenamente vitoriosos em suas atividades. Carol, uma mulher mística e com visão de futuro, teve firme determinação para a solidificação de nossa família. Carol, uma mulher mística e com visão
de futuro, teve firme atuação para a solidificação de nossa família.
Com determinação e sacrifício, trilhamos e vencemos os obstáculos
encontrados no caminho da vida, em busca de nossos objetivos
que haveriam de ser fecundos e gratificantes nesta hospitaleira
Maringá, que nos recebeu de braços abertos.”
Com determinação e sacrifício, trilhamos e vencemos os obstáculos encontrados no caminho da vida, em busca de nossos objetivos que haveriam de ser fecundos e gratificantes nesta hospitaleira Maringá, que nos recebeu de braços abertos”.

CARTAS SEM TIL, CEDILHA E OUTROS ACENTOS – As maquinas de escrever daqui não possuem em seus teclados esses acentos. Portanto, nas cartas que enviamos ao Brasil não consta til, cedilha ou acentos agudos e graves, conforme se pode verificar pelos recortes de jornais que anexei. Li, com atenção,  sua última correspondência e, concordo plenamente com seus dizeres. Os preços dos carros entusiasmam a gente. Papagaio! Como andam as coisas por aqui – eis o raciocínio imediato. Com efeito, meu caro Toledo, qualquer bexiguinha mambembe, nestes “heróicos brasis”, custa sempre uma fortuna. 

Não há novidades por estas bandas. Tudo como você pode ver, ainda durante sua permanência nativa. Políticos à procura de negócios polpudos (embora nem sempre muito honestos), “pelegos” sindicais à cata de possíveis bandalheiras, e assim por diante.”

Dr. José Carlos Toledo nos escreve:  Do Dr. José Carlos Toledo que se encontra em San Francisco- Califórnia, EE.UU., onde se especializa no Serviço de Ortopedia do St. Joseph’s Hospital, recebemos interessante carta, agradecendo a noticia que publicamos sobre sua partida para aquele grande país amigo e relatando-nos fatos e coisas interessantes por ele observados no que se refere aos usos e costumes americanos. Dr. José Carlos fala nos vários “meentings” da especialidade que tem assistido nos diversos hospitais de San Francisco, do curso que irá iniciar na Universidade de Califórnia, de ciências básicas aplicadas à ortopedia, do qual pretende tirar o máximo proveito, dizendo-nos das saudades que já sente do Brasil, de seus amigos e parentes. Por essa razão falou-nos da imensa satisfação sentida ao receber uma carta do Dr, Honório. Por nos parecer interessantes certos fatos relatados pelo missivista, com o máximo prazer os apresentamos aos nossos prezados leitores. Diz aquele nosso amigo: “aqui se bebe só café aguado em xícaras de chá; o ônibus custa 15 cents, preço, único. com direito ao “transfer” para dois outros ônibus; a grande maioria tem carro e televisão; os carros usados custam uma ninharia e existem milhares à venda, e, este é um fato que nos impressiona, realmente, pois, como sabemos, no Brasil qualquer “bexiguinha mambembe” custa uma fortuna. De

todos os Estados,  Califórnia é o que possui maior número de automóveis, porém não existe problema de tráfego; existe, isto sim, problemas de estacionamento no centro da cidade e o número de mortes por acidente é elevado; poderá ver pelo recorte de jornal que estou anexando a esta; eu ainda não comprei carro, penso fazê-lo daqui a dois ou três meses, quando estiver dominando melhor a língua. Todos pagam imposto de renda, inclusive eu que estou pagando quase 20%, do que ganho; os quartos e salas de todas as casas e edifícios têm “heater”. Os tecidos de nylon são baratíssimos; não existem empregadas; quase todas as senhoras , e senhoritas fumam; em troca, não sabem cozinhar; o corte de cabelo custa dólar e meio; no dia 22 de novembro “Thanksgiving Day”, todo mundo come peru. O brasileiro é tido como espanhol. Geralmente,  não conhecem o Brasil e ficam muito admirados quando se lhes mostra um “pôster” de São Paulo, cidade de 3 três milhões de habitantes; existe grande número de bancas de jornais sem jornaleiros, onde cada qual apanha seu jornal e honestamente deixa os 10 cents. Por outro lado, existe W.C, cujo uso custa 10 cents. O cinema é caro, custando geralmente mais de um dólar; aliás, na semana passada, fui assistir  a essa nova  maravilha do cinema que é o Cinerama, o  3° da série, justamente as “Sete Maravilhas do Mundo”, onde o Rio de Janeiro é tido como a cidade mais linda, o que constitui motivo de orgulho para nós brasileiros. Paguei 25 cents; os hospitais  e os honorários médicos são caríssimos. 

Agradecemos ao Dr. José Calos Dias de Toledo pela interessante carta que nos enviou e fazemos votos para que sua estadia na terra de Tio San seja altamente proveitosa para a sua brilhante carreira.   

Em dezembro de 1956, o médico recebe uma carta assinada pelo amigo Hélcio Carvalho de Castro, jornalista do setor de Relações Públicas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, com o qual se correspondia. Vale destacar parte do conteúdo da mesma que, embora escrita numa época tão distante, contextualiza um Brasil pouco diferente do atual em determinados aspectos.

“Recebi dois cartões seus: o primeiro de New York e o segundo de São Francisco. Não respondi àquele, porque havíamos acertado que você pouco demoraria na megalópolis estadunidense. Aguardei este e, agora, cá estou eu, a espetar meus cansados dedos de repórter nas teclas da máquina.

É claro que minha preocupação inicial foi satisfeita logo às linhas inaugurais do postal californiano, quando você afirma que está aproveitando ao máximo o curso que a ventura lhe proporcionou fazer (ventura merecida, é evidente). Esperarei que você conclua o ‘currículum’ de aperfeiçoamento para, só então, sentir alguma necessidade ortopédica.

De volta ao Brasil

No mês de agosto de 1959, de volta ao Brasil, o médico José Carlos Dias de Toledo foi trabalhar novamente na equipe do Dr. Luiz Tarquínio, em Ribeirão Preto, onde em poucos anos certamente se projetaria como ortopedista e onde, com seu nome, poderia instalar uma clínica concorrida. Na mesma cidade, manteve a ligação que havia adquirido com o esporte nos Estados Unidos, auxiliando o Dr. Luiz Tarquínio a prestar atendimento às duas equipes de futebol locais, o Botafogo e o Comercial. No ano seguinte, recebeu o diploma de Membro Titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. 

Com o objetivo de desenvolver estudos e pesquisas dentro da especialidade médica de ortopedia foi fundado no Centro Médico local um Departamento de Ortopedia, considerado pela classe médica como âmbito regional e sua fundação reuniu vinte médicos dessa especialidade. A primeira diretoria eleita ficou contituida pelos doutores Luiz Tarquino de Assis Lopes, presidente; José Carlos Dias de Toledo, secretário; e Fausto Bergamini, prof. Marcondes de Souza, da Faculdade de Medicina local; João Marcelino, Benedito T. Terreri, Ivo Simões Gomes, Camilo Mercio Xavier Jr, Fabio Musa, Paulo Hoelz: médicos fundadores. 

Mudança para Maringá 

Inquieto, Doutor Toledo voltava seus olhos para outras regiões brasileiras, onde pudesse desenvolver plenamente a sua carreira. Visitara Campinas, Goiânia, Brasília... mas o destino o colocaria na rota de Maringá, cidade promissora do norte do Paraná.

Em suas primeiras décadas, as oportunidades oferecidas por Maringá, cidade que se desenvolvia rapidamente no interior do Paraná, soavam como um convite para gente do Brasil e até do exterior que sonhava em fazer riqueza. 

A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), de capital nacional, transformou a região em um verdadeiro “eldorado”. Detentora de 515 mil alqueires de terras férteis ainda recobertas por florestas em parte do norte e do noroeste do Estado, adquiridas junto ao governo paranaense, a empresa fundou mais de 60 cidades e fragmentou suas terras para a venda de lotes urbanos e rurais. 

Depois de colonizar e esgotar na década de 1930 a comercialização de imóveis no primeiro polo, que foi a região de Londrina, a companhia desenvolveu outros três: o de Maringá, a partir dos anos 1940; o de Cianorte, nos anos 1950; e o de Umuarama, nos anos 1960. 

A população rural, bem maior que a da cidade, ganhou substância principalmente por causa do café. A cultura, fortemente empregadora.

RITMO ALUCINANTE - Há quem compare a movimentação de brasileiros provenientes de todas as regiões e de levas de estrangeiros oriundos de vários continentes, à corrida que se viu na Califórnia em meados do século XVIII. O solo generoso para se cultivar café e a necessidade de suprimento de uma população que só fazia crescer, promoviam a derrubada do mato em ritmo frenético, enquanto casas de secos e molhados, pequenos restaurantes, hotéis e pensões, bares, oficinas, cerealistas, clínicas modestas e outros estabelecimentos, abriam suas portas.

Isto acontecia sem que a região tivesse estradas e, sim, caminhos de terra rasgados em meio ao sertão hostil, que ficavam intransitáveis quando chovia. Por isso, o tráfego aéreo era intenso, enquanto a ferrovia ainda avançava. Só ao chegar é que as pessoas se deparavam com as condições absolutamente precárias e inóspitas que as aguardavam. A maioria das localidades, incluindo Maringá, ainda não era servida de ruas pavimentadas, calçadas, água encanada e muito menos saneamento básico. Por sua vez, a geração de energia elétrica dependia de ruidosos motores estacionários impulsionados a diesel, que funcionavam apenas em determinados horários. Com isso, lamparinas e lampiões eram ainda artigos indispensáveis.

OPORTUNIDADES - Mesmo assim, a expectativa de prosperidade do lugar, baseada no que já havia acontecido em Londrina e no seu entorno, continuava fazendo com que muitas famílias deixassem seus Estados, ao mesmo tempo em que outras tantas transpunham oceanos em direção ao tão comentado norte do Paraná, com predominância de prosperidade aos quatro cantos e dela também dependia o comércio e a própria vida dos núcleos urbanos.

A cidade conquistou o Médico

Se de um lado a maior parte dos que chegavam era gente simples e sem instrução devotada ao trabalho braçal, de outro havia uma parcela mais sofisticada, formada principalmente por profissionais recém-formados que tentava alavancar suas carreiras. Eram, principalmente, advogados e médicos - a classe que habitava as melhores casas, desfilava em carros de luxo, influenciava na política, convivia em ambientes exclusivos e, por pertencer a uma camada superior, inspirava justificado respeito e admiração entre os moradores.

PRURIDOS DE RIQUEZA - Fazer logo o “pé-de-meia” era o objetivo dos graduados, mas não raro, mesmo os desprovidos de diploma flertavam com a chance de enriquecer. Homens simplórios, incluindo analfabetos, conseguiam em poucos anos, graças ao seu pioneirismo, obstinação e faro aguçado para os negócios, amealhar fortuna explorando filões no comércio ou comprando terra barata para revender com lucro. Maringá, desde cedo, revelou-se uma cidade fadada ao sucesso, mas impunha desafios.

Não se pode afirmar, portanto, que todos os que acorriam ao “eldorado” alcançavam seu intento. Aventureiros não habituados aos percalços e aos altos e baixos da agricultura, às surpresas preparadas pelo tempo, podiam ficar arruinados após uma única noite de geada. Por sua vez, hordas de miseráveis, atraídas pela crença de que “dinheiro nascia em árvore”, formavam na periferia bolsões de pobreza e desencanto.

Em 1961, dez anos após ter se tornado município e quatorze se levada em conta à data de fundação (10 de maio de 1947), Maringá já somava cerca de 100 mil habitantes e apresentava impressionante desenvolvimento urbano, sendo sede de bispado desde 1957.

Mesmo com o fornecimento de energia elétrica ainda sendo problemático, havendo constantes apagões – motivo de revolta dos moradores -, Maringá exibia uma atividade comercial fervilhante e  se sobressaía como centro atacadista importante no Brasil, reunindo dezenas de importadoras e empresas abastecedoras de secos e molhados.

Apesar de apenas um pequeno trecho das ruas centrais serem calçadas com paralelepípedos, a cidade se preparava para ganhar seus dois primeiros “arranha-céus” – o Três Marias, de nove andares, com salas comerciais, e o Maria Tereza, de doze, residencial, ambos na atual avenida Getúlio Vargas. A rodoviária nova seria inaugurada no ano seguinte e a Praça Napoleão Moreira da Silva já estava cercada de grandes magazines, entre os quais as lojas Pernambucanas, Riachuelo, Prosdócimo e Hermes Macedo.

A população estampava uma mescla de raças, visível sobretudo no comércio, com muitos estabelecimentos atacadistas e bares comandados por portugueses; restaurantes dirigidos por italianos; relojoarias, óticas e quitandas a cargo de japoneses; lojas e bazares mantidas por libaneses, enfim.

RUMO À “CIDADE CANÇÃO”- Foi esta cidade que, no mês de dezembro, recebeu a visita do médico José Carlos Dias de Toledo. Proveniente de Ribeirão Preto, ele viajara de carro até Londrina, distante 100 km de Maringá, em companhia do professor Marcondes, titular de ortopedia da antiga Faculdade de Medicina do município paulista.

Aos 37 anos, o Dr. Toledo prestava serviços à Santa Casa  de sua cidade, integrando por três anos a equipe do Dr. Luiz Tarquínio. No entanto, embora bem sucedido, ele acalentava a vontade de investir conhecimentos em uma clínica própria e trilhar o seu destino possivelmente em outra região, de forma que nem mesmo o convite feito pelo professor Marcondes para assumir seu assistente na cadeira de ortopedia da instituição, conseguiu demovê-lo, mesmo recebendo oferta de um estágio numa Universidade de Londres.

DR. DALTON PARANAGUÁ - A viagem do Dr. Toledo a Londrina, onde ele e o professor participaram de um congresso, seria decisiva para o seu futuro. No evento, reencontrou-se com um colega de turma dos tempos da Faculdade Nacional de Medicina. O colega era ninguém menos que o Dr. Dalton Fonseca Paranaguá, médico conceituado, que seria o futuro Secretário Estadual de Saúde (entre 1966 e 1968, no governo de Paulo Pimentel e Prefeito do Município na gestão 1969-1972). Em conversa com o Dr. Dalton Paranaguá,  Dr. Toledo expôs seu objetivo. Por meio dele, ficou sabendo das possibilidades oferecidas por Maringá, citada como “cidade rica e de muito futuro”.

PUJANÇA - Como era a primeira vez que o Dr. Toledo vinha ao Paraná, tudo lhe pareceu novidade. Estradas muito ruins, ainda sem asfalto, poeira vermelha, cafezais a perder de vista no campo. Mas o Estado o impressionava, sem esquecer que Londrina, então “capital mundial do café” – título que no passado havia pertencido a Ribeirão Preto – apresentava rápido desenvolvimento. Nesta cidade, como o Hospital Evangélico já contava com ortopedista, pareceu-lhe convincente a sugestão dada por Dr. Dalton de conhecer Maringá, para onde se dirigiu sozinho, naquele mesmo dia.

Na cidade, visitou diversos hospitais onde manifestou a seus diretores o propósito de manter clínica e prestar serviços. Em alguns deles, encontrou médicos contemporâneos bastante receptivos, que também haviam estudado na UB, caso do Dr. Michel Felippe, proprietário do Hospital Santa Lúcia, e o Dr. Fred José Poralla,  um dos integrantes do Hospital Maringá, que o recebeu ao lado dos demais diretores, o Dr. Ivaldo Borges Horta e o Dr. Francisco Valias de Rezende.

Deu “pane no motor”- Já inclinado a transferir-se para Maringá, por tudo o que tinha visto e também pela boa acolhida, Dr. Toledo aceitou um convite do Dr. Fred José Poralla para conhecer o Clube Hípico, um dos locais frequentados pela “nata” e onde, invariavelmente, próceres do município tomavam as decisões mais importantes. No caminho, pela avenida Paranavaí, no entanto, um susto: ao cruzar a linha férrea, já bem próximo do clube, o veículo conduzido pelo anfitrião, “apagou”. Sem pensar duas vezes, ambos saltaram rapidamente para removê-lo dali, visto que uma composição aproximava-se, apitando pouco adiante. Muitas décadas depois, no início de 2013, durante depoimento para produção deste livro, Toledo se recordaria com um toque de humor desse episódio, dizendo: “Foi por muito pouco”.

DESCONFORTO - Se Carol estranhara o atraso de uma cidade relativamente bem servida na época, como Ribeirão Preto, o que teria pensado quando a família transferiu-se para Maringá? Um lugar promissor, sem dúvida, mas de ruas sem calçadas e com uma insistente poeira vermelha a encardir os ambientes, quando não a lama gordurosa em prolongados períodos chuvosos, a falta de calçadas para pedestres, os péssimos serviços de eletricidade, o saneamento precário, a maior parte da população vivendo de forma simplória, e índice alarmante de mortalidade infantil. A população parecia não se incomodar com o desconforto. Famílias instalavam-se de forma improvisada em pequenas casas de madeira com latrina em separado - uma curiosa novidade para Carol. A água recolhida por sarilhos de poços manualmente perfurados nos quintais era a única a servir a população, orientada ao menos a fervê-la antes do consumo. 

Um Médico com muita visão

José Carlos, que em Maringá passou a ser conhecido simplesmente por Dr. Toledo, viera para prestar serviços de médico especializado em ortopedia no Hospital Santa Lúcia. Contudo, não lhe faltaram chamados para atender também em outros, caso dos Hospitais Maringá e Modelo, este último do Dr. Galileu Pasquinelli. Na região, viajava, eventualmente, para o município de Terra Boa, distante 60 km, onde atendia em um hospital de propriedade de dois colegas de turma nos tempos da UB: os irmãos Henrique e Miguel Alves Pereira. De vez em quando, ia para São Jorge do Ivaí e Engenheiro Beltrão, a pedido Dr. Antônio Mestriner e Dr Rebeis, seus conhecidos de Ribeirão Preto. Também constavam de suas viagens Nova Esperança,  onde trabalhava o Dr Isamo Totugui, e Jandaia do Sul, solicitado por outro colega de turma, Dr Agostinho Pereira, também seus colegas de faculdade. Inclui, por fim, atendimentos prestados em Mandaguaçu e Mandaguari. 

ATOLADOS - Numa de suas primeiras viagens a Terra Boa, em companhia da esposa e dos dois filhos pequenos, Dr. Toledo descobriu como era impraticável trafegar por estradas barrentas. Chovia muito e, decidido a voltar assim mesmo, não considerou os conselhos de que seria melhor evitar a viagem em condições tão adversas, ainda mais que escurecia e a família estava a bordo. Assim, enfrentando muita lama, o veículo acabou não indo mais que uma dezena de quilômetros, atolando próximo ao córrego São Lucas. Na difícil tentativa de seguir em frente, a esposa Carol teve que descer e empurrar, enquanto o marido manobrava. Foi assim por horas, o que exigiu paciência e muito esforço, até que conseguiram chegar ao município de Doutor Camargo, quase na metade do caminho. Ali, madrugada plena, sem conseguir um lugar para passar o restante da noite e sem ter onde comprar leite para as crianças já famintas, a família se obrigou a dormir no próprio veículo. Só mesmo ao raiar do sol é que foi possível prosseguir viagem, chegando a Maringá  muito cansados e sujos de barro.

PRIMEIROS PACIENTES - No Hospital Santa Lúcia, o primeiro paciente a ser atendido pelo Dr. Toledo foi, proveniente do município de Quinta do Sol, onde se acidentara durante corte de árvores e apresentava fratura exposta dos ossos da perna direita. No entanto, o médico recorda-se que ali davam entrada feridos em razão das mais diferentes causas. Quem mais comumente demandava atendimento nessa época eram as vítimas de traumas causados por acidentes, derrubada de floresta, quedas na residência, colisões e capotamentos de veículos que ocorriam principalmente em função da densa poeira das estradas. Por isso, era comum hospitais acolherem para atendimentos de emergência, pacientes com toda a sorte de fraturas. Tanto os médicos especializados em ortopedia, quanto os clínicos gerais tinham sempre muito trabalho e deles dependia o futuro daquela gente.

FALTAVAM RECURSOS - Em muitos casos, o médico se utilizava de conhecimentos adquiridos nos Estados Unidos, quase sempre surpreendendo os colegas. Um dia, o Dr. Pasquinelli o chamou para fazer a retirada de fragmentos de aço da articulação de um joelho. Sem grande dificuldade, Dr. Toledo empregou ímãs para removê-los, o que não era tão usual.

Clínica própria

Se para a esposa Carol, Maringá era uma cidade bastante aquém em relação às quais estava acostumada, para o Dr. Toledo o interior do Paraná não oferecia nem de longe os recursos tecnológicos de outros lugares por onde havia passado. Depois de cursar uma das melhores universidades de medicina do País, pós-graduar-se em um dos centros mais avançados dos Estados Unidos e de ter trabalhado com especialistas de renome em Ribeirão Preto, ele estava em Maringá. Uma cidade onde, nos melhores hospitais, se trabalhava ainda, não raro, com recursos bastante limitados, o que era ainda mais visível na região. Certa vez, ao atender a um caso de fratura- luxação exposta em Mandaguaçu, a 30km, o médico se recorda que pequenos mosquitos se movimentavam pelo ambiente, durante a operação. Ao perguntar ao colega se não havia perigo de contaminação, a resposta foi: “Eles estão esterilizados”. Em outras situações, se lembra da dificuldade para localizar profissionais anestesistas, principalmente em horários noturnos, porque nem todos se dispunham a sair da cama para atender emergências. 

Mesmo em tais condições, ele conta que teve a oportunidade de confirmar sua condição de especialista, diagnosticando e operando enfermidades como “psoíte”, uma infecção do músculo psoas iliaco, cuja função é fletir a coxa contra a bacia, simulando uma doença dessa articulação. Desdobrou-se na prestação de serviços a hospitais locais e de cidades da região, além de, sem perda de tempo, procurar instalar a própria clínica, seu principal objetivo. Assim, já no início de 1962, como já dito antes, inaugurava a Clínica de Ortopedia e Fraturas, ocupando um espaçoso imóvel na avenida Brasil 4313, o qual dividiu com o consultório de cardiologia do Dr. Célio Serpa Ferraz, profissional que também pretendia iniciar carreira na cidade.

DR. LUIZ SADER - Com o passar dos meses,  Dr. Toledo foi consolidando seu nome e o de sua clínica, conquistando muitos clientes. Não demorou, também, para que precisasse de um “partner”. Com tanto trabalho, era chegada a hora de contar com os préstimos de um especialista para auxiliá-lo no dia-a-dia. Esse médico foi o Dr. Luiz Sader, também de origem paulista, profissional e amigo de sua confiança, com o qual tinha afinidades. Ambos haviam sido colegas de Ginásio, de Universidade e feito o mesmo curso de especialização nos Estados Unidos. Não bastasse tudo isso, o Dr. Sader era casado com uma norte-americana, Nancy.

A história de ambas as famílias seguia seu curso com semelhanças e as mesmas expectativas, numa convivência harmoniosa. Foi por essa proximidade, com os filhos dos casais frequentemente brincando juntos, todos de pouca idade,  que o Dr. Toledo começou a observar com mais atenção o comportamento de Luizinho, o primeiro filho do colega. Percebia que o menino não conseguia acompanhar as brincadeiras. Recomendou, então, que o casal consultasse um pediatra neurologista para examiná-lo. Estava certo. O diagnóstico indicava paralisia cerebral, consequência de um parto difícil. 

Retorno- A vida que prometia tanto para o médico e sua família, mudara completamente de rumo. Aflita, Nancy não descansou até embarcar em companhia do filho para os Estados Unidos, onde foi em busca de tratamento especializado. Em Maringá, o Dr. Luiz Sader permaneceu ainda por mais algum tempo, sozinho e desmotivado, mas continuava trabalhando com o Dr. Toledo.

Com a forte geada de 1963, que afetou os cafezais da região, Maringá começou a passar por um momento de dificuldade econômica, com refluxo das vendas do comércio e menor demanda de serviços inclusive nas clínicas e hospitais. Ao manifestar seu desejo de retornar para o interior paulista, o médico encontrou o apoio que precisava do Dr. Toledo, o qual o recomendou para a Santa Casa de Campinas.

Esse período praticamente coincide com o nascimento de Peter, o terceiro e último filho do Dr. Toledo e Carol, ocorrido no Hospital Santa Lúcia no dia 27 de julho de 1963, sob a assistência do obstetra, Doutor Paulo Jacomini. 

NUMEROSOS ATENDIMENTOS- Nos vinte anos em que manteve clinica em Maringá, Dr. Toledo calcula ter atendido  não menos que vinte e sete mil pacientes. Sempre muito organizado e detalhista, ele mantinha anotações sobre cada um deles. Dessa forma, ao cabo de duas décadas, havia realizado 6.144 cirurgias, média de 25,6/mês.

OS PRIMÓRDIOS DA FUNDAÇÃO DA ANPR- A ideia da fundação de um Centro de Reabilitação para crianças defeituosas em Maringá, surgiu da necessidade imperiosa de se prestar assistência as crianças portadoras de sequelas de poliomielite (também chamada de paralisia infantil), doença essa que grassava, em forma epidêmica, em todas as regiões do Pais, atingindo principalmente o Norte do Estado do Paraná, onde a incidência de casos foi bastante elevada. De acordo com o Dr. Toledo, os sintomas da doença eram febre alta, provocando estado geral de gripe e paralisia flácida que atingia os músculos dos membros inferiores e, em casos mais graves, a região do tórax.

Antes dos programas de vacinação, os hospitais pediátricos de todo o mundo estavam cheios de crianças perfeitamente lúcidas condenadas à prisão do seu “pulmão de aço”(respiração artificial). Sendo uma doença neurológica crônica, não há tratamento especifico para a poliomielite. 

Em 1963, Maringá, toda a região e várias partes do Brasil, começaram a ser assolados por casos de poliomielite. De forma assustadora, a quantidade de registros só cresceu com o passar dos dias, semanas e meses. Crianças e adolescentes, em número cada vez maior, geralmente de famílias pobres, estavam sendo acometidos de paralisia infantil, doença temida, altamente contagiosa, causada por um poliovírus, oriundo da água e alimentos contaminados. 

As várias reportagens, quase que diárias publicadas pelo O Jornal de Maringá, nos primeiros meses de 1963, focalizando o caso do “Lavrador paralítico”, e, “Cleide, a menina paralitica”, comoveram profundamente a população, desencadeando de imediato o início de uma Campanha em prol das crianças defeituosas e seus familiares, realizada com verdadeiro sucesso, culminando com a fundação da ANPR, em 23 de Julho do mesmo ano. Desde logo, Dr. Toledo foi indicado para coordenar este movimento humanitário, não só pelo fato de ter prestado assistência especializada nos casos acima referidos, como também, pelo intercâmbio de doentes que já havia estabelecido com a AACD, de São Paulo.

INTERCAMBIO COM AACD - Dr. Ivan Ferraretto, na época era o assistente N° 1 do Dr. Renato Bomfim, e que viria ocupar, com destaque a presidência da AACD, que se tornou o maior centro de reabilitação de crianças defeituosas da América do Sul. Dr. Toledo recebeu uma carta do médico Ferrareto, encaminhando o menor Clóvis Lopes da Silva, que necessitava de tratamento cirúrgico de sequelas de paralisia infantil. Uma carta datada de 13 de fevereiro de 1963 foi trazida pela família do menino. Nela, o Dr. Ferrareto explicou: “Trabalhei com o Dr. Fábio dos Santos Musa, em Ribeirão Preto, durante 17 meses. Durante esse período tive contato com o senhor, por intermédio de conferências e reuniões, no Instituto Santa Lydia e Santa Casa, em Ribeirão Preto, sabendo, portanto, de sua competência. Após esse tratamento, o menor será internado na AACD para reabilitação com aparelho ortopédico. Trata-se de família sem posses e, portanto, impossibilitada de permanecer em

São Paulo para o tratamento cirúrgico”. Seu pedido foi imediatamente atendido pelo Dr. Toledo, o qual realizou o tratamento cirúrgico indicado.

Assim sendo, obtivemos o apoio total do Dr. Renato Bomfim, presidente daquela entidade, que nos ofereceu o “know how” das campanhas que realizara em São Paulo, com a feliz escolha de uma “criança-simbolo”. A proposito, a charmosa menina Cleide, que havíamos atendido e que fora encaminhada para AACD, a fim de receber um aparelho ortopédico, conquistou a simpatia geral de todos os setores da AACD, tendo sido escolhida como a “Criança-Símbolo” da Campanha Nacional daquela entidade, ocupando a manchete dos noticiários de todos os principais  jornais do Pais.

Da AACD vieram diversos outros pacientes, alguns enviados pelo médico Reynaldo G. Calia, assistente, mas igualmente, médico competente integrante da equipe daquela entidade, a maioria em 1963, todos acompanhados de correspondências. Em uma dessas, datada de 28 de maio daquele ano, foi possível ter notícias do menino Clóvis Lopes da Silva, citado anteriormente. A assistente social Suzana Aparecida Medeiros encaminhava a menor Luzanira Silva Brasil, de três anos, cuja família residia em Ibiporã. Ele escreveu: “O que nos fez encaminhar esta criança ao senhor foi a maneira como o menino Clóvis Lopes da Silva, recomendado pelo Dr. Ivan Ferrareto, foi atendido em seu serviço. Atualmente, o referido menor está internado em nossa instituição. Recebeu aparelhos e já está andando bem”. Sobre a pequena Luzanira, o Dr. Calia enviou carta a 16 de setembro daquele mesmo ano ao Dr. Toledo, expressando a satisfação por ter resolvido em pouco tempo este caso, graças ao nosso mútuo entendimento. A menina recebera aparelhos ortopédicos e apresentava evolução de seu quadro clínico. Em outra carta, o Dr. Calia encaminhava uma criança procedente de Londrina, com paralisia cerebral espástica, paraplegia com mínimo comprometimento dos membros e razoável nível mental”. Ao final, ele dizia: “O mesmo fica livremente sob sua orientação, já que Maringá possui todos os recursos necessários e, inclusive, maior facilidade cirúrgica”.

Segundo especialistas, a multiplicação inicial do poliovírus ocorre nos locais por onde penetra no organismo (garganta e intestinos). Em seguida dissemina-se pela corrente sanguínea e, então, infecta o sistema nervoso, onde a sua multiplicação pode ocasionar a destruição de células (neurônios motores), resultando em paralisia flácida. Crianças de pouca idade, ainda sem hábitos de higiene, estavam particularmente sob risco. O poliovírus também era disseminado por contaminação fecal de rios e plantações. Todos os doentes, assintomáticos ou sintomáticos, expulsam grande quantidade de vírus infecciosos nas fezes até cerca de três semanas depois da infecção do indivíduo.

A “GOTINHA” SALVADORA - Em 1963, a vacinação periódica contra a poliomielite ainda não era efetuada, como se faz nos dias de hoje. A vacina inativada (Salk) havia sido introduzida poucos anos antes, em 1955, pelo médico, pesquisador, virologista e epidemiologista norte-americano Jonas Salk, enquanto a vacina oral, a conhecida “gotinha”, desenvolvida pelo médico e cientista também norte-americano Albert Sabin, ainda era muito recente. A vacina de Sabin se revelou mais completa do que a de Salk, a qual se mostrava eficaz na maioria das complicações, embora pouco eficiente na prevenção. A “gotinha” começou a ser testada em humanos em 1957 e somente foi licenciada em 1962, portanto às vésperas do surto que atingiu uma grande quantidade de crianças e adolescentes no Brasil.

OS PRIMEIROS CASOS DA DOENÇA - Dr. Toledo, que já havia atendido o “lavrador paralitico e Cleide a menina paralitica”, iniciou o tratamento cirúrgico das crianças que apresentavam deformidades, sequelas da poliomielite. Assim sendo, após rigorosa avaliação, realizou cerca de 300 procedimentos cirúrgicos em 75 pacientes, seguindo seus conhecimentos especializados e sob a orientação segura dos “text-books” americano (1). Lembra que os resultados foram excelentes, conseguindo colocar de pé crianças que andavam  engatinhando  e se arrastando pelo chão. “Senti-me muito gratificado ao vê-las andando  recuperadas e aptas ao exercício das atividades para a vida futura e inseridas ao mercado de trabalho. Em fim, considero-me realizado no meu desejo de ajudar essas pequenas criaturas portadoras de necessidades especiais, que sempre se mostraram agradecidas com um grande sorriso em seus lindos rostos.” O tratamento cirúrgico utilizado consistiu-se de transferências de tendões, fasciotomias, alongamentos ósseos de 3,5 cm, abaixamento de inserções musculares e outros. Posteriormente, quando a idade óssea permitia, outro procedimento era incluído: a artrodese. Ao todo, ele atendeu 75 crianças que voltaram a andar, fazendo uso de aparelho tutor longo ou curto, muletas, bengalas, botinas com palmilha, ou simplesmente  sem auxilio nenhum.  Julga que foi o período mais importante para ajudar a estabilizar os objetivos da ANPR, contando com o apoio inestimável da Dra. Nilda Satake, anestesista abnegada que, também, trabalhava sem receber nada.

A PRIMEIRA CAMPANHA BENIFICENTE -  Em Maringá, médicos e hospitais eram acionados quase que a todo momento e a sociedade se mobilizou em torno de uma campanha para prestar assistência às vítimas e também às suas famílias. Por orientação do Dr. Toledo, sob a égide “não peço piedade, apenas oportunidade”, foi organizada uma campanha, para prestar assistência a essas crianças e suas famílias formada, por um grupo de voluntarias senhoras da sociedade, presidida pelo Dr. Michel Felipe, coadjuvado por sua esposa dona Gedir, e uma equipe  composta por Pivene Piassi de Morais, Branca de Jesus Camargo Vieira, Déa Bastos, Nadyr Porto Virmond e Terezinha Wiedmann.

A OFICINA ORTOPÉDICA - O objetivo era a instalação de uma oficina ortopédica, para confecção dos aparelhos ortopédicos, complementos do tratamento cirúrgico,  que foi possível já em 1964 quando, no dia 8 de maio, foi inaugurada, ocupando um imóvel cedido gratuitamente pelos médicos Ivaldo Borges Horta e Francisco Valias de Rezende, ao lado do Hospital Maringá. “A façanha foi possível graças à iniciativa privada do povo de Maringá e municípios vizinhos, que responderam prontamente à primeira campanha financeira. A campanha foi considerada a mais humanitária já  realizada em Maringá, permitindo, em tempo recorde, angariar fundos que tornaram realidade a oficina ortopédica, a primeira etapa na conquista dos objetivos da ANPR. A Prefeitura participou do empreendimento, com a cooperação do médico Célio Serpa Ferraz. A oficina foi comandada pelo técnico ortopédico Valdir Fernandes dos Santos, funcionário numero 1 da ANPR,  trazido de Marília pelo próprio Dr. Toledo. “Assim que ele chegou, viajou para São Paulo diversas vezes na companhia do  Dr. Toledo, para comprar todo o material necessário. A oficina foi estruturada inteiramente com recursos obtidos na campanha”, reitera o médico. As viagem foram realizadas nos fim-de-semana, por três vezes usando um “fusquinha”, de propriedade do Dr. Toledo. Chegavam na madrugada de sábado ficando hospedados num hotel na avenida Duque de Caxias. Assim que tomavam o café da manha, lá estavam eles no bairro Canindé onde compraram maquinário  necessário para a oficina, depois de uma necessária  “tomada” de preços. A atual oficina ortopédica da ANPR ainda usa torno e máquina de costura industrial, adquiridos  naquela época.

ORIGEM DA ANPR

POR QUE O NOME ANPR? - O Dr. Toledo se recorda que, sem perda de tempo, sugeriu uma reunião para buscar apoio efetivo junto ao poder público, a qual aconteceu na Biblioteca Municipal, por sua indicação, com a presença dele, do secretário de Educação, Saúde e Assistência Social, Dr. Célio Serpa Ferraz, do Dr. Luiz Sader, do advogado Adriano Valente (que representou o Rotary Club), e dona Eugênia. Como em Curitiba já havia a Associação Paranaense de Reabilitação (APR), o nome da entidade, sugerido por  Dr. Toledo, foi Associação Norte Paranaense de Reabilitação (ANPR). Era  a data de 23 de julho de 1963.

PRIMEIRA DIRETORIA - Diante do parecer favorável do poder público, que se prontificou a ajudar no que fosse possível, formou-se ali mesmo uma diretoria provisória, encabeçada pelo Dr. Toledo na presidência e o Dr. Célio na função de vice-presidente, Eugênia Meller (1ª secretária), e o coronel Haroldo Cordeiro, Delegado regional de Policia, como tesoureiro. 

Dr. Toledo se recorda que algumas pessoas se destacaram bastante nessa fase inicial dos trabalhos, para que a ANPR, segundo ele, o trabalho de lideranças femininas, entre as quais a professora Pivene Piassi de Moraes, foi fundamental.

MAIS APOIO - Com o surto de poliomielite, a campanha de apoio às vítimas e seus familiares ganhou ainda mais força, conquistando adesões e apoiadores em Maringá e cidades vizinhas. Para que a sociedade conhecesse a gravidade do problema e se motivasse a colaborar ainda mais, o Dr. Toledo passou a fazer palestras em clubes de serviço em toda a região, recebendo  pacientes encaminhados por autoridades do Município e da região, como Marialva e Nova Esperança. 

CRIANÇAS-SÍMBOLO - Vítima da poliomielite, a menina Cleide Rodrigues de Souza, de quatro anos, foi alvo de intensa campanha filantrópica promovida pelo Jornal de Maringá, sendo submetida a longo tratamento. Recomendada pelo Dr. Toledo, ela foi levada posteriormente, por sua genitora, Maria de Lurdes, para  receber aparelho ortopédico em São Paulo, com passagens cedidas pela Vasp. “Cleide vai ficar boa”, garantiu o Dr. Toledo, que cuidou da criança em Maringá. Segundo publicou O Jornal, “O tratamento é demorado, mas já está revelando a sua eficiência, pois Cleide, que estava completamente paralítica na metade inferior do corpo, já fica em pé. Um dos membros ainda está insensibilizado, mas o Dr. Toledo espera vencer a doença.” Cleide tornou-se símbolo nacional da campanha de combate à poliomielite, chegando a participar de um evento público no Rio de Janeiro. 

Outra criança que se tornou símbolo da ANPR foi Maria do Carmo que, aos oito meses de idade acometida de poliomielite, doença que atingiu os músculos principais de seus membros inferiores, causando-lhe graves deformidades. Aos cinco anos, iniciou o tratamento, que lhe permitiu caminhar com o auxílio de aparelho ortopédico tutor longo e muletas. A menina ficou assim em condições de ser entregue à equipe de reabilitação. Foi fotografada junto com Clóvis, outra criança-símbolo segura pelas mãos de Pelé, grande atleta e goleador da época, que sempre fez questão de marcar presença nesses eventos.

O LAVRADOR PARALITICO - Um dos casos que também comoveu a cidade foi a do lavrador Osvaldo Duarte Silveira, morador em Paiçandu. Casado e pai de quatro filhos – o mais velho com dez anos de idade, ele havia sido afetado pela poliomielite há pelo menos uma década, estando paralítico, com forte deformação em ambos os pés. O médico avaliou que ele poderia se recuperar, dependendo do êxito de uma melindrosa cirurgia. No entanto, por ser a intervenção bastante dispendiosa, e com o emprego de uma série de medicamentos nas fases pré e pós-operatória, o Jornal de Maringá se movimentou em uma nova cruzada para levantar recursos com o objetivo, também, de assistir a família. Posteriormente, o jornal publicou matéria com o título “Lavrador operado. Movimento de recuperação prossegue” e o seguinte conteúdo: “Osvaldo Duarte, vítima de paralisia infantil, está internado no Hospital Santa Lúcia, restabelecendo-se de delicada intervenção cirúrgica. Osvaldo Duarte foi atendido gratuitamente naquele nosocômio e o facultativo que o operou, Dr. J. C. Toledo, em elevado gesto, nada cobrou pela intervenção. A família (esposa e quatro filhos) estão sendo mantidos pela campanha de auxílio feita pelo JM e que contou com decidida colaboração da população. 

TRABALHO HUMANITÁRIO - “Fizemos um intenso trabalho humanitário, envolvendo um grande número de pessoas em torno dessa causa”, recorda-se o Dr. Toledo. Dentre os voluntários que em sua época como presidente também colaboraram, ele cita os de Conrado Mommenson, Josué de Moraes, Olintho Schmidt e Pedro Costa, este último presidente do Clube dos Gerentes de Bancos da cidade, o colunista da Folha do Norte do Paraná, o hoje imobiliarista Pedro Granado Martines, assim escreveu na edição de 1º de janeiro de 1964: “A ANPR realizou a campanha mais humana que se fez em Maringá”.

Reportagem publicada no dia 17 de outubro de 1965 na Folha do Norte do Paraná, com o título “Elas precisam de você”, mostrava que a ANPR já prestava assistência a mais de uma centena de crianças provenientes de várias regiões. “O bom povo é que a mantém com ajudas financeiras quando de campanhas”, mencionou o texto, que incluiu também: “Na maior campanha beneficente já realizada em nossa região, em 63, logo após a sua fundação, a ANPR adquiriu, com os fundos arrecadados (quase seis milhões) uma completa oficina ortopédica. Aparelhos ortopédicos  permitiram tratamento em mais de cem pequenas criaturas portadoras de deformidades físicas originadas da paralisia infantil”. Mais adiante, citou: “A ANPR deseja transformar-se numa associação quase completa em se falando de reabilitação da criança. Ela quer um gabinete de fisioterapia”. Ouvindo o Dr. Toledo, o jornal explicou que “A fisioterapia ensina através de exercícios , a tirar o máximo proveito das forças restantes, ensinando ainda o paciente a desenvolver o que chamamos de AVD (Atividades da Vida Diária). Entre outras atividades, precisa o paciente aprender a levantar-se da cama sozinha, entrar e sair da banheira, cuidar da higiene pessoal, vestir-se, pentear-se, colocar seu aparelho ortopédico sem ajuda, subir e descer escadas, atravessar uma rua, subir e descer de um ônibus etc. É um trabalho demorado que exige paciência e compreensão”.

COMANDANDO A BANDEIRA DA REABILITAÇÃO - Com o passar do tempo, a ANPR notabilizou-se por seu trabalho e crianças portadoras de sequelas, provenientes de municípios de toda a região, passaram a ser trazidas para tratamento na entidade. Este assunto foi abordado na edição de 26 de outubro de 1965 por “O Jornal de Maringá”. Dizia o texto: “Oriundas de Campo Mourão, Mandaguaçu e Nova Esperança, além de muitas outras, de cidades do norte paranaense, chegam à ANPR crianças defeituosas cujos pais ignoravam a existência em Maringá de uma entidade capaz de ministrar-lhes o devido e adequado tratamento. No dia 2 de dezembro de 1966, o jornal “O Estado do Paraná” comentou em editorial a atuação da entidade, com o título “ANPR, uma notável obra”. O texto mencionava: “Fundada em julho de 1963, graças ao idealismo de um grupo de pessoas de alto espírito público, funciona em Maringá a Associação Norte Paranaense de Reabilitação, prestando assistência às crianças defeituosas independente da condição social, raça, cor ou credo religioso. Organizada sob inspiração do médico José Carlos Dias de Toledo, que é atualmente o diretor clínico da entidade, e esteio da magnífica obra, a ANPR vem prestando um inestimável trabalho na reabilitação de crianças, que eram relegados à uma vida absolutamente vegetativa. Cumpre acrescentar, como detalhe valiosíssimo, que a entidade já tem uma oficina especializada na confecção de aparelhos ortopédicos, o que significa a complementação indispensável de um centro dessa natureza. Uma média de 15 crianças são atendidas diariamente pela ANPR, instalada num local bonito e muito bem aparelhada.”

GABINETE DE FISIOTERAPIA - A ANPR precisava agora de um gabinete de fisioterapia para poder complementar o atendimento às crianças e jovens e uma nova campanha foi organizada em outubro de 1965 para arrecadar os recursos destinados à aquisição dos equipamentos. Desta vez, o trabalho ficou a cargo de Ardinal Ribas, proprietário da Empresa Telefônica Maringá, com a participação de Pedro Granado Martines, Durval Riba e Agenor Bregola, este como tesoureiro. Abrindo um “livro de ouro”, recebeu valiosas doação  de vários segmentos do comercio. A campanha, que teve como patrono o diretor-gerente da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), Hermann Moraes Barros, foi lançada durante o jogo Grêmio x Arapongas, realizado dia 19 de outubro de 1965 no Estádio Willie Davids.

O Dr. Altino Borba, advogado e escritor, colunista  do jornal Folha do Norte do Paraná, comentou de forma emocionante, o que presenciou em prol da ANPR na promoção realizada, no Estádio Willie Davids na edição do dia 21 de outubro de 1965, escrevendo a crônica “Sentando na Bola”: “O Estádio Willie Davids”, no último domingo, foi palco de inúmeras e inesquecíveis emoções. Manifestações ruidosas de entusiasmo esportivo. Manifestações silenciosas de comoção íntima, de alegria espiritual. Os diretores da Associação Norte Paranaense de Reabilitação lançando a campanha oficial pró-Laboratório de Fisioterapia. Os pequeninos recuperados em desfile jovial. Ignorando a sua própria infelicidade com um sorriso nos lábios. O povo vibrando com os lances bonitos da partida de futebol. O povo contagiado com o sorriso das crianças e contendo lágrimas. Dona Eugênia, Ambrósio Neto e o Dr. Toledo conduzindo seus tutelados. A assistência olhando os lances do jogo. E contribuindo carinhosamente com o seu quinhãozinho. Antes do pontapé inicial, o Dr. Toledo ocupou o microfone. Mas o discurso não saiu. A voz ficou-lhe embargada na garganta. Nesse momento, toda a população de Maringá participou daquele soluço maravilhoso. Há momentos em que as palavras não dizem nada. Mas a explosão da alma se propaga em mil direções. As lágrimas do médico humanitário representaram a silenciosa prece que substituiu o discurso. E ninguém ficou sem entender. Os lenços foram levados disfarçadamente à altura dos olhos. O encanto de corações em “stripe-tease”. A bola branca era chutada de um lado para outro. Os torcedores fremiam aos sons de olé. Mas e o Dr. Toledo? A sua presença estava fazendo falta para complemento da festa. Onde se encontraria ele? Os minutos se passavam e o embate marchava para o fim. Uma estação de rádio deu a notícia. O Dr. Toledo fora requisitado para acudir ao valoroso guardião Adilson, do Arapongas. Lá mesmo no vestiário do Galo do Norte, transformado em sala de operações. Havia fratura exposta. Mas, por felicidade, lá estava o especialista, competente e humanitário. Deixou de assistir aos melhores lances do jogo. Enfeixou as falanges do moço que sofria. Suturou e engessou tudo na hora, como se estivesse em seu ambulatório. O Adilson deu-lhe um carinhoso abraço de gratidão e voltou para ver o final da partida. Já ostentava um sorriso juvenil. Quando a festa esportiva terminou, os dirigentes do Arapongas manifestaram o seu sincero agradecimento ao Dr. Toledo. O tempo perdido, o material usado e o serviço profissional não foram objetos de preço. Em dia assim tão glorioso, falar-se em pagamento seria um absurdo. Uma verdadeira heresia. Não há dinheiro que possa retribuir os reflexos divinos da alma humana. Que beleza, meu Deus!”. Ainda  antes do jogo fizeram doação de dinheiro com objetivo de colaborar com a campanha.

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