Hoje, como nos tempos de Nelson Rodrigues, é preciso ter coragem para enfrentar as patrulhas ideológicas e repetir suas sábias palavras: "Sou um ex-covarde"
“Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o
chamem de reacionário”, disse Nelson Rodrigues numa de suas crônicas, à qual
deu o título de O ex-covarde.
Publicada em sua coluna no jornal “O Globo”, em 18 de outubro de 1968, a
crônica do grande Nelson, na qual ele falava sobre a superação do medo que
sentia de expressar publicamente suas ideias libertárias e anti-esquerdistas, é
uma daquelas obras primas que sobrevivem ao tempo e ao contexto em que foram
produzidas. Não fosse pela menção a alguns personagens da época, como o
escritor e pensador católico Alceu Amoroso Lima (1893-1983), o líder chinês Mao
Tsé Tung, o “Grande Timoneiro”, e Che Guevara, o “herói” da “Revolução Cubana”,
ela poderia ser republicada hoje sem que ninguém pudesse desconfiar de que foi
escrita 45 anos atrás.
No Brasil atual, como nos tempos de Nelson Rodrigues, é
preciso ser de esquerda ou pelo menos parecer de esquerda, para não se tornar
alvo do escárnio das “patrulhas ideológicas”. Não importa se você é da situação
ou da oposição, se é rico ou pobre, doutor ou analfabeto. Pode ser empresário
da Fiesp, a entidade que reúne os industriais paulistas, banqueiro de terno
escuro, coronel do Nordeste, artista, intelectual, jornalista e até “rato de
praia” da zona sul carioca. Ninguém quer ser chamado de “reacionário”, “de
direita”, “conservador”, “liberal” ou “neoliberal” – as palavras de baixo calão
que designam hoje no país o ser “abominável” capaz de acreditar que “a
liberdade é mais importante do que o pão”, como dizia Nelson Rodrigues. “Por
medo das esquerdas, grã finas e milionários fazem poses socialistas”, escreveu
ele em sua crônica – um fenômeno que continua acontecer no Brasil, em pleno
século XXI. Poucos, muito poucos, têm a coragem que ele teve de manter suas
convicções e enfrentar o ímpeto difamatório da tropa de choque da gauche.
Caberiam numa Kombi.
Embora o Muro de Berlim tenha caído em 1989 e a União
Soviética se desintegrado em 1991, a impressão que se tem no Brasil hoje é de
que ainda estamos em plena Guerra Fria. Experimente, por exemplo, defender
abertamente o capitalismo numa mesa de bar na Vila Madalena, em São Paulo, ou
no Baixo Leblon, no Rio. Ou, se preferir, diga que a Cuba de Fidel Castro é uma
ditadura que não respeita os direitos humanos. Ou, então, tente defender
abertamente os Estados Unidos, considerado o satã mundial pela esquerda
tupiniquim. Os “patrulheiros” de plantão provavelmente vão ridicularizá-lo em
praça pública, como fazia o regime de Mao, durante a Revolução Cultural, nos
anos 1960.
A diferença dos tempos de Nelson Rodrigues é que, na
época de Nelson, Lula e o PT ainda não existiam e eram os comunistas de
tonalidades variadas que formavam as milícias ideológicas. Hoje, no Brasil, o
patrulhamento parte, com frequencia, do próprio governo, que divide a sociedade
entre “nós” – a situação -, os defensores dos pobres e oprimidos, e “eles” – a
oposição -, os representantes das elites, “que não aceitam a ascensão de um
líder popular como Lula”.
No Brasil dominado pelo PT e por seus simpatizantes, o
maniqueísmo ideológico transformou-se em política de Estado. Quem ousa dizer
que Lula deveria ser investigado por sua participação no mensalão e defende
abertamente a condenação dos mensaleiros petistas pelo Supremo Tribunal
Federal, por compra de votos no Congresso Nacional e desvio de dinheiro
público, é tratado como inimigo público pela turma de Brasília, pelos
dirigentes do PT e pela “guarda revolucionária”, que se multiplica pelas redes
sociais.
Muitas vezes, como ocorreu com a blogueira cubana Yoani
Sánchez, impedida pelos fundamentalistas de esquerda de realizar palestras e
noites de autógrafos de seu livro no país, os patrulheiros reagem com
truculência. Com frequencia, disparam campanhas difamatórias pela internet, por
meio de ONGs obscuras financiadas com recursos públicos ou, nas palavras do
ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, com “o seu o meu, o nosso”
dinheirinho. Se alguém tiver alguma pretensão política e não rezar pela
cartilha da esquerda, será carimbado como “inimigo do povo” e dificilmente
conseguirá se livrar do rótulo incômodo, por mais que ele tenha pouco ou nada a
ver com a realidade. De toda forma, o que é ser “inimigo do povo”? Não foi o
capitalismo, afinal, o regime que permitiu o maior desenvolvimento da história
às sociedades que o adotaram?
Diante desse patrulhamento obsoleto e inaceitável,
ressuscitado com aval oficial,
talvez seja o caso de todos os que se sentem incomodados por esse ímpeto difamatório deixarem o medo para trás e repetirem, para si mesmos, as sábias palavras de Nelson Rodrigues: “Sou um ex-covarde”. “Para mim, é de um ridículo abjeto ter medo das Esquerdas, ou do Poder Jovem, ou do Poder Velho, ou de Mao Tsé-Tung, ou de Guevara. (...) Para ter coragem, precisei sofrer muito. Mas a tenho”, disse ele, ao fechar sua crônica imortal.
talvez seja o caso de todos os que se sentem incomodados por esse ímpeto difamatório deixarem o medo para trás e repetirem, para si mesmos, as sábias palavras de Nelson Rodrigues: “Sou um ex-covarde”. “Para mim, é de um ridículo abjeto ter medo das Esquerdas, ou do Poder Jovem, ou do Poder Velho, ou de Mao Tsé-Tung, ou de Guevara. (...) Para ter coragem, precisei sofrer muito. Mas a tenho”, disse ele, ao fechar sua crônica imortal.
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