Disse um dia um filósofo de outros tempos que Deus geometriza. A ser isto verdade, muito beneficiaríamos em desocultar-Lhe o teorema, estudar os princípios de tal geometria, não para adivinharmos o futuro, mas para sermos senhores do presente ou, dito de outra forma, para lograrmos viver de propósito, para arquitectarmos com total conhecimento o edifício da nossa auto-realização sem corrermos o risco de ver ruir a abóbada sobre as nossas cabeças.
Do meu ponto de vista, o futuro não existe e é desta não existência que resulta o grande erro das bruxas e dos adivinhos, que a realidade invariavelmente desmente. O que em boa verdade existe são futuros, que são aplicações relativizadas do contínuo presente. A pretensão de adivinhar resulta de processos ilusórios e de muita falta de humildade. Até a palavra adivinho — a divinu, através de Deus — demonstra alguma jactância pelo presumido privilégio de confidências do alto.
É claro que se fica de pé atrás quando se constata que também o vinho comporta na sua etimologia referência à divindade, como se um grãozinho na asa nos facilitasse a descoberta dos desígnios de Deus. Há quem diga que esta etimologia é forçada, ou mesmo falsa, mas o certo é que, nos rituais dionisíacos, as grandes libações levavam ao grande êxtase final, não fosse Dionísio, entre os gregos, a divindade dedicada à fecundidade e ao vinho.
O que não vale invocar para justificar adivinhações avulsas é Nostradamus, pois as suas centúrias não comportam quaisquer adivinhações, mas apenas — e não é nada pouco — projecções dos ciclos pregressos com conformadoras sequências do devir. Dito de outra forma: se algo Nostradamus pretendia adivinhar era a forma e as regras com que Deus geometriza. Descobrir o grande mistério, como diria o professor Agostinho da Silva, de ser o ponto sem dimensão a desenhar toda a geometria possível.
Abdul Cadre
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