terça-feira, 21 de outubro de 2008

Um País se constrói com homens e livros - A/0126

Um País se constrói com homens e livros
Devia ter uns oito ou nove anos quando alguém me disse que "um país se faz com homens e livros". Ainda não havia lido Caçadas de Pedrinho ou Memórias de Emília, nem sabia que o autor da frase era Monteiro Lobato. O sábio Tempo, contudo, ensinou-me sobre sua autoria e, de certo modo, seu sentido inspirou minha futura maneira de enfrentar a vida - tornei-me um leitor compulsivo de livros, revistas, gibis, jornais, etc.Nunca fui um aluno CDF, de rachar nos estudos (jogar bola e namorar são atividades muito mais interessantes, a partir dos doze anos), e o fato de "ler bem", desde menino, facilitou bastante a minha relação com a escola. Se hoje ganho a vida como jornalista, admito que aprendi a escrever de modo compreensível lendo e copiando autores e jornalistas que dominavam o "ofício". Ler, entre outras e muitas coisas, também me ensinou a perguntar, refletir, duvidar, divergir, questionar, exigir, reivindicar, convencer, argumentar, propor, seduzir, participar, defender, apoiar, etc. Atitudes indispensáveis para, ao longo do tempo, construir um cidadão.Evidentemente ler, apenas, não torna ninguém um cidadão. Cidadania não se adquire exclusivamente por leituras, envolve um amplo conjunto de fatores que pode ser resumido em família, professores e bons exemplos de integridade, mas é certo que contribui de maneira fundamental para que as pessoas sejam, ao menos, menos ferozes - ou não.Ler, e ser culto, não impõem exatamente que o leitor, culto, seja uma pessoa honesta. Uma pessoa cidadã. Leitura, e conseqüentemente conhecimento e cultura, podem fazer uma inteligência criminosa ainda muito mais perigosa, ainda muito mais destrutiva. E não falo de psicopatas, de mentes doentias. Basta abrir as páginas, ver os noticiários da televisão.Juízes, deputados, construtores, advogados, jornalistas, publicitários, médicos, senadores, adolescentes estudantes, dentistas, sindicalistas, vereadores, procuradores, policiais, economistas, universitários, presidentes, músicos, promotores, empresários, professores, editores, militares, banqueiros, engenheiros, e todos os segmentos profissionais dito letrados, até religiosos, dia sim e o outro também, ocupam espaço policial nos noticiários - não me lembro agora de nenhum escritor envolvido com querelas policiais, exceto os que foram presos (e torturados, e mortos) por posições políticas, mas esta é uma outra e tenebrosa história.Por lerem ou terem lido mais que a maioria da população, por terem tido mais oportunidades (e que oportunidades!), essas pessoas constituem uma parcela da sociedade que deveria melhor distinguir o certo do errado e não cometer transgressões. São pessoas muito distintas do menino de rua que, munido de um caco de vidro, intimida um motorista distraído no sinal de trânsito. Ou do maior abandonado que, arma branca ou de fogo nas mãos, olhos esbugalhados por bagulhos, mata num só vacilo a vítima surpreendida e desarmada.A vida me ensinou que, se o conhecimento e a cultura podem ajudar em muito na formação de um cidadão, da mesma maneira, podem também colaborar na criação de um bandido - embora nem 10% da sociedade são compostos por bandidos, por gente que age fora-da-lei. E é por isso que a frase de Monteiro Lobato me parece bastante apropriada para, se não explicar, pelo menos para que compreendamos um pouco melhor o momento brasileiro atual. Aceitá-lo passivamente - este momento - é que não dá mais. Um país se constrói com homens e livros, sim. E se alguns homens não se comportam o ou não estão à altura da cidadania que a educação e a cultura lhes oferece, o problema não está nos livros - e sim nesses alguns homens. O que me leva a pensar na sabedoria dos feirantes: ao perceberem frutas podres em meio a frutas sadias, simplesmente as retiram da banca e as jogam na lata de lixo. O que não podemos é jogar o Livro na lata de lixo.

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