domingo, 25 de abril de 2010

Artigo: O Livro do Pucci - A/0806 - (Parte XXVII)

A PALAVRA PERDIDA NA TRADIÇÃO
HEBRAICA E NO R. E. A. A.

I
Quando Einstein pretendeu demonstrar a Teoria da Relatividade, a matemática se impôs como a única linguagem capaz de traduzir o que a natureza daquela realidade exprimia, mesmo que fosse considerada difícil; os símbolos também se impõem como a única linguagem capaz de explicar a realidade do espírito, mesmo que os consideremos obscuros[2]. Quer estudemos Freud, Jung ou mesmo as teorias anímicas dos Xamãs, sempre encontraremos o símbolo como a forma capaz de exprimir a natureza mais profunda do homem.
O mito faz parte dessa manifestação simbólica. Para o Homem, o “significado” de um fato é tão importante quanto sua “realidade” e por isso o mito, como explicação discursiva, nos é tão necessário quanto a explicação científica, ou paradigmática. Compreender ultrapassa o mero saber. Não basta ao homem que o mundo exista; é necessário que ele exista para... Somos animais escatológicos!
Entre os mitos centrais na história humana, encontra-se o do Verbo, o nome de Deus, poder divino perdido. As lendas sobre a procura desse tesouro se multiplicam com as mais variadas formas. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, encontramos o Verbo e o Nome como conceitos fundamentais na história da criação: Deus criou os animais e ordenou ao homem que lhes desse um nome; a tentativa de chegar a Deus, em Babel, foi punida com a confusão da linguagem; São João começa seu Evangelho pelo Verbo.
Para os místicos das mais variadas correntes, a palavra e o nome são fundamentais e possuem um poder mágico. Quando a mente cria ou evoca um pensamento – afirmam eles - o signo representativo desse pensamento passa a ser gravado no fluído astral, que é o receptáculo de todas as manifestações da existência. “Pronunciar uma palavra é evocar um pensamento; pronunciar um nome é definir um ser. A palavra para cada homem é benção ou maldição, e por isso nossa ignorância acerca das propriedades das idéias e da matéria é tão freqüentemente fatal para nós"
[3]. Os ensinamentos maçônicos constantemente nos alertam para o risco do uso do poder sem o devido conhecimento.
Um outro fator importante se deve considerar no estudo do simbolismo: a maioria dos textos tradicionais foi escrita em sânscrito ou hebreu. Nesses dois idiomas, cada letra está ligada a um som e possui um significado oculto. Daí porque Asclépios, ao escrever ao rei Ammon, o alerta para que evite a tradução dos seus discursos para o grego, pois, como diz ele, a língua egípcia não se serve de “simples palavra, mas de sons repletos de eficácias"
[4] ·
O alerta tem sentido! Os idiomas modernos se submetem apenas à questão gramatical e à elegância da fala. Os textos que lemos como originais, são traduções de traduções, constantemente corrigidos aqui e ali por algum escriba mais preocupado com a elegância da forma ou com a modernização da mensagem.
NA Maçonaria, o tetragrama e os números 1,2,3 e 4 , começam a ser estudo já no grau de Aprendiz. No grau de Mestre o tema é aprofundado e passamos a compreender então que Y (Iod) é a representação do princípio ativo, o ser que pensa, a origem; H (He) é o sopro animador que sai do princípio, o verbo; V (Vau) é a ligação, o meio, a atmosfera anímica; o H (Hé) que se repete exprime a obra concluída, o verbo realizado, o Cristo triunfante - diriam os místicos cristãos.
Este trabalho pretende estudar esse que é um tema central na filosofia maçônica o poder regenerador do verbo, capaz de transformar os homens, e que se desdobra desde o Nome Indizível de Deus, expresso no Tetragrama, até às lendas da pedra e do reencontro da Palavra perdida.

II
O Tetragrama é, para a Maçonaria, um símbolo central, pois representa o princípio gerador, o G\A\D\U\, ou o demiurgo. Para alguns, esse símbolo é apenas fruto da tradição e da influência hebraica, sem qualquer outro significado místico ou religioso. Talvez, para esses, a Palavra continue perdida e a chave definitivamente desaparecida exatamente por conter um ensinamento oculto que é a base da chamada Tradição. Talvez os que buscam sentidos menos aparentes sejam apenas “místicos delirantes”, como os chamou um autor maçônico. De qualquer forma, um trabalho sobre o Tetragramaton não estaria completo sem uma rápida menção do seu significado oculto.
Para Pitágoras, a Coluna e o Círculo (10) representavam o número perfeito contido na Tetraktys. Tetraktys era, para os pitagóricos, o quarto sagrado, o eternamente existente por si mesmo. Sua forma era o Triângulo inscrito num Círculo.
No misticismo hebraico converteu-se num símbolo fálico da dupla sexualidade de Jeová. Na verdade, o vocábulo Iod-heve ou Jehovah, que os cabalistas pronunciam letra por letra: iod, he, vau, hé, é o símbolo não do Ser absoluto que o homem são pode definir, mas da idéia que se tem d’Ele. Iod, espírito masculino, o Bem, princípio gerador ativo, corresponde ao signo do falo, ao ceptro do tarô e à coluna do Templo de Salomão; em alquimia correspondente ao enxofre. He, substância passiva, princípio produtor feminino, alma universal plástica, psique viva, potencialidade do Mal, corresponde à taça de libações do tarô e à coluna Boaz; em alquimia, corresponde ao mercúrio. Vau é a união fecunda dos dois princípios, a copulação divina, o devir, o caduceu e a espada do tarô; em alquimia é o Azoto dos Sábios. Hé, a fecundidade da natureza no mundo sensível, realizações últimas do Pensamento encarnado nas formas, os ouros do tarô; em alquimia corresponde ao sal
[5].
No tarô, o Arcano IV, Daleth, com valor numérico 4, tem em sua lâmina um homem coroado com a tríplice tiara, segurando um cetro encimado pelo signo de Vênus ou Júpiter com a mão esquerda, a perna esquerda cruzada com a direita formando uma cruz de braços iguais e apoiando a mão direita na face superior de uma pedra cúbica. A pedra cúbica, uniformemente talhada e lisa, é o símbolo de tudo que foi trabalhado e terminado, recebendo forma definitiva. Cada lado do cubo apresenta, evidentemente, um quadrado, símbolo geométrico desse Arcano
[6].
O movimento rosa-cruz desenvolve o Tetragrama em suas concepções físico-religiosas, ou alquímicas, a partir do INRI, aposto na cruz de Cristo, e que significa Igne Natura Renovatur Integra (a natureza, pelo fogo, é renovada em sua integridade, como foi, aliás, bem exposto por Hermes Trismegistos).
Para os cabalistas, o valor 26 das letras do tetragrama representa a soma do valor 13 das letras de Unidade (Aleph+Cheth+Daleth) e do valor 13 das letras de Amor (Aleph+Heh+Beth+heh), significando que Deus é Um e só Um e opera através do Amor, podendo sua natureza, portanto, ser definida como a Unidade operando através da Dualidade para produzir Amor
[7].
Na Maçonaria ética de Ashmol e Fludd, o elemento Iod é representado pelo grau de Aprendiz, onde o maçom se esforça para conhecer-se a si mesmo e para se aperfeiçoar e, só então, nesse esforço, sai das trevas da ignorância ética em que vive o homem comum. O elemento He corresponde ao segundo grau, o de Companheiro, cujo campo de aplicação é ampliado. O Companheiro desfruta das relações fraternais com seus irmãos, tendo conquistado o direito desse gozo, mas ainda sob a proteção de instrutores experimentados. O elemento Vau corresponde ao grau de Mestre, já conhecedor da vida maçônica e que terá, agora, que se familiarizar com a idéia da morte e todas as suas implicações. Quem é mestre da vida e da morte. A Loja de Mestre, síntese da família maçônica, representa o segundo Hé, a obra acabada.

III
Místico, do grego mystikós, se diz do que se refere ao lado oculto das doutrinas religiosas ou espiritualistas. É o esotérico, que se opõem ao popular, ou exotérico.
O tema objeto deste trabalho tem que ter, primariamente, uma abordagem mística, uma vez que, em se tratando de uma lenda iniciática, se inscreve no contexto dos mistérios.
Ora, mesmo que fosse exotericamente, tratar de temas religiosos (como o do Verbo) é tratar de uma questão mística, já que a origem dos movimentos religiosos se encontra na intenção de re-ligar o que foi separado, ou de restaurar o que foi confundido. Essa intenção já pressupõe uma Gênese e, portanto, uma Cosmogonia.
Explicado o significado do Tetragrama, cabe agora tratá-lo contextualmente, isto é, como parte de um tema mais amplo que é o conjunto dos mitos e/ou lendas cosmogâmicas.
Desde o princípio, nos dizem os ocultistas
[8], como no Éden narrado pelas Escrituras, o Homem era uma criatura puramente espontânea, sem passado e sem futuro, tendo como consciência total o aqui e o agora. Sendo parte de um todo harmonioso, vivia em perfeito equilíbrio com a natureza e, portanto, sua percepção das coisas tinha que ser necessariamente total e imediata. Todos os textos gnósticos coincidem nesse ponto.
Dessa perspectiva, o Logos (a palavra) era a verdadeira e completa representação do real na mente do homem, sem a intermediação do raciocínio e, portanto, sem véus... mas também sem reflexão.
A conseqüência dessa vida em natureza e em verdade, é que o Espírito não experienciava a si mesmo e, portanto, não podia conhecer-se a si próprio. Faltava-lhe o daimon, o número dois, a contradição, que é, segundo a antiga e tradicional dialética mística, a condição necessária ao conhecimento.
Contudo, para comer o fruto da Árvore da Sabedoria e para viver a experiência de si mesmo como um alter, foi necessário ao homem materializar-se, descer às "profundezas do inferno", limitar-se, e para isso teve que perder o sentido do Logos. Esse foi o "castigo" de seu pecado original!
Sobre isso, encontramos no Gênesis 11,7: “Vinde, pois, desçamos e confundamos de tal sorte a sua linguagem, que não ouça cada um a voz do que lhe está próximo”.
Será que não estamos, aqui, misturando a história da Torre de Babel com a da perda do paraíso ou a da criação do mundo? Pensamos que as Cosmogonias possuem uma historicidade que é inerente apenas ao discurso, não ao fato narrado. O fato de que tratam é Total, Absoluto, e, portanto, seu desdobramento temporal é apenas exigência da narrativa. Assim, as várias lendas (como a de Hiram, por exemplo) se sobrepõem continuamente, buscando conseguir graus mais elevados de elucidação, como num movimento em espiral.
Também anotemos desde já que sendo o mito a expressão da tentativa do homem de compreender-se a si mesmo, ele apresenta necessariamente um caráter sociológico e um profundo enraizamento psíquico, uma vez que é a “história” arquetípica do homem que se desdobra na história concreta e vivida e, nessas, busca seu sentido. Por isso não podemos perder de vista que a descrição da babel humana é, também, a da busca da individuação no processo de desenvolvimento histórico. Assim, podemos ver como a passagem do pastoreio nômade ao sedentarismo agrário está expressa na lenda de Caim, agricultor, matando seu irmão Abel, pastor. O luto de que o homem é tomado, como conseqüência das mudanças inerentes à sua transformação histórica, se expressa na narrativa ao depositar em Abel, o que se foi, a preferência de Deus. É o homem fica dividido entre as ofertas sagradas do Trigo e do Cordeiro. A mesma dialética espiritual que expressa a tensão entre o passado e o futuro na história.
Mas como se articulam, mutuamente, o Nome Indizível de Deus e a Palavra Perdida? Moisés recebeu do Senhor o seu Nome Indizível no monte Sinai. Mas ali, na verdade, Deus disse seu nome, pois como podemos ler em êxodo 3, 13-15, “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU; e acrescentou: assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU ENVIOU-ME A VÓS“. Eu sou o que sou É O NOME DE DEUS, cujo número é 345, símbolo que oculta uma verdade esotérica, como já mencionamos.
Dessa forma, o nome de Deus, o Ser, isto é A verdade que o homem busca, está perdido porque está oculto, e só vai sendo descoberto na eterna busca do homem por si mesmo ou, falando de um ponto de vista místico, na eterna revelação de Deus.
O nome indizível de deus, da tradição hebraica, se transmuta na Palavra perdida das lendas maçônicas, com o mesmo sentido místico, sociológico e psicológico. Na lenda de Enoc, pai de Matusalém, que é o fundamento de um dos graus filosóficos, lemos que “o profeta Enoc, iluminado por um sonho divino, escondeu sob um dos nove arcos que referiam as qualidades do G\A\.D\U\, um Delta em pedra ágata sobre o qual estava escrito, de forma esculpida em ouro, o Nome Indizível do Ser Supremo.
Junto com o Delta, Enoc escondeu, também duas colunas uma de mármore, sobre a qual havia gravado a chave para a pronúncia do Nome Indizível, a outra em bronze, sobre a qual escrevera os princípios da ciência.
Salomão encarregou a três grandes Mestres Arquitetos de procurar esse tesouro e os três, encontrando o Templo, ao fim da nona volta, encontraram o Delta e a Coluna de bronze pois a de mármore havia sido destruída pelas águas do Dilúvio
[9].
Aditando um comentário extemporâneo, temos aqui (salvo melhor juízo) uma nova versão da mesma história fundamental: Enoc, símbolo da Antigüidade, do passado, esconde o Nome Indizível sob um dos nove arcos.
Nove é o número raiz do estágio atual da evolução humana. É o número de Adão, o início da evolução, que em hebraico é proferido ADM. O valor de A é 1; o de D é 4 e o de M é 40, cuja soma é 9, o numero da humanidade atual
[10]. Das duas colunas, uma com a chave do espírito e a outra com a chave material da ciência, apenas uma será encontrada, a material, representando novamente a perda do equilíbrio ocasionada pelo progresso exclusivo da razão.
Em continuação, diz a lenda que quando Adoniram, um dos três Grandes Mestres Arquitetos, chegou à nova abóbada, teve a tocha apagada por uma queda de terra e...viu a luz que brilhava por si mesma na escuridão. Aqui é clara a insinuação de que a descoberta da Palavra Perdida está associada à iniciação, pois a partir da morte pela terra quando a luz profana se apaga, se encontra a Luz espiritual.
A lenda de Hiram, início de todas as variações posteriores, representa a impossibilidade de se obter a Palavra Perdida (seja a de Passe, seja a Sagrada) pela violência. Obter a Palavra significa simbolicamente, adquirir uma identidade, vir a ser alguém, ser reconhecido e, portanto reconhecer-se.
Só se pode obter esse tesouro pela conquista de si mesmo, evoluindo passo a passo, grau a grau. Um de nossos Irmãos, num trabalho sobre a idade e as Palavras do Mestre Maçom, nos informa que depois de procedidas as exéquias e terem sido executados os assassinos do mestre, Salomão depositou a palavra impronunciável no subterrâneo do templo, numa abóbada secreta sobre um pedestal triangular, que denominou de Pedestal da Ciência (pedra Cúbica de Topo). O acesso a tal subterrâneo se fazia por uma escada de 24 degraus, em graus de 3,5,7 e 9 . Ora, a escada de 24 degraus, exprimindo a régua de 24 polegadas, representa o tempo divino em etapas; os grupos de 3,5,7 e 9 representam as idades do Aprendiz, Companheiro e Mestre, significando que a evolução deve se dar paulatinamente.
Qual é a chave, entretanto que nos permite decifrar esse antigo enigma, proposto de tantas formas diferentes? Aqui, o caminho com que nos deparamos é um subterrâneo formado por vários níveis e de difícil acesso; ali é uma arca que encerra os maiores segredos, mas que se encontra perdida; acolá é uma esfinge que nos interroga em Gizé. Encontramos uma resposta na lenda do Guardião da Arca: estando esta perdida, pois os Levitas, seus guardiões, tinham caído prisioneiros dos Sírios, foi a arca encontrada no meio de uma floresta, mas estava guardada por um leão de grande porte que amedrontava a todos que dele se aproximavam. Ninguém tinha coragem de enfrentá-lo. O Sumo Sacerdote, porém, apresentou-se ao leão sem medo.
Esse ao vê-lo, veio prostrar-se humildemente aos seus pés, deixando cair da boca uma chave, que era a chave da Arca. O leão passou a representar a Davi e sua descendência, da qual originou-se o Messias. “A Arca significa a matriz da natureza e a ressurreição, guardando o germe da criação. A Arca (...) representa a sobrevivência da vida e a supremacia do espírito sobre a matéria, no conflito dos poderes opostos de Natureza”
[11]. Leão é o símbolo zodiacal que representa a intuição e a autoconsciência. A plena consciência de si mesmo, portanto, é a chave que abre os tesouros do espírito.
Devemos acrescentar, ainda, que simbolicamente, o nome Indizível de Deus só podia ter sido encerrado numa Arca. A Arca representa o lugar mais recôndito, o interior mais profundo do Ser, por isso foi colocada no Santo dos Santos. A arca, contendo o verbo gerador, representa o útero cósmico, para onde o homem, desorientado, anseia voltar.

III
A Palavra Perdida vem sendo procurada há muito, através da história. Como crianças vimos procurando o pote do tesouro no fim do arco-íris. Osíris, Hércules, Teseu e Perseu, Siddharta Gautama, Parsifal, todos esses heróis representam o ser humano na busca do "quem eu sou", da conquista desse Tesouro maravilhoso do Graal , da Pedra Filosofal, conquista que significa, simultaneamente, encontrar o EU e o TODO
[12].
A palavra, o nome ou o cálice representam igualmente o PODER perdido do verbo criador. Nas lendas maçônicas, os três maus companheiros que assassinam Hiram para obter dele a Palavra, desejam o Poder para fins egoístas; logo, de sua ação resulta a des-união, a quebra da ordem, a entropia; o Mestre, ao contrário, utiliza o Poder universalmente, portanto para manter a união, a ordem, a homeostase.
Seja no campo simbólico, seja no místico, dialeticamente o Mestre Hiram e seus assassinos definem-se mutuamente, uma parte não podendo existir sem a outra, pois de ambas é que resulta o equilíbrio dinâmico, capaz de movimento, posto que qualquer delas, separadamente, não faz sentido. Eis porque, na continuação da lenda inicial, o vingador de Hiram afirma que o assassino revive continuamente. A lição aí contida é a de que precisamos saber tratar com sabedoria essas duas potências que nos são inerentes: da individualização e da universalização.
O mestre precisa saber tratar da vida e da morte e o sabe na medida em que compreende que ambas são uma única coisa. O Um, ao se fazer vários, morre para a Unidade sem que esta deixe de ser, assim como as partes, ao voltarem ao Um, morrem para a diversidade também sem deixarem de ser , pois ambos os movimentos são, de fato, aparentes, uma vez que se dão no absoluto. É a luta de Lúcifer, a Luz da individualização, contra Cristo, a Luz da consciência universalizada!
Esta consciência do homem dividido vem ter seu apogeu na visão do homem quaternário do Hermetismo e da Cabala: o espírito, a alma humana, a alma animal ou passional e o corpo material. Tais mistérios, transmitidos aos iniciados, tinham sua face exotérica, popular, nas dramatizações da Antigüidade e da idade Média.
Essas pantomimas eram representadas principalmente por ocasião do nascimento do sol no Ano Novo ou por ocasião do verão, quando os dias ficavam mais longos (para nós, à época do Natal). Nessas ocasiões se comemorava o nascimento ou rejuvenescimento de algum deus, Osíris, Mithra ou Baco; para nós Cristo.
Desde nossa infância estamos acostumados com a apresentação de quatro personagens tradicionais (personae ou máscaras): o Arlequim, vestindo sua roupa estrelada no arco-íris, a Colombina, a alma humana, leve e deslumbrante, mas sem poder próprio, submissa a Arlequim; o Palhaço, princípio terreno e falível do homem, seu intelecto, astuto, mas de baixo sentimento; e o Pantaleão, corpo material, velho e alquebrado, ator de atos vulgares, sofrendo os pecados inspirados pelo palhaço
[13]. É a dramatização de nossa condição humana.
A esta altura da análise, uma pergunta se impõe: independentemente das lições que pretendem conter, como se sustentam os mitos e/ou as lendas, já que nem todas as histórias se tornam mitos ou lendas?
A lenda, diz Alfredo de vigny, “é na maioria das vezes, mais verdadeira que a história, porque não se refere a contos incompletos e abortivos, mas ao próprio gênio dos grandes e das grandes nações”
[14]. Isso significa dizer que as lendas (e os mitos) falam do estrutural, daquilo que é arquetípico no homem. “Arquétipos são disposições estruturais existentes nos estratos mais profundos do inconsciente humano e compartilhadas pela espécie humana como um todo“[15].

dessas premissas inferimos, como conclusão, nossa tese:

Partamos de uma abordagem esotérica, sociológica ou psicológica, encontramos sempre o ser humano como um ser em tensão entre o crescimento e a entropia; a sanidade e a loucura; a vida e a morte; o material e o espiritual; a finitude e a eternidade; o bem e o mal, o egoísmo e a solidariedade: enfim o homem é um ser dialeticamente constituído.
Por conseqüência dessa dualidade e dessa tensão, é que o homem é um ser em processo, evoluindo ou involuindo, mas nunca estagnado. Eros e Tanatos constantemente se digladiando.
Essa tensão, no singular, pode ser resumida numa tendência à individualização, e noutra à universalização. O desejo de Unidade é bem em nosso íntimo um desejo de retorno, pois foi pela queda, pelo nascimento, que a dualidade se instalou. Esse desejo é arquetípico, está inscrito em nossa matriz de forma profunda: a mãe, a terra, representam igualmente o Útero protetor da Unidade. Se isso é assim, então esse desejo de retorno ao útero, durante nossa vida, nunca acaba, apenas vai transcendendo.
Independentemente de considerarmos os dois pólos dessa tensão materialisticamente, como Vida-Morte ou Futuro-Passado; ou espiritualmente, como Espírito-Matéria, Divisão-Unidade; temos sempre que a relação entre eles é organizadora do ser e propicia a evolução contínua. É como se o futuro atraísse o passado, embora se constituindo nesse; como se Deus atraísse o espírito humano, embora se realizando nesse.
Quando afinamos dois diapasões exatamente no mesmo tom o som de um, ao vibrar, induzirá a mesma vibração no outro. Fracamente, a princípio, mas, se continuarmos a golpear o primeiro, o segundo diapasão emitirá um som cada vez mais alto, até atingir um volume de som igual ao primeiro. Se colocarmos um pó finíssimo sobre uma placa de vidro ou de metal e se passarmos um arco de violino pela borda da placa, as vibrações farão o pó assumir belíssimas figuras geométricas. A voz humana também pode produzir tais figuras; sempre a mesma figura para o mesmo som. Esse o poder do verbo, a força de atração do Espírito sobre o espírito e deste sobre a matéria.
Daí concluirmos que certas narrações tornam-se mitos quando se identificam com essas disposições do homem de re-união, de re-ligação do que foi originalmente cindido.
A função do mito passa a ser, então a de despertar em nossa consciência, como um diapasão, o desejo de continuar buscando o Graal, mantendo vivas e ativas nossas vocações mais profundas.
Mas porque, nestes tempos científicos e tecnológicos, precisamos de mitos? Se fizermos essa pergunta, é porque não notamos que “os vestígios desses ‘quejandos’ se alinham ao longo dos muros do nosso sistema interior de crenças, como cacos de cerâmica partida num sítio arqueológico. Mas uma vez que somos seres orgânicos, há energia em todos esses ‘quejandos’. Os rituais o evocam. Considere-se a posição dos juizes em nossa sociedade (...).
Se essa posição representasse apenas um papel, o juiz poderia vestir, na corte, de terno cinza, em vez da negra toga magisterial. Para que a lei possa manter a autoridade além da mera coerção, o poder do juiz precisa ser ritualizado, mitologizado. O mesmo acontece a muitos aspectos da vida contemporânea, (...), da religião e da guerra ao amor e à morte”
[16].

[1] Além da bibliografia citada no texto, cf. BOUCHER, Jules. A Simbólica Maçônica. São Paulo: Ed. O Pensamento, s/d. DYCHTWALD, Ken, Corpomente. São Paulo: Summus Editorial, 1977.ELIPHAS LEVY. História da Magia. São Paulo: Ed. O Pensamento, s/d.KOSMINSKY. Números: Magia e Mistério. São Paulo: Editora Três, s/d.MEELOR, Alec. Dic. Da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons. São Paulo: Martins
Fontes, s/d.PIOBB, P.V. Formulário de Alta Magia. São Paulo: F. Alves Ed. 1991.RITUAIS DO SIMBOLISMO (Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçons). GLUP.SILVA, Valdir da. A idade e as Palavras do mestre Maçom. Trabalho. Março/93.ZIEMER, Roberto. Mitos Organizacionais. São Paulo: Atlas, 1996.
[2] Ir\Heroníades Trindade, respondendo em Loja sabatina para aumento de salário.
[3] BLAVATSKY, H.P. Síntese de Doutrina Secreta. Coletânea de textos por Cordélia Alvarenga de Figueiredo. São Paulo: Ed. O Pensamento, s/d, p. 74.
[4] HERMES TRISMEGISTOS. Corpus Hermeticum. São Paulo: Hemus, s/d, p. 47.
[5] DE GUAITA, Stanislas. No Umbral do Mistério. São Paulo: M. Fontes, 1991, p.17.
[6] Cf. MEBES, G.O . Os Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo: Ed. O pensamento, s/d.

[7] REGARDIE, Israel. O Poder da Magia. São Paulo: IBRASA, 1989, p.137.
[8] BRODSKY, Greg. O Livro da Cura Natural. São Paulo: Ed. O Pensamento, s/d, p.18.

[9] DA CAMINO, Rizzardo, Lendas Maçônicas. Rio de Janeiro: Ed. Aurora, s/d, p. 21.
[10] HEIDEL, Max Conceito Rosacruz do Cosmos. São Paulo: AMORC, 1993.

[11] BLAVATSKI, op. cit., p. 210.
[12] FREITAS, Luiz C.T. de,. O Simbolismo Astrológico e a Psiquê Humana. São Paulo: O
Círculo do Livro, 1990, p. 173.
[13] WESCOTT, W. Wynn e GILBERT, R.A. Maçonaria e Magia. São Paulo: ed.
O Pensamento, s/d, p. 17.
[14] BESANT, A. O Cristianismo Esotérico. São Paulo: Ed. O Pensamento, s/d, p. 19.

[15] FREITAS, op. cit., p. 45.
[16] CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo: Assoc. Palas Athenas, 1991, p. 8.

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