A Vida Mística
Todas as tradições religiosas e filosóficas do mundo falam sobre a vida mística e o misticismo. Misticismo é uma palavra de uso corrente para todos aqueles que estão engajados na busca espiritual, mas nem sempre é devidamente entendida. Para muitos, misticismo tem a ver com tudo aquilo que é um pouco estranho. Para estas pessoas seria equivalente a esotérico, aquilo que transcende a nossa compreensão. Verificamos que misticismo é usado em linguagem corrente de uma forma muito elástica e não necessariamente técnica. É realmente difícil definir o que é misticismo, porque a vida mística engloba toda uma série de fenômenos e experiências. Isto porque os místicos são os expoentes da família humana que, em todos os tempos e em todas as tradições, são consumidos por uma paixão para encontrar o caminho que leva ao estado de consciência que nos propicia o conhecimento da realidade. O conhecimento realmente é enfatizado em todas as tradições. Por exemplo, na tradição cristã, nos primeiros séculos, falava-se muito em conhecimento, que naquela época era referido em grego como gnose, de onde surgiu o gnosticismo. Então, gnose é conhecimento, mas é um conhecimento do tipo místico. É o conhecimento não intelectivo. É aquele conhecimento que é derivado de uma percepção transcendental ou uma percepção interior, ou poderíamos dizer ainda, de uma revelação interior. Então, neste sentido, misticismo e gnosticismo, são a mesma coisa. Essa busca do conhecimento, o conhecimento profundo, o conhecimento da realidade última, pode ser feito por diferentes meios. Por exemplo, na Sociedade Teosófica fala-se muito da Yoga. A Yoga é uma forma de busca do conhecimento que, na sua essência, tem um profundo paralelo com a vida dos místicos. Quando se fala na definição da Yoga como sendo a cessação dos movimentos mentais - isto é misticismo. É o método pelo qual se alcança o conhecimento da realidade, porque na Yoga quando se consegue aquietar inteiramente a mente, quando não há nenhuma perturbação e todo o nosso conteúdo mental está aquietado, é possível então que a luz interior se faça refletir no nosso cérebro e tenhamos então percepções extrasensoriais, percepções dessa realidade. No misticismo isso é exatamente o que acontece. As experiências místicas só ocorrem quando os indivíduos conseguem aquietar inteiramente a mente em contemplação. A contemplação, portanto, equivale ao estágio mais elevado da Yoga. Os místicos, no entanto, seguem o seu próprio caminho. É um caminho que de certa forma difere do caminho da Yoga e difere do caminho do ocultismo. Os paralelos e as diferenças entre o caminho místico e o caminho ocultista, são de grande interesse para o buscador espiritual, mas demandam mais tempo do que dispomos agora. Podemos dizer, no entanto, que os místicos depois de serem tocados pela realidade interior, passam a ser movidos por uma ânsia de amor, um desejo insopitável de repetir aquela experiência inicial e aprofundá-la cada vez mais, até alcançar o que eles sentem ser a realidade última. A percepção desta realidade viria com a iluminação. A iluminação é o aspecto central da experiência mística. Sabemos que iluminação ocorre em diferentes intensidades. Estamos acostumados a estas diferentes intensidades em nosso mundo material, pois conhecemos a diferença da luz de uma pequenina lanterna e as lâmpadas de nossas residências de 40, 60, 100, 150 watts e assim por diante, até os holofotes com sua luz potentíssima. Porém, até mesmo a luz do mais potente holofote é uma coisa insignificante comparada com a luz de um raio, ou com a luz do sol. Então, assim como em nosso mundo percebemos a luz com diferentes graus de luminosidade, numa experiência mística, a iluminação ocorre em diferentes intensidades. No entanto, temos a tendência a pensar sobre os místicos como "pessoas iluminadas" e com isto englobamos todos como se estivessem na mesma categoria, o que não é verdade. Eles realmente são irmãos que fizeram um considerável avanço na Senda da Perfeição em busca da verdade. Mas isto não significa necessariamente que alcançaram a realidade última. Vemos no clássico livro "Luz no Caminho" as palavras: "entrarás na luz mas jamais tocarás a chama". A pessoa que entra no caminho espiritual vai se adentrando cada vez mais na realidade última sem jamais tocá-la, ou seja, sem alcançar aquela chama que é a fonte da qual emana a luz. No entanto, todos os místicos que chegam aos estados mais elevados da experiência mística dizem que entraram em comunhão com Deus e finalmente se uniram a Deus. Seria útil examinarmos mais atentamente esta expressão: "se uniram a Deus". Quando uma pessoa se une a Deus ela torna-se Um com Deus e, portanto, passa a ser como Deus. Será que o nosso coração realmente aceita isso? Na tradição cristã em que a maior parte dos brasileiros foi educada, fomos condicionados a pensar que somos vis pecadores indignos de nos aproximarmos de Deus, o Pai todo poderoso. Com isto criando um hiato, na verdade um abismo entre o ínfimo, vil pecador e o Pai todo poderoso que habita no céu. Sendo assim, não seria uma heresia dizer, como os místicos, que nos tornamos Deus? Dentro da ortodoxia poderia parecer isto. No entanto, alguns grandes místicos que dentro da tradição cristã são considerados como santos: Santo Agostinho, São Paulo, São João, São Francisco de Assis, para citar os mais conhecidos, disseram que se tornaram um com Deus. Quem se torna Um com Deus, se torna como Deus. É interessante lembrar que na tradição mística fala-se que a última etapa do caminho místico é conhecida como o casamento divino, a câmara nupcial, a deificação, a união com Deus. Mas ainda que haja essa experiência de deificação, de união com Deus, essa união parece jamais chegar ao seu ponto último. É dito na tradição esotérica, por exemplo, que um Mestre de Sabedoria é aquele que esgotou o seu aprendizado na forma humana. Alcançou a quinta iniciação. Mas é dito que existe uma sexta iniciação e mesmo uma sétima iniciação e até mesmo uma oitava iniciação. É dito, também, que o Senhor do Mundo teria alcançado uma nona iniciação. Convém pararmos aqui, não porque param as iniciações mas porque, provavelmente, a experiência destes grandes Seres transcende a experiência do nosso sistema solar, do nosso Logos Solar. Mas como é dito que o nosso Logos Solar seria o equivalente ao Ser Espiritual do nosso sol material, se existe um Logos Solar, deve haver um Logos da constelação na qual o nosso sol se insere. Deve haver também um Logos da galáxia que conhecemos como a Via Lactea. Pela mesma razão, deve haver um Logos de um grupo de galáxias, como deve haver Logos de grandes grupos de galáxias e assim por diante até o Supremo Logos do universo como um todo. Isto significa que não há limite para a experiência interior. Não há limite para o conhecimento que é o objetivo último na experiência mística. É interessante que ao falarmos de misticismo, estamos nos referindo a algo que transcende a nossa experiência comum e, portanto, poderia ser imaginado como sendo algo bastante subjetivo. No entanto, existem graus de objetividade na experiência mística porque não importa o lugar, o período ou a tradição religiosa ou filosófica em que viveram estes gigantes da raça humana que são os místicos. Eles sempre mostraram que existem objetivos, doutrinas e métodos que são substancialmente os mesmos. Então, apesar de imaginarmos que o misticismo é uma experiência subjetiva, existe nela uma objetividade. Existe uma repetitividade. Portanto, se existe uma repetitividade isso seria então uma indicação do seu cunho, vamos dizer, científico. Pode ser repetido. Em todas as tradições, em todos os tempos isso tem sido verificado. A grandiosidade da experiência mística não deve desanimar os buscadores espirituais. Como existem diferentes níveis de experiências, é bem possível que alguns dos que estão aqui presentes já tiveram algumas experiências. Em alguns casos nem nos damos conta de que tivemos uma experiência mística. Algumas ocorrem quando estamos estudando um determinado tema, quando estamos procurando com afinco entender algo que nos parecia bem complexo e, de repente, as peças do quebra-cabeça se encaixam no lugar certo. Em meio a nossa surpresa e satisfação, algo mais profundo e mais abrangente do que podíamos conceber apresenta-se em nossa mente. Isto é um exemplo de experiência mística. Uma primeira experiência mística, um verdadeiro convite para o mundo interior. Estas intuições, que é o que acabamos de falar, são os presságios do misticismo em nossa vida corrente. Por outro lado, a experiência mística requer uma resposta de nossa parte. Essa resposta pode ocorrer em diferentes níveis. Porque se não nos abrirmos, Deus, que está fazendo uma experiência conosco, nos oferecendo um vislumbre das maravilhas do mundo espiritual, diante de nosso aparente desinteresse, deixará que sigamos nosso caminho. Deus, que é a nossa realidade mais íntima, está fazendo a grande experiência de se manifestar neste mundo da limitação, com regras do jogo preestabelecidas por si mesmo. Dentre essas regras de limitação na matéria, é de especial importância a cessação da consciência divina. É como se Deus aprisionado no corpo do homem tivesse cortado o cordão umbilical com Sua consciência infinita. Então, quando a luz divina que está no interior de cada um de nós se encarna nesse mundo, ela permanece unida com a Vida Divina, mas perde o contato com a Divina Consciência. Em nossa consciência usual percebemos Deus em nós como vida, amor, paz e sabedoria. Mas perdemos o acesso à consciência universal, à mente de Deus, à consciência do infinito. Voltando então a questão da necessidade de uma resposta à experiência mística, uma das respostas que nos incumbe dar é o consentimento. Precisamos demonstrar claramente nossa concordância para que a experiência divina, agora, num nível mais elevado, num nível que transcende as palavras e os conceitos, possa ocorrer como uma vibração mais intensa, mais elevada do que a vibração grosseira a que estamos acostumados no nosso dia-a-dia. Nós temos que consentir, temos que nos abrir à Graça Divina. Outro aspecto desse consentimento, é o fato de que com o desenrolar da vida mística, não só temos experiências como também nos transformamos. O ser exterior vai se modificando, adaptando-se ao conhecimento ensejado pelas experiências interiores. Por isso o apóstolo Paulo dizia que "o homem velho deve morrer para que o homem novo possa nascer". Esta é exatamente a meta do caminho espiritual, a manifestação no mundo físico da beleza, harmonia e perfeição normalmente associadas com os mundos superiores. É por isto que o caminho espiritual também é conhecido como o caminho da perfeição, refletindo, portanto, a instrução de Jesus: "Sede perfeitos como o Pai que está nos céus é perfeito". Ao contrário do que as pessoas geralmente imaginam sobre a existência de uma certa objetividade, acreditando ver no mundo as coisas como elas são, a verdade não é bem assim. Para muitos estudiosos, vemos no mundo, percebemos no mundo aquilo que nós somos. Será que é verdade que não vemos aquilo que é mas o que somos? O que quer dizer isso? Devemos nos lembrar, em primeiro lugar, que todos nós somos uma expressão do divino. Todos nós somos Deus em potencial, somos uma fagulha, uma chispa do Absoluto que vive em nós. Só que Deus vive em nós em estado latente. É por isto que,na prática, percebemos aquilo que somos. Ou seja, à medida que vamos evoluindo, em que vamos retirando os invólucros externos que obscurecem a nossa visão interior, vamos percebendo cada vez mais, aquilo que é. Então, à medida que temos cada vez mais consciência do todo que existe em nós, que nos abrimos para a grande experiência da unidade, vamos percebendo as coisas como elas são. É por isso que percebemos, não aquilo que é, mas aquilo que somos. E como o místico torna-se consciente deste fato, é dito que o caminho místico é um caminho de transformação acelerada. Gostaria de falar um pouco sobre os níveis da experiência mística, sobre os grandes estágios da vida mística. Isto requer um esclarecimento inicial. Vários historiadores, após estudarem atentamente a vida de grande número de místicos, geralmente chegam a conclusão de que não existe um místico típico. Nem sempre observam-se todos os estágios ocorrendo na mesma seqüência, da mesma forma, ou na mesma intensidade. Isto não deveria nos surpreender porque Deus se manifesta no mundo com a criatividade da diversidade. Nenhum de nós é absolutamente idêntico ao outro, nem mesmo os assim chamados gêmeos univitelinos, que são gêmeos idênticos, são absolutamente idênticos. A mãe sempre consegue distinguir um do outro, pois física e psiquicamente sempre existem algumas diferenças, por menor que sejam. Então, assim como não existe nenhum processo de clonagem na natureza fazendo com que indivíduos sejam absolutamente idênticos, como não existe numa árvore com milhares de folhas, duas folhas absolutamente idênticas. Quando o leigo olha para uma árvore acha que todas as folhas são iguais. Os botânicos, porém nos asseveram que não existem duas folhas absolutamente iguais. Nós também não somos iguais. Da mesma forma, a experiência dos místicos não é uma repetição monótona das experiências de seus congêneres no passado. No entanto, aqueles que estudaram a vida dos místicos verificaram que tende a haver certas etapas. É bem verdade que em alguns místicos estas etapas estão trocadas, coisas que supostamente deveriam ocorrer numa certa ordem juntas. No entanto, para a grande parte dos místicos, parece haver cinco grandes fases. E essas cinco grandes fases têm também um paralelo com as cinco grandes iniciações. Tentaremos explorar estes paralelos em outra ocasião. Estas etapas seriam, em primeiro lugar, o despertar ou conversão, como é chamado por alguns. Este despertar é o que mais se aproximaria do que geralmente é referido em nossa tradição cristã como sendo a Graça. Muitos místicos têm sua primeira experiência relativamente cedo na vida, na sua puberdade ou com vinte e poucos anos. Isto provavelmente reflete o fato de que estas são almas mais avançadas, que já estão preparadas para este tipo de experiência, mas precisam de alguns anos, numa determinada encarnação, para desenvolver as condições apropriadas para que a semente divina interior cresça, torne-se uma árvore e dê frutos. Dar frutos significa começar a retornar ao mundo material aquilo que se recebe do mundo espiritual. Esta primeira etapa do despertar, na maior parte dos casos, é uma experiência radical, inebriante, que ocorre de repente. Porém, não existe nenhuma garantia que aquele jovem que passou por uma primeira experiência paranormal venha a se tornar um místico. Não se sabe como ele vai reagir e orientar a sua vida. Poderíamos dizer que Deus parece fazer um jogo conosco. Ele nos dá um presente e espera para ver qual vai ser a nossa reação àquele presente. Ele dá um presente para aquelas almas que estão preparadas, o presente de uma experiência profunda e transcendental, que melhor reflete seu temperamento. Para cada um parece seguir o caminho de menor resistência. Alguns têm um pendor mais poético, outros um pendor mais amoroso, outros ainda uma percepção mais científica. Estas características do temperamento são importantes porque temos místicos artistas, cientistas, poetas, filantropos e até mesmo políticos. Isto porque o misticismo é uma experiência interior que pode ocorrer com pessoas em todos os caminhos da vida, em todas as expressões de manifestação divina neste mundo. É bem verdade que a grande maioria dos místicos são pessoas voltadas para a vida espiritual. E, conseqüentemente, grande parte deles são religiosos. Dentre os três místicos que serão examinados, dois deles, Mestre Eckhart e João da Cruz, eram religiosos, mas o outro, Jacob Boehme, apesar de muito devoto, não seguiu um caminho religioso monástico. Jacob Boehme era sapateiro por profissão. Ele casou-se, teve vários filhos e mesmo assim é considerado como um dos maiores místicos de todos os tempos. Esta é mais uma indicação de que não existe um manual de instruções determinando todas as condições necessárias e suficientes para a vida mística. Voltando à primeira experiência mística, a alma sente-se deslumbrada pois entra num mundo de luz, num mundo de total compreensão, num mundo de amor incondicional. E que mundo de amor! O que todos nós, no fundo, bem no fundo do nosso coração, mais queremos? Amor! Normalmente conhecemos o amor humano: o amor de mãe, amor de pai, amor de irmão, depois, o amor do jovem apaixonado, amor de companheiro, de marido, de esposa. O amor, para todos nós, é o sentimento mais profundo que temos como seres humanos. Só que existe um nível de amor ainda mais profundo do que qualquer amor experimentado por um casal e até mesmo pela mãe, que é considerado como a expressão mais verdadeira do amor aqui na terra. Este amor sublime e transcendente a que nos referimos, no entanto, é ainda mais profundo. Porém, relativamente poucas pessoas o experimentam. Não só os místicos, mas também aqueles que passaram por uma experiência de quase morte, têm o conhecimento vivencial deste amor supremo. A este respeito vale a pena ler o livro interessantíssimo entitulado, "Dentro da Luz", de Claire Sutherland, publicado pela Editora Teosófica. Esta senhora fez uma compilação de vários casos de pessoas que foram dadas como clinicamente mortas mas que ressuscitaram, que voltaram à vida. Existem outros autores em outras partes do mundo que fizeram compilações semelhantes e todos verificaram que parece existir o mesmo padrão básico nestas experiências: uma recapitulação muito rápida da vida, passagem por um túnel escuro e o aparecimento de uma luz. E quando aparece aquela luz, que muitos associam a Deus, eles se sentem como que banhados no Amor. Como sendo abraçados no amor de Deus. Mas este abraço é tão reconfortante, aconchegante e protetor, que a maior parte reluta em retornar a vida no mundo, quando lhes é apresentado o fato de que não chegou ainda o momento deles passarem para o outro lado pois ainda não cumpriram inteiramente sua missão no mundo. Geralmente, quando percebem telepaticamente que devem voltar, a maior parte deles sente uma profunda tristeza, chegando mesmo a argumentar com a "Luz": "será que eu tenho mesmo que voltar? Será que eu não posso ficar aqui?" Tal é a profundidade do amor que as pessoas sentem naquele estado alterado de consciência. A experiência mística também compartilha desse sentimento arrebatador, a certeza de que somos amados incondicionalmente por Deus e que o amor é a coisa mais importante na vida dos seres humanos. Portanto, depois que o místico passa por esse tipo de experiência, uma experiência transcendental que supera todas as suas experiências até então, ele já não é mais o mesmo. Dependendo do temperamento ele poderá ter sua experiência como a experiência do Amor Supremo. Bem podemos imaginar que aquilo é algo extremamente marcante. A vida do indivíduo passa a ter um marco central: antes e depois da experiência mística. Seu futuro, porém, dependerá da resposta que der à experiência. Ele só se tornará um místico se a experiência o tiver tocado a tal ponto que ele o objetivo central de sua vida torne-se a repetição e o aprofundamento daquela experiência. Então, ele naturalmente perceberá que deve passar por um processo de purificação que lhe permita retornar ao seio da Luz. Seu coração lhe dirá que não poderá se apresentar diante da mais pura Luz, do mais sincero Amor, com suas impurezas e imperfeições. Então, como tudo na natureza é cíclico, quando a luz se manifesta com grande intensidade, em seguida aparece a sombra. Estamos familiarizados que depois de uma grande alegria geralmente experimentamos um certo vazio, ou mesmo insatisfação. No caso da vida mística ocorre um processo semelhante, sendo a segunda etapa a purgação. Por isso todo aquele que passa pela experiência marcante do despertar espiritual deverá, a seguir, responder a vários questionamentos que afluirão ao seu coração. Será que estou disposto a pagar o preço necessário para modificar a minha vida? Estou disposto a abandonar todos os comodismos, hábitos, e tudo aquilo que é prejudicial à minha vida espiritual, todas as impurezas e vibrações pesadas que estão constantemente envolvendo minha natureza exterior? Quando começamos a nos desapegar das coisas mundanas e a promover uma transformação radical na nossa maneira de ser, entramos então na segunda etapa, a etapa da purgação. Aqueles que são bem sucedidos, aqueles que colocam de lado progressivamente tudo aquilo que impede a passagem da corrente divina, finalmente chegam num determinado estágio em que voltam a experimentar a Luz. Essa é a etapa da iluminação. Nessa etapa ocorre o que para o místico parece ser um grande coroamento - ainda que não seja o coroamento máximo - mas de uma grande realização. A maior parte dos indivíduos apontados pela história como grandes iluminados, atingiram a terceira etapa da vida mística. Eles passam por grandes expansões de consciência e começam a perceber Deus no âmago de seu ser, Deus imanente em todas as coisas. A iluminação lhes traz crescentes vislumbres do que os orientais chamam do processo do vir-a-ser, a constante transformação que trazemos ao nosso mundo exterior. Entendem a natureza do mundo material como ilusório. Começam a conversar com os passarinhos, com os animais, com as flores. Chegam até mesmo a perceber que tem algo por trás do vento, por trás das montanhas, por trás de todos os fenômenos da natureza, uma onda de vida e de força que, na falta de um termo melhor, chamam de Deus. Como vimos, luz e sombra se alternam tanto no mundo físico como no espiritual. Depois da iluminação da terceira etapa mística chega a escuridão da quarta etapa. Esta etapa é chamada por vários autores como sendo a morte mística, a dor mística ou a noite escura da alma, na terminologia de João da Cruz. Nesta etapa o indivíduo passa por um novo processo de purificação, porém numa etapa bem mais elevada da espiral evolutiva. Não se trata mais da purificação dos sentidos nem das emoções, mas de sua mente. Agora ele deve abdicar de ser um eu separado, entregando-se totalmente a Deus. A linguagem mística está cheia desse termo: entrega. Seja feita a Tua vontade, senhor, e não a minha. Quando ocorre esta entrega, o indivíduo está pronto para a culminação do processo. Ao alcançar essa etapa o indivíduo liberta-se de tudo o que o prendia em nosso mundo. Os poderes divinos, que são nossa herança, lhe são entregues pois agora ele está preparado para usá-los. Ele passa a operar coisas grandiosas. Ele alcança a vidência e até mesmo a presciência. Tudo está ao seu alcance, ele é praticamente onipotente. Só que ele está tão sintonizado com a vontade de Deus que sempre procura agir como um instrumento de Deus. Torna-se incapaz de criar desarmonia no mundo porque, mais do que sintonizado, ele está unificado com Deus. Por isso é um instrumento de Deus no mundo. E quando isso ocorre nesta última etapa, o indivíduo torna-se extremamente ativo. Parece haver uma reversão de sua imagem. Normalmente pensamos no místico como vivendo numa situação contemplativa, extremamente passivo, esperando receber a graça divina - o que, de certa forma, é verdade - mas quando ocorre a culminação do processo, termina o ciclo de busca de Deus em sua natureza última. Agora que ele não só encontrou a Deus mas passou a ser um com Deus, entende que sua missão é de ajudar a todas as outras expressões da Divindade a se libertarem da prisão da ignorância. Com isso, ele passa a ser extremamente ativo no mundo e torna-se um grande realizador. E começam então a aparecer os frutos da deificação. E isso é o que nos espera: a santificação, a iluminação.
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