quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Personalidade: Martinho Lutero - 0035

Vida e Obra de Martinho Lutero

Martinho Lutero era filho de Hans Luther e Margarethe Lindemann. Mudou-se para Mansfeld, onde seu pai dirigia várias minas de cobre. Tendo sido criado no campo, Hans Luther desejava que seu filho viesse a se tornar um funcionário público, melhorando assim as condições da família. Com este objetivo, enviou o jovem Martinho para escolas em Mansfeld, Magdeburgo e Eisenach.

Aos dezessete anos, em 1501, Lutero ingressou na Universidade de Erfurt, onde tocava alaúde e recebeu o apelido de O Filósofo. Seguindo os desejos paternos, inscreveu-se na escola de Direito dessa Universidade. Mas tudo mudou após uma grande tempestade, com descargas elétricas, ocorrida neste mesmo ano (1505): ao voltar de uma visita à casa dos pais, um raio caiu próximo de onde ele estava. Aterrorizado, gritara então: — Ajuda-me, Sant'Ana! Eu me tornarei um monge!

Tendo sobrevivido aos raios, deixou a faculdade, vendeu os seus livros com exceção dos de Virgílio, e entrou para a ordem dos Agostinianos, de Erfurt, a 17 de julho de 1505.

O jovem Martinho Lutero dedicou-se por completo à sua vida no mosteiro, empenhando-se em realizar boas obras a fim de agradar a Deus e servir ao próximo através de orações por suas almas. Dedicou-se intensamente à meditação entregando-se a muitas horas diárias de oração, às autoflagelações, às peregrinações e à confissão. Quanto mais tentava ser agradável ao Senhor, mais se dava conta de seus pecados.

Johann von Staupitz, o superior de Lutero, concluiu que o jovem necessitava de mais trabalhos, para afastá-lo de sua excessiva reflexão. Ordenou, portanto, ao monge que iniciasse uma carreira acadêmica. Em 1507, Lutero foi ordenado sacerdote. Em 1508 começou a lecionar Teologia na Universidade de Wittenberg. Lutero recebeu seu Bacharelado em Estudos Bíblicos em 19 de março de 1508. Dois anos depois visitou Roma, de onde regressou bastante decepcionado.

Em 19 de outubro de 1512, Martinho Lutero graduou-se em Doutor em Teologia e, em 21 de outubro deste ano, foi recebido no Senado da Faculdade Teológica com o título de Doutor em Bíblia. Em 1515, foi nomeado vigário de sua ordem, tendo sob sua responsabilidade onze monastérios. Durante este período estudou grego e hebraico, para se aprofundar no significado e na origem das palavras utilizadas nas Escrituras – conhecimentos que logo utilizaria para a sua tradução da Bíblia.

O desejo de obter os graus acadêmicos levou Lutero a estudar as Escrituras em profundidade. Influenciado por sua formação humanista de buscar ad fontes (nas fontes primárias), mergulhou nos estudos sobre a Igreja Primitiva. Devido a isto, termos como penitência e honestidade ganharam novo significado para ele, já convencido de que a Igreja havia perdido sua visão de várias das verdades do Cristianismo ensinadas nas Escrituras - sendo a mais importante delas a Doutrina da Justificação1 apenas pela fé. Ele começou a ensinar que a Salvação era um benefício concedido apenas por Deus, dado pela Graça divina através de Jesus Cristo e recebido apenas por intermédio da a fé.

Mais tarde, Lutero definiu e reintroduziu o princípio da distinção própria entre a Torá (Leis Mosaicas) e os Evangelhos, que reforçavam sua Teologia da graça. Em conseqüência, Lutero acreditava que seu princípio de interpretação era um ponto inicial essencial para o estudo das Escrituras. Notou, ainda, que a falta de clareza na distinção da Lei e dos Evangelhos era a causa da incorreta compreensão dos Evangelhos de Jesus pela Igreja de seu tempo, instituição a quem responsabilizava por haver criado e fomentado muitos erros teológicos fundamentais.

Além de suas atividades como professor, Martinho Lutero ainda colaborava como pregador e confessor na Igreja de Santa Maria, na Cidade. Também pregava habitualmente na Igreja do Castelo (chamada de Todos os Santos - por causa de ali haver uma coleção de relíquias estabelecidas por Frederico II, de Sabóia). Foi durante este período que o jovem sacerdote deu-se conta dos efeitos em se oferecer [e vender] indulgências aos fiéis como se fossem fregueses.

A indulgência é a remissão (parcial ou total) do castigo temporal que alguém permanece devedor por conta dos seus pecados, de cuja culpa tenha se livrado pela absolvição. Naquele tempo, qualquer pessoa poderia comprar uma indulgência, quer para si mesmo, quer para um parente já morto que estivesse no Purgatório. O frade Johann Tetzel fora recrutado para viajar através dos territórios episcopais do arcebispo Alberto de Mogúncia, promovendo e vendendo indulgências com o objetivo de financiar as Reformas da Basílica de São Pedro, em Roma.

Lutero viu este tráfico de indulgências como um abuso que poderia confundir as pessoas e levá-las a confiar apenas nas indulgências, deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiro. Proferiu, então, três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517. Segundo a tradição, em 31 de outubro de 1517, foram pregadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. Estas teses condenavam a avareza e o paganismo na Igreja como um abuso, e pediam um debate teológico sobre o que as indulgências significavam. Para todos os efeitos, Lutero não questionava diretamente a autoridade do Papa para conceder as tais indulgências.

As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Ao cabo de duas semanas haviam se espalhado por toda a Alemanha, e em dois meses por toda a Europa. Este foi o primeiro episódio da História em que a imprensa teve papel primacial, pois facilitava uma distribuição simples e ampla de qualquer documento.

Depois de fazer pouco caso de Lutero, dizendo ser ele um alemão bêbado que escrevera as teses, e afirmando que quando estiver sóbrio mudará de opinião, o Papa Leão X ordenou, em 1518, ao professor de Teologia dominicano Silvestro Mazzolini que investigasse o assunto. Este denunciou que Lutero se opunha de maneira implícita à autoridade do Sumo Pontífice, quando discordava de uma de suas bulas. Declarou ser Lutero um herege, e escreveu uma refutação acadêmica às suas teses. Nela, mantinha a autoridade papal sobre a Igreja e condenava cada desvio como uma apostasia.

Lutero replicou de igual forma, dando assim início à controvérsia. Enquanto isso, Lutero tomava parte da convenção dos agostinianos, em Heidelberg, onde apresentou uma tese sobre a escravidão do homem ao pecado e a graça divina. No decorrer da controvérsia sobre as indulgências, o debate se elevou até ao ponto de duvidar do poder absoluto e autoridade do Papa, pois as doutrinas da Tesouraria da Igreja e da Tesouraria dos Merecimentos, que serviam para reforçar a doutrina e a venda das indulgências, haviam se baseado na bula papal Unigenitus, de 1343, do Papa Clemente VI. Por causa de sua oposição a esta doutrina, Lutero foi qualificado como heresiarca, e o Papa, decidido a suprimir por completo suas opiniões, discordâncias e pregações, ordenou que Lutero fosse chamado a Roma, viagem que deixou de ser realizada por motivos políticos.

Lutero, que anteriormente professava a obediência implícita à Igreja, passou a negar, agora, abertamente a autoridade papal, e apelava para que fosse realizado um Concílio. Também declarava que o papado não formava parte da essência imutável da Igreja original.

Desejando manter relações amistosas com o protetor de Lutero, Frederico, o Sábio, o Papa engendrou uma tentativa final de alcançar uma solução pacífica para o conflito. Uma conferência com o representante papal Karl von Miltitz em Altenburgo, em janeiro de 1519, levou Lutero a decidir guardar silêncio, como também a escrever uma humilde carta ao Papa e compor um tratado demonstrando suas opiniões sobre a Igreja Católica. A carta escrita nunca chegou a ser enviada, pois não continha nenhuma retratação. E no tratado, que compôs mais tarde, Lutero negou qualquer efeito das indulgências no Purgatório.

Quando Johann Eck, em Carlstadt, desafiou um colega de Lutero para um debate em Leipzig, Lutero juntou-se à discussão (27 de junho – 18 de julho de 1519), no curso do qual negou o direito divino do solidéu papal e da autoridade de possuir o poder das chaves, que, segundo ele, haviam sido outorgados à Igreja (como congregação de fé). Negou que a salvação pertencesse à Igreja Católica ocidental sob a autoridade do Papa, mas que esta se mantinha na Igreja Ortodoxa, do Oriente. Depois do debate, Eck afirmou que forçara Lutero a admitir a semelhança de sua própria doutrina com a de João Huss, que havia sido queimado numa fogueira.

Enfim, não parecia haver esperanças de entendimento. Os escritos de Lutero circulavam amplamente, alcançando a França, a Inglaterra e a Itália, em 1519, e os estudantes dirigiam-se a Wittenberg para escutar Lutero, que naquele momento publicava seus comentários sobre a Epístola aos Gálatas e suas Operationes in Psalmos (Trabalho nos Salmos).

As controvérsias geradas por seus escritos levaram Lutero a desenvolver suas doutrinas mais a fundo, e o seu Sermão sobre o Sacramento Abençoado do Verdadeiro e Santo Corpo de Cristo, e suas Irmandades, levou mais além o significado da Eucaristia para o perdão dos pecados, ao fortalecimento da fé naqueles que o recebem, e, ainda, apoiava a realização de um concílio a fim de restituir a comunhão.

O conceito luterano de igreja foi desenvolvido em seu Von dem Papsttum zu Rom (Sobre o Papado de Roma), uma resposta ao ataque do franciscano Augustin von Alveld, em Leipzig (junho de 1520); enquanto o seu Sermon von guten Werken (Sermão das Boas Obras), publicado na primavera de 1520, era contrário à doutrina católica das boas obras e dos atos como meio de perdão, mantendo que as obras do crente são verdadeiramente boas, quer para o secular como para o clérigo, se ordenadas por Deus.

A disputa havida em Leipzig em 1519 fez com que Lutero travasse contato com os humanistas, especialmente Melanchthon, Reuchlin e Erasmo de Roterdã, que, por sua vez, também influenciara ao nobre Franz von Sickingen. Von Sickingen e Silvestre de Schauenbur queriam manter Lutero sob sua proteção, convidando-o para seus castelos na eventualidade de não lhe ser seguro permanecer na Saxônia, em virtude da proscrição papal.

Sob estas circunstâncias de crise e confrontando aos nobres alemães, Lutero escreveu À Nobreza Cristã da Nação Alemã (agosto de 1520), onde recomendava ao laicado, como um sacerdote espiritual, que fizesse a Reforma requerida por Deus, mas abandonada pelo Papa e pelo clero. Pela primeira vez Lutero referiu-se ao Papa como o Anticristo.

As Reformas que Lutero propunha não se referiam apenas a questões doutrinárias, mas também aos abusos eclesiásticos, quais sejam: a diminuição do número de cardeais e de outras exigências da corte papal; a abolição das rendas do Papa; o reconhecimento do governo secular; a renúncia da exigência papal pelo poder temporal; a abolição dos Interditos e abusos relacionados com a excomunhão; a abolição das peregrinações nocivas; a eliminação dos excessivos dias santos; a supressão dos conventos para monjas, da mendicidade e da suntuosidade; a Reforma das universidades; a ab-rogação do celibato do clero; a união dos boêmios; e, finalmente, uma Reforma geral na moralidade pública. Muitas destas propostas refletiam os interesses da nobreza alemã, revoltada com sua submissão ao Papa e, principalmente, com o fato de terem que enviar riquezas a Roma.

Lutero também gerou polêmicas doutrinárias em seu Prelúdio no Cativeiro Babilônico da Igreja, em especial no que diz respeito aos sacramentos. Apoiava que fosse devolvido o Cálice ao laicado; na chamada questão do dogma da transubstanciação, afirmava que era real a presença do Corpo e do Sangue do Cristo na Eucaristia, mas rechaçava o ensinamento de que a Eucaristia era o sacrifício oferecido por Deus. Ensinava que o Batismo trazia a justificação apenas se combinado com a fé salvadora em o receber; de fato, mantinha o princípio da salvação inclusive para aqueles que mais tarde se converteriam. Afirmou que a essência da Penitência consiste na palavra de promessa de desculpas recebidas com fé. Para ele, apenas estes três sacramentos podiam assim ser considerados, pois sua instituição era divina e a promessa da salvação de Deus estava conexa a eles; mas, em sentido estrito, apenas o Batismo e a Eucaristia seriam verdadeiros sacramentos, pois, apenas estes tinham o sinal visível da instituição divina: a água, no Batismo, e o Pão e o Vinho, da eucaristia. Lutero negou, em seu documento, que a confirmação, o matrimônio, a ordenação sacerdotal e a extrema-unção fossem sacramentos.

Da mesma forma, o completo desenvolvimento da doutrina de Lutero sobre a salvação e a vida cristã foi exposta em A Liberdade de um Cristão (publicado em 20 de novembro de 1520), no qual exigia uma completa união com Cristo mediante a palavra através da fé, e a inteira liberdade do cristão como sacerdote e rei sobre todas as coisas exteriores, e um perfeito amor ao próximo. As duas teses que Lutero desenvolveu nesse tratado, aparentemente contraditórias, mas em verdade complementares, são: 1ª - O cristão é um senhor libérrimo sobre tudo, a ninguém sujeito. 2ª - O cristão é um servo oficiosíssimo de tudo, a todos sujeito. A primeira tese é válida na fé; a segunda, no amor.

Em 15 de junho de 1520, o Papa advertiu Lutero com a bula Exsurge Domine, na qual o ameaçava com a excomunhão, a menos que em um prazo de sessenta dias repudiasse 41 pontos de sua doutrina, selecionados em seus escritos. Em outubro de 1520 Lutero enviou seu escrito A Liberdade de um Cristão ao Papa, acrescentando a frase significativa: Eu não me submeto a leis ao interpretar a Palavra de Deus.

Enquanto isso, um rumor chegara de que Johan Ech saíra de Meissem com uma proibição papal, enquanto este se pronunciara realmente a 21 de setembro. O último esforço de paz de Lutero foi seguido, em 12 de dezembro, da queima da bula, que já tinha expirado há 120 dias, e o decreto papal de Wittenberg, defendendo-se com seus Warum des Papstes und seiner Jünger Bücher Verbrannt Sind e Assertio Omnium Orticulorum. O Papa Leão X excomungou Lutero em 3 de janeiro de 1521, na bula Decet Romanum Pontificem. A execução da proibição, com efeito, foi evitada pela relação do Papa com Frederico III da Saxônia, e pelo novo imperador Carlo I da Espanha (Carlos V) que julgou inoportuna apoiar as medidas contra Lutero, diante de sua posição face a Dieta.2

O Imperador Carlos V inaugurou a Dieta real em 22 de janeiro de 1521. Lutero foi chamado a renunciar ou confirmar seus ditos e lhe foi outorgado um salvo-conduto para garantir seu seguro deslocamento. Em 16 de abril, Lutero apresentou-se diante da Dieta. Johann Eck, assistente do Arcebispo de Trier, mostrou a Lutero uma mesa cheia de cópias de seus escritos. Perguntou, então, a Lutero se os livros eram seus e se ele acreditava naquilo que as obras diziam. Lutero pediu um tempo para pensar na sua resposta, o que lhe foi concedido. Este, então, isolou-se em oração, e depois consultou seus aliados e amigos, apresentando-se à Dieta no dia seguinte. Quando a Dieta veio a tratar do assunto, o conselheiro Eck pediu a Lutero que respondesse explicitamente: — Lutero, repeles seus livros e os erros que eles contêm? Lutero, então, respondeu: — Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão, porque não acredito nem no Papa nem nos concílios, já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos pelos textos da Sagrada Escritura que citei. Estou submetido à minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero me retratar de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável. De acordo com a tradição, Lutero, então, proferiu estas palavras: — Não posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus me ajude!

Nos dias seguintes, seguiram-se muitas conferências privadas para determinar qual o destino de Lutero. Antes que a decisão fosse tomada, Lutero abandonou Worms. Durante seu regresso a Wittenberg, desapareceu. O Imperador redigiu o Édito de Worms, em 25 de maio de 1521, declarando Martinho Lutero fugitivo e herege, e proibindo suas obras.

Em junho de 1518, foi aberto o processo contra Lutero, com base na publicação das suas 95 Teses. Alegava-se que estas incorriam em heresia, a serem, portanto, examinadas pelo processo. Nas aulas que dava na Universidade de Wittenberg, espiões registravam os comentários negativos de Lutero sobre a excomunhão. Depois disso, em agosto de 1518, o processo é alterado para heresia notória. Lutero é convidado para ir a Roma, onde deveria desmentir sua doutrina. Lutero recusou-se a fazê-lo, alegando razões de saúde e propôs uma audiência em território alemão. O seu pedido baseou-se no argumento (Gravamina) da Nação Alemã. O seu pedido foi aceito, e ele foi convidado para uma audiência com o cardeal Caetano de Vio (Tomás Caetano), durante a reunião das cortes imperiais de Augsburg. Entre 12 e 14 de outubro de 1518, Lutero falou a Caetano. Este pediu-lhe que revogasse sua doutrina. Lutero recusou-se a fazê-lo.

Do lado romano, o caso pareceu terminado. Por causa da morte de Imperador Maximiliano I (janeiro de 1519), houve uma pausa de dois anos. O Imperador havia decidido que o seu sucessor seria Carlos (futuro Carlos V). Por causa das pertenças de Carlos, na Itália, o papa renascentista Leão X receava o cerco do Estado da Igreja e procurou evitar que os príncipes-eleitores alemães (Kurfürsten) renunciassem a Carlos.

O papel de protetor de Lutero assumido por Frederico, o Sábio, levou Roma a pedir a Karl von Miltiz que intercedesse junto ao príncipe por uma solução razoável. Após a escolha de Carlos V como imperador (26 de junho de 1519), o processo de Lutero voltaria a ser reatado.

O seqüestro de Lutero durante a sua viagem de regresso foi arranjado. Frederico, o Sábio ordenou que Lutero fosse capturado no seu retorno da Dieta de Worms por um grupo de homens mascarados a cavalo, que o levaram para o Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde ele permaneceu por cerca de um ano. Deixou crescer a barba e tomou as vestes de um cavaleiro, assumindo o pseudônimo de Jörg. Durante este período de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua célebre tradução da Bíblia para o alemão.
Com o início da estada de Lutero em Wartburg começou um período construtivo de sua carreira como reformista. Em seu deserto ou patmos (como ele mesmo chamava, em suas cartas) de Wartburg, começou a tradução da Bíblia, da qual foi impresso o Novo Testamento em setembro de 1522. Produziu outros escritos, preparou a primeira parte de seu guia para párocos e Von der Beichte (Sobre a Confissão), em que negava a obrigatoriedade da confissão, e admitia como saudável a confissão privada e voluntária. Também escreveu contra o Arcebispo Albrecht, a quem obrigou, com isto, a desistir de retomar a venda das indulgências; quanto a seus ataques a Jacobus Latomus, avançou em sua visão sobre a relação entre a graça e a lei, assim como sobre a natureza revelada pelo Cristo, distinguindo o objetivo da graça de Deus para o pecador, que, por acreditar, é justificado por Deus devido à justiça de Cristo, pois a graça salvadora reside dentro do homem pecador; e ainda que o princípio da justificação é insuficiente, ante a persistência do pecado depois do Batismo – pela inerência do pecado em cada boa obra.

Lutero amiúde escrevia cartas a seus amigos e aliados, respondendo ou perguntando seus pontos de vista e respondendo aos pedidos de conselhos. Por exemplo, Felipe Melanchthon lhe escreveu perguntando como responder à acusação de que os reformistas renegavam a peregrinação, e outras formas tradicionais de piedade. Lutero lhe respondeu em 1º de agosto de 1521:


Se és um pregador da misericórdia, não pregues uma misericórdia imaginária, mas, sim, uma misericórdia verdadeira. Se a misericórdia é verdadeira, deve penitenciar ao pecado verdadeiro, não imaginário. Deus não salva apenas aqueles que são pecadores imaginários. Conheça o pecador e veja se os seus pecados são fortes, mas deixai que tua confiança em Cristo seja ainda mais forte e que se alegre em Cristo, que é o vencedor sobre o pecado, a morte e o mundo. Cometeremos pecados enquanto estivermos aqui, porque nesta vida não há um só lugar onde resida a justiça. Nós todos, sem embargo, disse Pedro (2ª Pedro III, 13), estamos buscando mais além um novo céu e uma nova Terra onde a justiça reinará.
Enquanto isto, alguns sacerdotes saxões haviam renunciado ao voto de castidade, ao tempo em que outros tantos atacavam os votos monásticos. Lutero, em seu De Votis Monasticis (Sobre os Votos Monásticos), aconselhava a ter mais cautela, aceitando, no fundo, que os votos eram geralmente tomados com a intenção da salvação ou busca de justificação. Com a aprovação de Lutero em seu De Abroganda Missa Privata (Sobre a Ab-rogação da Missa Privada), mas contra a firme oposição de seu prior, os agostinianos de Wittenberg realizaram a troca das formas de adoração e terminaram com as missas. Sua violência e intolerância, certamente, desagradaram a Lutero, que em princípios de dezembro passou uns dias entre eles. Ao retornar para Wartburg, escreveu Eine Treue Vermahnung vor Aufruhr und Empörung (Uma Sincera Admoestação por Martinho Lutero a Todos os Cristãos para que se Resguardem da Insurreição e da Rebelião). Apesar disto, em Wittengerg, Carlstadt e o ex-agostiniano Gabriel Zwilling reclamavam pela abolição da missa privada e da comunhão em duas espécies, assim como a eliminação das imagens nas igrejas e na ab-rogação do celibato.

Ao fim de 1521, os anabatistas3 de Zwickau se entregam à anarquia. Contrário a tais concepções radicais e temendo seus resultados, Lutero regressa em segredo a Wittenberg em 6 de março de 1522. Durante oito dias, a partir de 9 de março (domigo de Invocavit) e concluindo no domingo seguinte, Lutero pregou outros tantos sermões que tornaram-se conhecidos como os Sermões de 'Invocavit'. Nestas pregações, Lutero aconselha uma Reforma cuidadosa, que leve em consideração a consciência daqueles que ainda não estão persuadidos a acolher a Reforma. A consagração do Pão foi restaurada por um tempo e o Cálice sagrado foi ministrado somente àqueles do laicado que o desejaram. O cânon das missas, devido ao seu caráter imolatório, foi suprimido. Devido ao Sacramento da Confissão haver sido abolido, confrontou-se com a necessidade que muitas pessoas ainda tinham de se confessar e de buscar assim o perdão. Esta nova forma de serviço foi dada a Lutero em Formula Missæ et Communionis (Fórmula da Missa e Comunhão), de 1523. Em 1524, apareceu o primeiro hinário de Wittenberg, com quatro hinos.

Como esta parte da Saxônia era governada pelo Duque Jorge, que proibira seus escritos, Lutero declarou que a autoridade civil não podia promulgar leis para a alma, em seu Über Ddie Weltliche Gewalt, Wie Weit Man Ihr Gehorsam Schuldig Sei (Autoridade Temporal: em que Medida Deve Ser Obedecida).

A guerra dos camponeses (1524 - 1525) foi, de muitas maneiras, uma resposta aos discursos de Lutero e de outros Reformadores. Revoltas de camponeses já haviam acontecido em pequena escala em Flandres (1321-1323), na França (1358) e na Inglaterra (1381-1388), durante as guerras hussitas do século XV, e muitas outras até o século XVIII, mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero à Igreja e á sua hierarquia significavam que os Reformadores iriam igualmente apoiar um ataque armado à hierarquia social. Por causa dos fortes laços entre a nobreza hereditária e os líderes da Igreja que Lutero condenava, isto não seria surpreendente.

Já em 1522, enquanto Lutero estava em Wartburg, colaboradores seus perverteram seus ensinamentos e passaram a pregar mensagens revolucionárias por toda a Alemanha. Enfatizava-se a formação de um grupo de santos (espalharam boatos de que estes santos, seriam a causa da derrota da Igreja Católica), com a tarefa de lutar contra a autoridade constituída e promover a aniquilação dos ímpios (Igreja Católica). Um desses pregadores foi Tomas Müntzer. A mensagem escatológica de Müntzer, na verdade, tinha pouco a ver com a proposta dos camponeses, tanto que ele procurou a nobreza da Saxônia para obter apoio. Com a negativa destes e a eclosão dos conflitos camponeses no sudoeste alemão, ele logo viu o instrumento para a concretização de seus planos.

Lutero, desde cedo, prevenira a nobreza e os próprios camponeses sobre a revolta, e particularmente sobre Müntzer, um dos profetas do assassínio, colocando-o como um dos mentores do movimento camponês. Lutero escreveu a Terrível História e Juízo de Deus sobre Tomas Müntzer, inaugurando essa linha de pensamento.

Na iminência da revolta (1524), Lutero escreveu a Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso, mostrando a tirania dos nobres que oprimiam o povo e a loucura dos camponeses em reagir através da força e a confiar em Müntzer como pregador. Houve pouca repercussão deste escrito.

Ainda em 1524, Müntzer mudou-se para a cidade imperial de Mühlhausen, oferecendo-se como pregador. Lutero escreveu a Carta Aberta aos Burgomestres, Conselho e toda a Comunidade da Cidade de Mühlhausen com o propósito de alertar sobre as intenções de Müntzer. Também este escrito não teve repercussão, pois o conselho da Cidade limitou-se a pedir informações sobre Müntzer na cidade imperial de Weimar.

O principal escrito dos camponeses eram os Doze Artigos, no qual as reivindicações foram expostas. Neles, havia artigos de fundo teológico (direito de ouvir o Evangelho através de pregadores chamados por eles próprios) e artigos que tratavam dos maus tratos, exploração nos impostos etc. Os artigos eram fundamentados com passagens bíblicas e pedia-se que se alguém pudesse provar pelas Escrituras que aquelas reivindicações eram injustas, eles as abandonariam, e entre aqueles que se consideravam dignos de fazer tal coisa estava o nome de Lutero. De fato Lutero escreveu sobre os Doze Artigos em seu livro Exortação à Paz: Resposta aos Doze Artigos do Campesinato da Suábia, de 1525. Nele, Lutero atacou os príncipes e senhores por cometerem injustiças contra os camponeses e censurou os camponeses pela rebelião e desrespeito à autoridade. Também este escrito não teve repercussão, e durante uma viagem de Lutero pela região da Turíngia ele pôde testemunhar as revoltas camponesas, o que o motivou a escrever o Adendo: Contra as Hordas Salteadoras e Assassinas dos Camponeses. Tratava-se de um apêndice de Exortação à Paz..., mas cedo tornou-se um livro separado. O Adendo foi publicado quando a revolta camponesa já estava no final e os príncipes cometiam atrocidades contra os camponeses derrotados, de modo que o escrito causou grande revolta na opinião pública contra Lutero. Nele, Lutero encorajava os príncipes a castigar os camponeses, até com a morte. Tal repercussão negativa obrigou Lutero a pregar um sermão no Dia de Pentecostes, em 1525, que se tornou o livro Posicionamento do Dr. Martinho Lutero Sobre o Livrinho Contra os Camponeses Assaltantes e Assassinos, onde o Reformador contesta os críticos e reafirma sua posição anterior.

Como ainda havia repercussão negativa, Lutero novamente se posicionou sobre a questão na sua Carta Aberta a Respeito do Rigoroso Livrinho Contra os Camponeses, onde lamentou e exortou contra a crueldade que estava sendo praticada pelos príncipes, mas reafirmou sua posição anterior. Por fim, a pedido de um amigo, o cavaleiro Assa von Kram, Lutero redigiu Acerca da Questão, se Também Militares Ocupam uma Função Bem-Aventurada, em 1526, com o propósito de esclarecer questões sobre consciência do cristão em caso de guerra e sua função como militar.

No movimento reformista, Lutero não concordou como o estilo de Reforma do teólogo cristão francês João Calvino (1509 – 1564). Martinho Lutero queria Reformar a Igreja Primitiva, enquanto Calvino, acreditava que a Igreja estava tão degenerada que não havia como reformá-la. Calvino, então, se propôs a organizar uma nova Igreja que na sua doutrina (e também alguns costumes), seria idêntica à Igreja primitiva. Já Lutero decidiu reformá-la, fundando então o Protestantismo, que não seguia tradições, mas, sim, apenas a doutrina registrada na Bíblia, e cujos usos e costumes não ficariam presos a convenções ou épocas. A doutrina luterana está explicitada no Livro de Concórdia, e esta não muda, mas os costumes e formas variam de acordo com a localidade.

Lutero não foi o primeiro tradutor da Bíblia para o alemão. Já havia traduções mais antigas. A tradução de Lutero, contudo, suplantou as anteriores. Além da qualidade da tradução, foi amplamente divulgada em decorrência da sua difusão por meio da imprensa, desenvolvida por Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg (1390 – 1468), em 1453.

O domínio do latim, no século XVI, no fim da Idade Média e princípio da chamada Idade Moderna, era apenas privilégio de uma percentagem ínfima de população instruída, entre os quais os elementos da própria igreja. A tradução de Lutero para o alemão foi simultaneamente um ato de desobediência e um pilar da sistematização do que viria a ser a língua alemã, até aí vista como uma língua inferior, dos ignorantes e plebeus. (É preciso adicionar que Lutero não se opôs ao latim, e ele mesmo publicou uma edição revisada da tradução latina da Bíblia – a Vulgata4. Lutero escrevia tanto em latim como em alemão. A tradução da Bíblia para o alemão não significou, portanto, rejeição do latim, por parte de Lutero, como língua acadêmica.)

Enfim, como já foi dito mais acima, Lutero desenvolveu uma nova visão teológica bebendo nas palavras de Romanos I, 17: O justo viverá pela fé. Segundo sua interpretação, dizia que o perdão e a vida eterna não são conquistados por nós mediante boas obras, mas nos são dados gratuitamente por meio da fé em Jesus Cristo – O Filho de Deus – que morreu e ressuscitou para perdão de toda a Humanidade. Talvez este possa se constituir em um acréscimo subsidiário ao pensamento dos historiógrafos que refutam a idéia de que Lutero tenha estado vinculado ao incipiente e oculto Movimento Rosa+Cruz de seu tempo, pois, para os Rosa+Cruzes de ontem, de hoje e de sempre, estas idéias básicas e sustentáculos de sua fé, não são nem misticamente congruentes e nem metafisicamente plausíveis, ainda que, com elas ou sem elas, Lutero não tenha tido a intenção orientadora de deflagrar especificamente uma Reforma teológica sangrenta, pois nada mais pretendia do que oferecer esclarecimentos teológicos que pudessem curar as almas, esta mesma Reforma que acabou se materializando tenha sido de utilidade singular e inestimável para descativar mentes e Corações. Se foi mesmo assim, o subtítulo deste trabalho – Pensamentos de um Revolucionário Religioso – não está rigorosamente correto. Entretanto, o que farei a seguir, depois da breve Cronologia que se seguirá, é garimpar alguns fragmentos do pensamento de Lutero, particularmente das suas 95 Teses (afixadas na porta da capela de Wittemberg em 31 de outubro de 1517 movidas pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade) que possam, de alguma forma, estar próximas da Metafísica Mística Rosacruz contemporânea (século XXI).

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