terça-feira, 14 de junho de 2011

Artigo: A outra Linguagem - A/0950

A OUTRA LINGUAGEM DA VIDA

Nós, seres humanos, de ordinário restringimos nosso entendimento ao território limitado das palavras. Ante os desafios que se erguem aos nossos passos na jornada existencial, a simples redução dos fatos a uma ou um conjunto de palavras parece nos propiciar uma compreensão que imuniza, ou ao menos atenua o pânico que às vezes se nos apresenta. Mantemos por hábito o ercício contínuo da verbalização.

Esta condição não vem de hoje ou de ontem. Infiltrou-se em nossos gens desde eras remotas. Desde o prelúdio da civilização nos conhecemos como uma humanidade falante. Assim, com o facho da ciência, as sombras dos fantasmas vão aos poucos sendo espancadas pela compreensão Termos que antes nos assustavam, em nossa condição de seres mortais, que levavam nossos ancestrais a fazer o sinal da cruz em gesto de esconjuro, hoje pouco ou quase nada essas palavras revelam de assustador.

Recordo-me, dos saudosos tempos de meus avós, que ao simples ouvirem menção de doenças como tuberculose, lepra, se estarreciam. Câncer, então, era palavra impronunciável. A linguagem do dia-a-dia não só nos leva a entender os nossos semelhantes, mas também a sentir o que eles nos dizem. E a tal reagimos.

Mas quando reduzimos os fatos às suas verdadeiras dimensões, habitualmente, através mesmo das palavras, temos o condão de tornar expressos os nossos pensamentos. Se imergirmos numa análise mais profunda, as palavras podem tornar-se, elas próprias, veículos não só do nosso pensamento e sentimento, mas igualmente podem traduzir em sondas sonoras, do mais íntimo de nosso coração, um entendimento passível de, pela simples expressão, se tornar imune ou menos assustador.

Há uma Linguagem
Além das Palavras

Diante de certas fatalidades, contudo, a nossa fala não consegue espelhar nosso sentimento ou raciocínio . Obviamente, situando-se além do território usual das palavras, não pertencem ao nosso entendimento restrito ao código do falar e ouvir. Há ocasiões sobre as quais nada podemos dizer, senão conjecturar e, a tais evidências, mudamente nos rendermos.

Assim é com a morte. A maioria de nós não a entende. E ainda que isto fosse possível, o preconceito que ela nos sugere nos faria retroceder sobre os próprios passos nessa sondagem. Seus parâmetros são totalmente opostos e intransponíveis. Ao referir-se a essa realidade, Jesus Cristo comparou-a com um muro intransponível entre os mortos e aqueles que ainda persistem na labuta terrena . Transcorreram-se já tantos anos de progresso, séculos de pesquisas e invenções por parte da ciência incansável. E nada... só o silêncio se faz cúmplice dos túmulos emudecidos, segregados do convívio da cidade a prosseguir no seu bulício de lutas, nas suas esperanças e ilusões.

O pouco que cada um sabe sobre essa evidência, que se dará não se sabe quando nem onde, resulta no que cada qual quiser acreditar.
Há até os que duvidam da existência de algum porto além dessa solitária e misteriosa travessia. Mas, no íntimo desses céticos questionadores, se bem analisarmos - não exatamente a pergunta que formulam, mas o modo pelo qual a apresentam - contatamos que, no fundo, eles anseiam por uma prova, anelam por uma demonstração cabal que evidencie a vida além-túmulo.

Aspiram, igualmente, por uma ressurreição que a sua lógica não lhes permite conceber. No entanto, como podemos afirmar sem susto, para a própria morte temos em nosso íntimo um entendimento, o qual o burburinho do mundo nos impede em apreender.. A situação de ente encarnado não comporta esse perfil de raciocínio, até por um processo de imunidade natural.

Há, inobstante, uma linguagem implícita que fala ao coração de cada alma da face da Terra. Mormente aquelas que trafegam por mais tempo jungidas ao veículo carnal. Esta asserção não implica na necessidade de adentramos no controverso religioso, nem mesmo no filosófico. Basta tão somente observar o processo do pensamento, sentimento e suas consequentes reações.A experiência nos revela sobre a circunstância de alguém que vê o desenlace de uma pessoa querida.

O sentimento de perda depressa se revela como uma dor moral.
Num primeiro momento, a pessoa insiste em buscar nas palavras uma resposta ao porquê dessa fatalidade. Principalmente porque ela não satisfaz a sua própria lógica, nem mental nem emocionalmente.
Sequer apresenta ingredientes para qualquer explicação à luz da razão pura e simples.

Porém, nossa aprendizagem abrange um terreno muito maior do que aquele em que nos mantemos acostumados, acorrentados às palavras. Passados os primeiros momentos desse temporal, em que se absorve a sensação de perda, o indivíduo, se já um tanto maduro, racionalilza a questão em uma abrangência muito mais abarcante.

Nesse enfoque que brota do íntimo, afloram lições das quais até então ele não tinha consciência. Já viveu outras vezes essa situação; já soube por diversas vezes sobre pessoas que partiram deste mundo para o outro.

Essa experiência, muito mais do que palavras ditas ou escritas, está ali em sua mente e em seu coração. O silêncio - a meditação, um pouco de desligamento deste mundo ruidoso e veloz, fará fluir estes ensinamentos de alto preço, colhidos na dor que ensina no mais profundo a cada coração que a vida, apesar de mutante, sempre foi e sempre será eterna. (Geraldo Generoso)

Nenhum comentário: