Para mim, meu caro filho, as últimas
impressões da existência terrena e os primeiros dias transcorridos depois
da morte foram muito amargos e dolorosos. Quero crer que a angústia, que
naquele momento avassalou a minh’alma, originou-se da profunda mágoa que
me ocasionava a separação do lar e dos afetos familiares, pois, apesar de crer
na imortalidade, sempre enchiam-me de pavor de crer na imortalidade, sempre
enchiam-me de pavor os aparatos da morte; e dentro do catolicismo, que eu
professava fervorosamente, atemorizava-me a perspectiva de uma eterna
ausência. Lutei, enquanto me permitiram as forças físicas, contra a influência
aniquiladora do meu corpo; mas foi uma luta singular a que sustentei, como sói
acontecer aos corações maternos, quando periga a tranquilidade dos seus
filhos. Unicamente esse amor obrigava-me ao apego à vida, porque
os sofrimentos, que já havia experimentado, desprendiam-me de todo o prazer
que ainda pudesse me advir das coisas terrestres.
Desejava orar, todavia, os pensamentos não
conseguiam obedecer-me, dispersos pela confusão estabelecida em meu mundo
interior, em virtude dos padecimentos que me percorriam os centros da atividade
orgânica; e a minha vontade era semelhante a uma voz de comando, totalmente
desobedecida por elementos rebeldes e indisciplinados. Hoje sei que naqueles angustiosos
momentos muitos seres se conservavam, embora intangíveis, ao meu lado,
amparando-me com os seus braços tutelares e compassivos, porém não os
distinguia.Sentia-me sucumbir lentamente. A princípio, gemidos de sofrimento escapavam-se do meu peito torturado, compreendendo a ineficácia dos esforços que fazia para não morrer; mas tão rude era aquela suprema tentativa de resistência, que me abandonei, finalmente, àquelas forças poderosas e invencíveis que me subjugavam..
(Maria João de Deus)
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