O menino e o passarinho
Manhã cedinho, por volta das cinco da matina, o homem despertou estremunhado com o estridular gasguito do despertador na mesinha de cabeceira. Aí, não teve outro jeito nem outra saída, senão jogar-se fora da cama, mergulhar de cabeça na água fria do chuveiro, preparar, no liquidificador, a mistura de polpa de goiaba, granola e mel de jandaíra. Depois, vestir o calção, a camiseta, calçar os tênis, pegar as chaves do carro e dirigir até o parque, forçosamente decidido a encetar, como todos os dias, o ''cooper'' matinal. E assim o fez, automaticamente, devidamente condicionado feito o cão de Pavlov. Ajeitou o cronômetro no pulso direito e começou a andar, primeiro a passo lento, logo um pouco mais apressado, enquanto ainda tinha tempo para olhar em volta e desfrutar a paisagem. Foi então que, antes de começar a correr, ouviu um pipilar que mais parecia um gemido, um pedido de socorro. Parou e viu, entre espantado e maravilhado, à margem do caminho, um filhote de passarinho caído do ninho, batendo as asinhas minúsculas como quem pedisse um abraço. Por um rápido instante, o homem pensou em ignorar o passarinho e seguir em frente, mas algo, que ele nem sabia o que era, o fez parar e sem pensar, recolheu o bichinho entre as mãos e o levou pra casa. Nesse dia, nem foi trabalhar, só pensava em cuidar do passarinho. Improvisou-lhe um ninho numa caixa de sapatos, deu-lhe de comer pedacinhos de banana amassada, miolo de pão embebido em leite e o acomodou num cantinho da varanda do apartamento. Durante dias, seu maior divertimento era ver o bichinho ensaiar um vôo que nunca se completava. Um belo dia, acordou despertado por um gorjear de pássaro adulto. Correu até a varanda e ainda o viu, num relance que ficou congelado em sua memória, o passarinho alçar vôo e sumir por entre as árvores do condomínio. De repente, aquele homem sério, circunspecto, que sempre viveu sozinho, sentiu a enormidade da ausência e a magia inolvidável daquele instante de pura libertação. Nesse dia, também não foi trabalhar. Catou na estante um livro de Monteiro Lobato, presente de seu pai quando tinha cinco anos e tornou a ser o menino que pensara haver perdido.
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