domingo, 14 de agosto de 2011

Artigo: ... sem meio termo - A/0999

TRANSFORMAR-SE
SEM MEIO TERMO

Mateus 9, 16 e Marcos, 2, 21: “Ninguém deita remendo de pano novo
em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa,
e faz-se maior a rotura”.

Em toda sua existência, nos atos e intenções de Jesus, nunca se constatou superficialidade. Para usar uma linguagem bem popular, Ele não fazia fiasco nem jamais se prestou a conformar-se com a situação de atraso dos condutores religiosos de sua época. Assim, aconselhava as pessoas “a acautelar-se contra o fermento dos fariseus.” (Lc, 12,1: AJUNTANDO-SE entretanto muitos milhares de pessoas, de sorte que se atropelavam uns aos outros, começou a dizer aos seus discípulos: Acautelai-vos primeiramente do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia.

No correr da vida, muitas pessoas se prestam a colocar remendos novos em roupas velhas e surradas, o que nos dá a entender que essa conduta em nada faz por melhor vestir a qualquer figurino. Jesus Cristo prega a transformação que vale a pena. Nesse ponto não há como negar seu radicalismo. Vai à raíz da questão com o fim de modificar por inteiro. Se observarmos bem, constataremos que as leis do Universo se pautam pela constante renovação.

O próprio evangelho, como sinônimo de “Boa Nova” prescreve a virtude do novo em substituição ao velho, sem remendos novos, aqui e ali, que desfiguram qualquer vestimenta. A maioria dos indivíduos, infelizmente, gostaria de ocupar o espaço daqueles que eles julgam felizes, ricos, realizados e de bem com a vida. Chegam ao cúmulo de copiar maneiras e posturas que não são as suas, só porque não lhes apraz ser o que são e querendo ser o que lhes parece melhor.

Este ponto, tão presente na condição humana, não chega a se constituir – desde que a inveja não sobrevenha a empecilho à renovação íntima. Quando alguém se depara com uma pessoa bem sucedida, de pronto desperta a curiosidade de saber como tal felizardo chegou ao ponto de ser merecidamente invejado, se é que alguma inveja seja passível de justificação. Nem por isso se deve tentar buscar modos e fórmulas alheias para o próprio êxito, pois cada pessoa é uma história diferente no curso da breve existência humana sobre a terra.

O cerne da questão, com referência a esse princípio de Jesus, - não colocar remendo novo em roupa velha – se resume, não propriamente no elemento de que Ele se serviu para a comparação. Se for transposto para o dia a dia de milhões de pessoas, seja ela em que posição estiver, o alerta é para que não se conforme com mudanças tímidas. Principalmente quanto ao seu viver pessoal, familiar e social. Quanto mais alta a posição de alguém no cenário do mundo, mais responsável ele se torna e, infelizmente, este defeito está generalizado entre ricos e pobres, inclusos os poderosos de todos os quadrantes.

Na vida pessoal, alguém pode definir o início de um regime para emagrecer de forma literalmente light. Esquece-se do óbvio que ninguém engorda senão pela boca. Se não regrar sua alimentação de forma a afrontar o conflito com rigor, o sucesso será pífio, insignificante. E mais ainda, ante o esforço, romperão os tecidos da vontade e tal pessoa se conformará com a situação que não aceita, mas também não aceita mudá-la. Qualquer esforço desencadeia conflito.

Na política, igualmente, há entre a maioria dos legisladores e executivos a idéia de que as coisas sempre foram ruins, que fome sempre existiu, que doenças são fatalidades que se abatem sem que haja o que fazer para prevenir. Usam o termo surrado de “remediar” a situação, quando esse “remediar”, na verdade, significa remendar. Ou nem isso. Certa vez, em uma estrada asfaltada, famosa no país, deparei-me com uma placa, em sinal de trânsito, onde se lia : “cuidado, trecho esburacado”.

Todas estas coisas externas são reflexos internos. O visível, inevitavelmente, provém do invisível. O modo de ser e de viver de cada um, nas simples e pequenas coisas da vida, se reflete nas grandes e importantes. Como tal postura do remendo se revela muito comum, não raro elas prevalecem até mesmo na mentalidade de uma sociedade inteira.

Os exemplos arrastam, e o mau fermento acaba por comprometer toda a massa. Literalmente, a massa de pão e a massa de seres humanos. Nada há de elogiável na sociedade de consumo exagerado, mas nem por isso se pode viver eternamente refazendo coisas desgastadas, ideias desgastadas, ideologias envelhecidas. Quando muito podem servir de adubo para as inovações, se nos dispusermos a imitar as sábias lições da Criação.

A transformação é uma regra da Natureza. Ensinava Prentice Mulford, já no século 19, que as árvores não guardam para si as folhas mortas, caídas ao seu redor. E pode-se acrescentar, sem medo de incorrer em erro, em consonância com a ecologia, que essas folhas caídas, destinadas à decomposição, são igualmente importantes para a revitalização biológica das próprias árvores.

O mesmo se dá com a vida, nos pensamentos e atos de cada pessoa. Os atos e pensamentos passados, no mais das vezes, servem como adubos para pensamentos novos, atos novos, tarefas novas, vida nova. Mas não servem como práticas de hoje.

Depreende-se desse ensinamento do Mestre que ainda que tenhamos a eternidade pela frente, chega um momento em que a mudança se faz necessária. Imprescindível mesmo, pois esta é a lei da vida. Agarrar-se ao passado, acorrentar-se a ele, é investir todas as forças no que não mais existe e impossibilitar-se para disputar o presente.

Ao correr deste livro, notar-se-á, não há menção sobre a vida espiritual propriamente dita. O enfoque se restringe à vida presente. É mais que notório que deste trecho de Jesus, os religiosos podem tecer lindos sermões e falar sobre a iluminação aos que buscam essa via. Mostrarão o paraíso,espiritual .Um destino muito melhor do que o dia a dia. Tudo isto é válido. Bem vindas sejam com atenção e carinho os buscadores da fé na religião.

No entanto, o propósito deste pequeno livro é demonstrar que Jesus também falou, e muito bem, sobre esta vida terrena e, graças aos seus ensinos, pode, sim, ser melhorada. Independente de a pessoa ser religiosa ou não, é um enorme desperdício não buscar a sabedoria de um Homem insuspeito sob todos os aspectos. Que só quis o bem dos seus ouvintes e seguidores. Afinal, o paraíso, o céu, a imortalidade – independente de nossa crença de que existe ou não – para todos os efeitos começa aqui mesmo.

Se alguém buscar a espiritualidade a ponto de negligenciar esta vida temporal, alheando-se totalmente da condição humana encarnada, (se isto fosse possível) certamente estará subvertendo a própria existência que, aqui e agora, lhe foi confiada.

Portanto, é preciso buscar a renovação completa que sempre signifique um renascer como o fluxo perpétuo da natureza que se renova nas águas que correm dia e noite. Nas flores que se fazem em frutos, e nas sementes que germinam e se transformam em pequenos arbustos ou em árvores gigantescas.

Jesus sabia das coisas e o seu ensinamento é um tecido que serve para vestir bem os nossos momentos terrenos, sim. Quando ele se deu ao trabalho de curar leprosos e doentes em geral; quando matou a fome das multidões multiplicando pães e peixes, ele agiu no “aqui e agora”, do qual cada ser vivente faz parte e não há como furtar-se dessa condição.

Há um remendo nocivo na roupa de determinadas pessoas, as quais, sem dele se dar conta, falsamente se dão por satisfeitas. É um retalho novo, que ilude muito aos useiros em vestir suas vidas com roupagens velhas. Trata-se dos perdoadores pela metade ou nem isso. Quando ocorre encarar uma ofensa ou prejuízo, se prestam em dizer a si mesmos ou a terceiros: “ah, eu perdôo aquela pessoa. Já perdoei, mas agora é eu para cá e ela para lá.” Não guardo raiva. Até podem não guardar rancor, mas em lugar disso conservam um sentimento não menos prejudicial a si mesmas : o desprezo pelo seu semelhante.

Oras, disse Jesus, e não há como discordar, não haver nenhum mérito o ser bom para os amigos. É obrigação de mera troca. A essa postura até os medíocres se prestam, como uma regra lógica e invariável. Até entre os marginais há essa conduta de reciprocidade. Desprezar ou cultivar a indiferença pela vida do inimigo, por conta de motivos até humanamente justos, sob a óptica humana, é como alguém que joga apenas a metade do veneno fora e bebe o resto.

Porque está mais do que provado que sentimentos negativos não fazem, nem podem fazer bem a ninguém. E Jesus bateu nessa tecla de uma forma inédita para a época e até para os dias de hoje. É só uma questão de se colocar em prática os ensinamentos do Mestre. Até pode ser mediante uma tentativa para provar se é verdade. E ao fim e ao cabo se constatará, como sempre, que perdão faz bem a quem perdoa. Se é possível viver melhor aqui na terra, nada impede que façamos dela o caminho mais curto para o céu, com uma conduta acostumada a viver na maior proximidade possível da perfeição.



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