sábado, 21 de abril de 2012

Artigo: Reflexões sobre o Arcano - A/1148

REFLEXÕES À MARGEM DE O GRANDE ARCANO
DO OCULTISMO REVELADO (DE ELIPHAS LEVI)

«O conjunto dos seres e das coisas existentes suporta e manifesta a divindade como o corpo físico do homem suporta e manifesta o Espírito»  (PAPUS)

Arquétipo/Macrocosmos/Microcosmos
 (ou o Divino, a Natureza e o Homem)

Talvez se possa dizer ser excessiva a pretensão dos ocultistas, dos esoteristas e dos místicos em geral — entendo os primeiros como os práticos, os segundos como teóricos e os últimos como contemplativos — de deterem a chave de toda a Metafísica ou até de serem senhores de uma Metafísica própria, se é que é possível tal corte e apropriação. Todavia, chamando de espiritualistas (como simplificação) os que se preocupam com as relações e com as perguntas sacramentais «de onde, porquê e para onde», para os distinguir dos positivistas-materialistas, podemos dizer que os primeiros são movidos por um idealismo integral e os segundos por um vício analítico imediatista, pragmático. Como o que nos interessa neste momento é o campo que nomeámos de espiritualista, diríamos então que a sua metafísica se caracteriza por aquilo que Papus chamava de «Matese», isto é, a conciliação numa coisa só, o sincretismo ou integrismo dos três pressupostos da dialéctica: tese, antítese e síntese. Ora, pela perspectiva do homem — que outra não nos cabe em autenticidade, por fértil que seja a imaginação — ao sincretismo de tudo o que existe e não existe poderíamos chamar o Absoluto, donde tudo emana e onde tudo se conforma. Este centro de toda a periferia e desta periferia condição, é referido por Levi como o desconhecido e à sua personificação chamamos Deus. Pelo seu credo filosófico, Deus é a perfeita inteligência, a suprema bondade e o dever-ser da Filosofia, que o mesmo é dizer de todo o saber e da sua crítica, isto é, da reflexão sobre os métodos de aquisição, demonstração e valoração (quando ciência), de integração e vivência (quando religião) ou de acesso e transmissão (quando Tradição). Todavia — dizemos nós — falar-se de saber é quantificar e a verdadeira Filosofia tem por escopo a sabedoria, que é do reino da qualidade; filosofar é apenas o ónus do caminhante.
No reino da quantidade, depressa nos apercebemos que acontece com o saber o mesmo que acontece com o menino que sopra um balão, por mais que sopre e o encha, haverá sempre mais ar do lado de fora que do lado de dentro. Tentar inverter esta situação é o caminho que vai do inchaço ao rebentamento. Então, se Deus é o desconhecido — e poderíamos dizer Eterno Desconhecido — tentar percebê-Lo pela quantificação, mesmo que em termos de edificação moral, por mais diáfana, será sempre diminui-Lo, limitá-Lo e permanecer desconhecendo-O.

Fernando Pessoa tentou fugir a esta nossa insuficiência que disfarçamos, racionalizando e nomeando, através do seu credo, que em muitas referências literárias vem etiquetado de Credo Rosacruz:

«Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subtilizando-se até se chegar a um Ente Supremo, que presumidamente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não... (...) ... Dadas estas escala de seres, não creio na comunicação directa com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, podemos ir comunicando com seres cada vez mais altos»

Podíamos acrescentar que estes dizeres têm por corolário outra concepção pessoana. Dizia ele: Jeová é o Homem de um Deus maior. Se analisarmos estas citações e concluirmos que isto é um caminho, ou que seria o caminho pessoano, teremos de nos lembrar do grande poeta ibérico António Machado, quando diz: «caminhante, não há caminho, o caminho faz-se ao andar», o que nos devolve a Levi, na sua concepção de que a ausência de vontade e de razão torna os indivíduos e as massas escravos da fatalidade, submetidos à ditadura do opinativo, que é ela que rege o mundo.

Acrescentaríamos nós que as massas ignaras não agem, reagem e não pensam, repetem as fórmulas que lhes parecem cómodas, de acordo com o condicionalismos a que foram sujeitas, o que nos leva a desembarcar nas praias de Gurdjieff, na sua teoria dos adormecidos e dos acordados e na sua proposta de «o homem astuto» Pensamos que os espiritualistas — ou pelo menos os espiritualistas que sabem a diferença entre o desejo e a vontade, entre a crença e a convicção — agem, fazem o seu caminho de pé-posto e buscam a sua autorrealização, o que exige o exercício da virtude, força dinamizadora e razão de ser de toda a ação e contraponto à passividade e submissão que as paixões acarretam. Ação virtuosa, ou ação pela virtude, que não se deve confundir com os vórtices da violência do mundo, onde aquilo que se chama ação não passa de agitação tão-somente, produzida pela cupidez e pela maldade à solta. É a submissão aos instintos e a raiva a produzir o envenenamento das ideias e a cegueira a permitir todas as imprudências.

Fôssemos nós animais e a natureza nutrir-nos-ia ou eliminar-nos-ia de acordo com as necessidades ecológicas do momento, mas o homem não está encurralado na vida, vive porque aprende e aprende porque vive. É isto que o obriga a produzir ciência. É a sua capacidade perceptiva, apurada pelo engenho e pela depuração, submetida ao crivo da inteligência que constrói a ciência, cuja eficácia, convenhamos, resulta de um conjunto de problemas que dão certo. Trata-se, na aprendizagem da vida no plano físico, do exercício da tentativa e erro, como quem vai limando arestas para obter uma esfera. É aqui que nasce o cuidado de sabermos que tudo isto assenta na convenção e termos presente as avisadas palavras de Nietzsche: «regemo-nos por fórmulas e leis que não têm base em coisa alguma de valor, salvo serem aceites». No entanto, o resultado é de uma enorme riqueza como construção mental e civilizacional. Deste sumptuoso edifício, dizia Einstein: que «toda a ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil e, apesar de tudo, é o que temos de mais valioso». Pois bem: aceitando o que se diz atrás, que a eficácia da ciência resulta de um conjunto de processos que dão certo, somos reconduzidos a Levi: trata-se de uma muleta e há ainda uma outra, a religião. O que parece certo é que, sem estas duas muletas ter-nos-íamos, eventualmente, perdido na barbárie dos nossos caminhos iludidos. O perigo para este doente que caminha debilitado e trôpego é que «a falsa filosofia lhe tira a religião e o fanatismo rouba-lhe a ciência».

(por Abdul Cadre frc)


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