Certa vez, cerca
de 600a.C., um jovem culto, de família rica, que vivia num reinado da Índia com
todo o conforto, decidiu sair pela primeira vez das imediações de onde morava.
O cenário que encontrou era bem diferente do que o cercava. Viu a pobreza e o sofrimento.
Chocado com tudo aquilo que presenciou, começou a questionar qual o verdadeiro
sentido da vida e de sua existência. Decidiu, então, sair do castelo para viver
com os ascetas, povo que habitava as florestas fazendo ioga e práticas
meditativas.
Centenas de anos
depois, em 2011, dois jovens estavam na estrada voltando do Rio de Janeiro em
direção a Bragança Paulista, SP, quando sofreram um acidente de carro no qual,
por sorte, nenhum saiu machucado. Mas para um deles, que desde criança
questionava o verdadeiro sentido do viver, essa assustadora experiência trouxe
um insight: “Vá para a Índia”.
O personagem do
primeiro parágrafo é Sidarta Gautama, que se tornou um buda, pois, quando se
embrenhou na mata em estado meditativo, encontrou a iluminação que tanto
procurava – e suas sábias palavras são perpetuadas até hoje. O que descobriu é
que “intersomos” com tudo o que existe, nada é isolado. Sentiu que mais do que
fazer parte da mata, dos bichos, do vento, do sol, das pessoas, ele era tudo
aquilo, e não um eu separado.
Em pleno século
21, essa foi a mesma conclusão a que chegou o personagem do segundo parágrafo,
Ricardo Cury, paulistano de 26 anos, formado em relações internacionais, após
uma temporada na Universidade da Unidade, na Índia, que faz parte do Movimento
da Unidade. Fundado por sri Amma e sri Bhagavan, o Movimento prega o despertar
da consciência por meio da deeksha, espécie de bênção dada no alto da cabeça.
Com ela, Ricardo se conectou com seu eu sagrado, o que Sidarta fez através de
profunda meditação.
Estradas
Diferentes
Encontrar o
sagrado é como ver um facho de luz dentro de uma caverna escura. Tanto no Oriente
quanto no Ocidente, não importa a denominação dada – sagrado, divino, essência,
eu interior -, o que toda religião e filosofia espiritualista têm em comum é a
aceitação de que o Criador, Deus, a Inteligência Suprema reside dentro das
pessoas.
“Jesus disse: ‘Vós
sois deuses’. Por quê? Porque somos a obra do Criador, portanto, trazemos em
nós essa marca divina”, afirma Marta Antunes, vice-presidente da Federação
Espírita Brasileira. De sua forma, o catolicismo sustenta a mesma tese. “Deus
enviou seu filho Jesus Cristo e nele o divino se humanizou para que a
humanidade se divinizasse”, diz o padre Antonio Aparecido Pereira, vigário episcopal
para as comunicações da arquidiocese de São Paulo.
A sublime palavra
amor também define esse deus interior. Segundo a líder humanitária indiana Amma
– mundialmente conhecida por abraçar milhões de pessoas, provocando grande
emoção -, Deus não existe como algo à parte, externo, que está no céu; pelo
contrário, ele mora no coração de todos. “Ela diz também que Deus é amor e essa
é nossa verdadeira essência. Amar é, então, estar conectado a Deus, vendo-o em
toda criação, inclusive em nós”, afirma o psicólogo Wilton Gayo, fundador do
Centro Amma-SP. Por experiência própria, há 12 anos, quando viu Amma pela
primeira vez, Wilton pôde sentir o quão forte e transformador é esse
sentimento. “Observei o amor em ação. Ela estava sentada serenamente. Sorria, olhava
e abraçava alegre e pacientemente cada uma das pessoas da fila. Aquele olhar
quente e acolhedor atravessou minha ‘máscara’ e me fez sentir meu coração, algo
que buscava desde a juventude”, conta.
Causas da
Desconexão
Como a flor do
cacto, para acessar o eu sagrado é preciso superar os espinhos do crescimento
interior.
Se o Sagrado
existe dentro de todos, por que é tão difícil ser sereno e feliz? Se isso
significa ter todas as características que o divino tem, por que se preocupar,
angustiar e estar, muitas vezes, em uma constante e perturbadora dor e vazio
interior, por mais que tudo esteja em ordem na vida, tanto no âmbito pessoal
quanto no profissional?
Para Aurea
Roitman, psicóloga e analista junguiana de São Paulo, isso ocorre porque a
presença do divino em nós não está sendo acionada. “A perspectiva do Sagrado
foi substituída pelos objetos de consumo. O marketing conhece a angústia e a
tristeza do homem e o que ele propõe é: compre tal carro e você se sentirá
feliz ou tenha um cartão gold ou black e será respeitado. Isso são meros
substitutos, pois o sagrado está em nós, e não fora de nós. Por isso, o momento
de plenitude é tão fugaz. A angústia retorna rapidamente, dando origem a novas
tristezas”, diz.
Claro que não
existe nada de errado em comprar uma roupa bonita, por exemplo, mesmo que não
se esteja precisando dela. O problema surge quando a compulsão por adquirir
produtos toma grandes dimensões – sinalizador do distanciamento com o deus
interior.
Esse buscar a
felicidade fora de si e não dentro é uma das maiores causas da angústia do
homem moderno e o que mais o distancia de seu eu divino. Ao contrário do que
acontecia no passado, quando os primitivos viam Deus nas águas, nas árvores, na
Lua, enfim, em tudo. E ritualizavam e reverenciavam esse todo – sempre em
conjunto, em clãs e tribos. Com o passar do tempo e o desenvolvimento da
sociedade, as hierarquias sociais surgiram, o individualismo cresceu e esses
fatores afastaram ainda mais as pessoas de sua essência. “Diante da tecnologia,
o homem achou que não precisasse de Deus, isso trouxe inquietude, insatisfação
e grande fome no coração humano”, fala o padre Antonio.
Para Amma, o ego é
também uma das causas desse afastamento: “Apesar de latente no interior de cada
ser vivo, essa realidade divina não é manifestada em sua plenitude devido ao
ego e a aspectos seus como raiva, inveja, medo, apego, incapacidade de perdoar,
entre outros sentimentos”. Mas Aurea faz uma importante ressalva: “Nós
precisamos do ego. Uma pessoa que tem um ego frágil é uma pessoa levada por
qualquer um. Temos que saber que queremos isso ou aquilo, senão eu não sou
responsável por nada.
Mas, apesar de ser
importante, ele não é o dono da casa, o sagrado é o dono da casa. O ego está a
serviço do sagrado”.
Nova Consciência
As religiões e
filosofias espiritualistas concordam: o sagrado habita o interior de todas as
pessoas.
Termos como
“expansão da consciência” e “despertar da consciência” têm sido cada vez mais
divulgados por líderes espiritualistas e escritores do segmento. Na prática, o
que significam? Estar no presente, consciente do que se está fazendo, das
decisões que toma e das escolhas que faz. “Isso é importante porque a
consciência é o elo com a inteligência universal”, defende Eckhart Toller em O
Despertar de uma Nova Consciência(Sextante). Se ela é, portanto, o elo com a
inteligência universal e essa inteligência existe também dentro de nós, não há
como acessar o divino interno sem expandi-la.
O problema reside
na mente que oscila o tempo todo entre o passado e o futuro, está sempre
comparando uma situação com outra e julgando se algo ou alguém está certo ou
errado ou é bom ou ruim.
“Há pessoas que
compram um carro novo, mas sofrem porque existe outro carro ainda melhor no
mercado. Alegram-se por se casar, mas sofrem porque o casamento deveria ser
diferente do que é. Não conseguem desfrutar o sabor de uma refeição deliciosa
porque a mente fica comparando com outra refeição”, exemplifica sri Bhagavan,
um dos fundadores do Movimento da Unidade.
Todo esse conflito
gera ansiedade, medo, culpa, raiva e outros sentimentos negativos. Como
resolver isso? As diversas religiões e filosofias espiritualistas apresentam
formas diferentes, mas que levam à mesma conclusão. É necessário parar,
silenciar por alguns momentos, de preferência um pouco todos os dias, e voltar
os olhos para dentro de si. O zen-budismo, por exemplo, faz isso por meio da
meditação. “Quando uma locomotiva freia abruptamente, os vagões vêm com tudo,
um por cima do outro. Quando a gente senta para meditar, os pensamentos também
vêm todos ao mesmo tempo. Observe-os, acolha-os, mas volte para o momento
presente, sinta sua postura, sua respiração. Com o tempo e o treino, os
pensamentos vão embora e nesse momento você se conecta com sua verdadeira
natureza”, explica a monja zen-budista Heishin Grandra. O catolicismo
sugere a oração e a confissão. “Orar é diferente de rezar, que em latim
significa recitare, ou seja, repetir fórmulas de rezas. Orar é dialogar com o
Pai, com o Criador. E a confissão requer reflexão, uma revisão sobre a forma
como você vive”, explica o padre Antonio. Na Arte de Viver – ONG humanitária e educacional
criada pelo indiano sri sri Ravi Shankar -, a forma de trazer a mente para o
presente é outra. “Por meio da técnica de respiração sudarshan krya, usada para
acalmar a mente e sentir-se no agora”, explica Cristina Armelim, de São Paulo,
instrutora e coordenadora da ONG. Já para o Movimento Oneness, de origem
indiana com representação na capital paulista, isso é feito através da deeksha.
“É como se nossa mente fosse uma cebola com várias camadas. Essa transmissão de
energia divina, a deeksha, vai perfurando essas camadas, fazendo com que nos
conheçamos melhor, nossos pensamentos e sentimentos, até acessar o eu sagrado”,
explica Ricardo Cury, retratado no início desta reportagem, que hoje é um
deeksha giver, ou seja, doador da bênção divina.
Esse
autoconhecimento, resultado da consciência expandida, faz parte do processo de
quem opta por essa afortunada estrada ao encontro de sua essência. “Mas não é
somente autoconhecimento, precisamos empreender uma busca de quem
verdadeiramente somos, pois autoconhecimento é algo da razão, como se eu
dissesse: ‘Agora me conheço, sei quem sou e está tudo bem’. Conectar-se com o
eu divino não é tão racional assim, mas uma busca de um plano cuja manifestação
é sutil”, diz Aurea. E, como Eckhart, um elo.
Você no Outro
Cada um constrói a
sua ponte de acesso ao eu divino, conforme suas crenças. Por mais que a
expansão da consciência, resultado do olhar para si, num primeiro momento traga
sofrimento, sobretudo para quem está fazendo isso pela primeira vez – já
que implica, entre outras coisas, assumir erros, avaliar o ego, sair da posição
de vítima e ter mais responsabilidade diante das situações que se apresentam -,
ao mesmo tempo traz grande alívio. É como parar de tatear no escuro e começar a
ver tudo com mais clareza. Constata-se que, sim, você está distante de seu eu
divino, mas descobriu que ele existe. A partir daí, um bálsamo começa a curar
aquela angústia interna que muitas vezes aparece sem motivo, trazendo grande
desconforto interno.
Aliado a esse
bálsamo, o desperto começa a perceber e enxergar as sincronicidades existentes
na vida, ajudando nessa conexão com seu eu sagrado. “O verdadeiro eu condiciona
a evolução pessoal. Envia mensagens por meio da intuição, do insight, da
imaginação. Arranja o melhor resultado possível para cada situação”, diz Deepk
Chopra no livro O Poder da Consciência – Respostas para os Maiores
Desafios da Vida (LeYa). Aurea confirma: “O despertar deste sagrado em nós nos
chega através de manifestações singelas, sutis, nos dando pistas, sinais
através, por exemplo, de pessoas, sonhos e das chamadas ‘coincidências’. Mas é
preciso estar atento a essas manifestações sutis”.
Durante esse
caminho de conexão com o sagrado, conforme se vai adquirindo maior consciência
sobre si mesmo, muitas coisas que antes pareciam impossíveis de acontecer
acontecem, como grande paz e alegria interior, mente tranquila e fim das
preocupações, já que como seres sagrados temos em nós tudo o que precisamos
para vencer os obstáculos. “Adquire-se também maior consciência sobre o outro.
Antes, eu criticava e julgava as pessoas o tempo todo. Mas depois comecei a
entender que o outro tem virtudes e defeitos como eu tenho. Se você se vê no
outro, como julgá-lo? O não julgamento e a compaixão são uma das mais rápidas
consequências desse caminho. É uma forma de se libertar de muitas amarras e
libertar também o nosso próximo”, conta Ricardo.
De acordo com a
monja Heishin, o budismo parte do princípio da interdependência, mas só não
percebemos isso porque estamos distante do nosso sagrado. “A percepção desse
‘interser’ desenvolve em nós uma postura ética com tudo o que existe, um olhar
de mais profundidade. Você não julga mais sem responsabilidade.” É o que Sidarta
Gautama e Ricardo Cury, cada um de sua forma, descobriram: nós somos o todo.
-Pistas, sinais,
pessoas, insights e ‘coincidências’ permeiam a estrada de quem opta por
encontrar seu Deus. O despertar de uma nova consciência é o caminho
para acessar o eu divino. Basta voltar os olhos para dentro de si.
(Texto Keila Bis –
Bons Fluídos)
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