De todos os Recantos do Mundo
Temos uma informação preciosa num texto escrito por volta do ano 120 dC. Nele o autor dos Atos dos Apóstolos, Lucas ou quem sabe outro, faz uma listagem impressionante das pessoas que ouviram em Jerusalém a palavra de Pedro no dia de Pentecostes. Eis o texto (At Ap 2, 8-11): "Como é, pois, que os ouvimos falar, cada um de nós, no próprio idioma em que nascemos? Partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia próximas de Cirene; romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes. Nós os ouvimos apregoar em nossas próprias línguas as maravilhas de Deus". Diante do apóstolo Pedro encontram-se judeus e simpatizantes provenientes de quinze regiões do mundo semita, umas próximas e outras muito distantes, reunidos por ocasião da tradicional peregrinação ao templo de Jerusalém. Donde são? 1. Os partos vivem onde hoje ficam o Irã e o Afeganistão. Os peregrinos partos vêm pois de muito longe, da região entre o rio Eufrates e o rio Indus (ou Indo), entre o rio Oxus (hoje Amu Darya) e o Oceano índico. Percorrem pois uma imensa distância para chegar a Jerusalém. 2. A Média é uma antiga região da Ásia, que corresponde ao Nordeste do atual Irã. Os habitantes, conhecidos como medas, e seus vizinhos os persas, formam no tempo em que surge o cristianismo um só povo. 3. Os elamitas são nativos de Elam, uma região antiga do nordeste da Ásia, no leste do rio Tigre, também no atual Irã. 4. Mesopotâmia é o nome que os antigos gregos davam a toda a região entre os dois rios Tigre e Eufrates, na qual floresceram diversas culturas, como a Assíria e a Babilônia. 5. Os que vêm da Judéia são os que viajaram menos, pois Jerusalém fica na Judéia. 6. A Capadócia, pelo contrário, fica longe, no leste da Ásia Menor, do atual Mar Negro até as montanhas Taurus na atual Turquia. 7. O Ponto também fica longe, estende-se da Paflagónia no oeste à Arménia no leste. Os limites do sul são as montanhas anti-Taurus. O território corresponde ao moderno Trabzon e Sivas, na Turquia. 8. Quanto à Ásia Menor dos antigos, ela corresponde à atual Turquia asiática, ou ainda à península da Anatólia. 9. A Frígia é hoje também uma região da Turquia. No tempo de Jesus é uma região rica, com cultivo de uvas em grande extensão. O mármore da Frígia é célebre, assim como seu senso de liberdade. 10. A Panfília fica na costa sul da Ásia Menor, entre Galícia e Cilícia, hoje Turquia. Como muitas outras regiões, passa sucessivamente nas mãos de grandes impérios como a Assíria, Babilônia, Pérsia, Macedônia, a dinastia seleucida, Pérgamo e finalmente Roma. 11. No Egito há grandes concentrações de judeus, sobretudo na cidade de Alexandria. 12. As colônias de Líbia próxima de Cirene são fundadas pelos fenícios, estão nas mãos dos romanos. 13. Os romanos são judeus ou simpatizantes do judaísmo que conseguiram a cidadania romana. 14. A ilha de Creta, no tempo do surgimento do cristianismo, está também nas mãos dos romanos. 15. E finalmente os árabes, ou seja judeus que moram na Arábia, a península originária dos semitas, que espalhou sua cultura não só pela Mesopotâmia no leste, mas também pela Síria no oeste.Todo esse pessoal, que fala diferentes línguas, entende o que Pedro diz. Trata-se de uma linda metáfora, segundo a maneira de falar dos semitas, que significa: ‘Estamos entendendo o que esse apóstolo quer dizer. Ele não é daqueles que dizem que o judaísmo tem que ficar fechado em cima da nação judaica. A mensagem de Moisés é para todos, para toda a Humanidade’. Eis um pensamento que brota das sinagogas espalhadas pelo mundo afora. Não é um pensamento que provém dos saduceus, que se agarram com unhas e dentes à tradição mosaica entendida de maneira estrita. É um pensamento aberto aos quatro ventos.Após o exílio da aristocracia judaica em Babilônia (no séc. VI aC.), muitas famílias judaicas não voltam para a Palestina mas se espalham em diáspora (em grego: dispersão) pelas cidades do mundo oriental, desde o atual Irã até a atual Turquia. São os assim chamados ‘estrangeiros’, que não aceitam a religião do lugar onde vivem, pois são monoteístas e seguem a lei de Moisés. Para manter sua religião, eles ficam se reunindo entre si. Essa reunião chama-se ‘sinagoga’ (em grego: reunião). Em muitas regiões, esses judeus não gozam de boa reputação e por isso mantêm um elo muito forte entre si. O horizonte da diáspora é imenso e a sinagoga permite que os judeus criem uma cultura forte sem o apoio do estado ou das autoridades locais. As sinagogas permanecem autônomas, são associações livres de pessoas, com invejável estrutura democrática. No tempo de Jesus, a experiência de quinhentos anos de sinagoga permite ao judaísmo espalhar-se na imensidão de um mundo que vai do Irã, da Mesopotâmia e do interior do Egito até além do "muro de Adriano" na Britânia, na Escócia e na Irlanda. O judaísmo atinge regiões onde nem os soldados de Alexandre Magno (século IV aC), nem os romanos nunca pisaram. As pessoas que se encontram diante de Pedro no dia de Pentecostes vêm de todos os recantos do mundo oriental, são judeus ‘sinagogais’ por longa tradição, formadas pela maneira sinagogal de se reunir e de se viver a religião, ou ainda simpatizantes do judaísmo, pessoas que se impressionam com a maneira de viver dos judeus.
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