quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Nilson: Crônica Policila 08 - Mordendo o Cachorro

Mordendo o cachorro 

Final da década de cinquenta, um pequeno povoado surge na região extremo sul do então Mato Grosso. Os bravos pioneiros, em sua maioria absoluta, são de origem nordestina, que inicialmente haviam fincado raízes no interior paulista e depois, atraídos pela fertilidade das  terras e preço baixo, compram glebas de Adjalmo Saldanha, por intermédio de Oscar Zandavalli. As dificuldades são imensas e as mais variadas possíveis, porém, como dizia Euclides da Cunha, o sertanejo “é um bravo” e Mundo Novo, que, aliás, a época tinha outra denominação, nasce do suor deste povo.

O vilarejo atraia levas inteiras de famílias, que vinham para lavrar a terra, mas algumas com vocação para o comércio, iniciavam suas atividades embora precariamente. Como a mão de obra era escassa, um grande número de peões, solitários e buscando sobrevivência, se dirigiam para cá, contratados pelos chamados “gatos”(empreiteiros), com o intuito de trabalhar nos diversos ramos, tais como construções de casas e roçadas.

Esses homens que moravam em quartos coletivos, cobertos de sapé, em meio à mata fechada,  aos fins de semana costumavam se dirigir ao povoado, para fazer a aquisição de mercadorias para a subsistência e “afogar as mágoas da solidão”, em fartos copos de cachaça.

Invariavelmente, estes indivíduos se metiam em confusão, a maior parte delas ocasionadas por causa da bebida.  Um único policial existia por aqui e para manter à ordem, muitas vezes se socorria do auxílio da própria comunidade, para segurar e amarrar os encrenqueiros, pois também não havia cadeia, sendo que quem realmente precisasse ficar preso, era levado em lombo de cavalo até Iguatemi.

Um uma bela tarde de domingo, um deste homens estava em um bar, localizado nas proximidades de onde atualmente se localiza a Câmara de Vereadores, pois ali era o centro do lugarejo,  embriagado, iniciou uma tremenda confusão com o dono do estabelecimento.

Frequentadores do local tentaram apaziguar a situação, mas não conseguiram. O policial, um soldado conhecido por sua valentia, foi chamado, tendo sido recebido a socos e pontapés pelo peão, que tinha maior porte físico. O militar então retirou seu cinturão e passou a desferir golpes no autor, que mesmo assim, tentava agredi-lo. Quando viu que iria levar uma “sova histórica”,  o baderneiro iniciou uma fuga desesperada em direção ao alojamento em que morava, na esperança de que seus colegas o socorresse. 

Porém, ele foi alcançado pelo agente da lei, que estava disposto a fazer sua prisão. O fugitivo conseguiu se desvencilhar do soldado, e em um surto psicótico, passou à desferir dentadas na lataria de um caminhão que estava estacionado nas proximidades. Este fato reuniu diversos curiosos e o homem ainda não satisfeito, agarrou um pequeno cachorro pelo pescoço e começou a morder a orelha do pobre animal.

Nem os gritos desesperados do bicho eram suficientes para fazê-lo soltar sua orelha, que a esta altura sangrava muito. O dono do cachorro, um conhecido sitiante, cobrava do policial uma providência, pois seu animal poderia até morrer, de hemorragia ou contaminado por alguma “doença brava” do peão. O soldado assustado com a situação tentava conter o meliante, que estava extremamente violento e não soltava o cachorro.

O agricultor então se apossou de uma vara de bambu e desferiu vários golpes na parte traseira do agressor, fazendo com que ele soltasse a orelha do cachorro. 
O peão foi amarrado em uma árvore, conforme era costume à época e no dia seguinte, após ter “sarado da pingaiada”, foi demitido pelo seu contratante, tomando rumo ignorado, enquanto que o cachorro foi curado à base de benzimento e remédio de ervas, pois não haviam por aqui, sequer farmácia, muito menos veterinária.

Nilson Silva

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