O Mártir da Inconfidência
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, (Fazenda do Pombal[1], batizado em 12 de novembro de 1746 — Rio de Janeiro, 21 de abril de 1792) foi um dentista, tropeiro, minerador, comerciante, militar e ativista político que atuou no Brasil colonial, mais especificamente nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro. No Brasil, é reconhecido como mártir da Inconfidência Mineira, patrono cívico e herói nacional.
QUANDO TUDO ACONTECEU...
1746: Nasce em Pombal, distrito de S. José d’el Rei (hoje Tiradentes), Minas Gerais; os pais são Domingos da Silva Santos, nascido em Portugal, e Maria Antónia da Encarnação Xavier, nascida na Vila de São José d’el Rei (Brasil). - 1755: Morre Maria Antónia; o viúvo e os órfãos mudam-se de vez para a Vila de São José. - 1757: Órfão de pai. - 1780: Arregimenta-se como soldado. - 1781: É promovido a Alferes. - 1786: A mando do governador da capitania de Vila Rica, leva brilhantemente a cabo estudos demográficos, geográficos, geológicos, mineralógicos - quer de aplicação civil, quer militar. - 1788: Envolve-se na Inconfidência contra a Coroa portuguesa - 1789: Como conspirador, é preso no Rio de Janeiro. - 1792: É enforcado em praça pública e depois esquartejado.
À BEIRA DO FIM...
Tiradentes incita os Inconfidentes. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo?
1789, Rio de Janeiro.
A 1 de Maio aparece na cidade o coronel Joaquim Silvério. Logo trata de visitar - e com que frequência – o conde de Resende. No dia 2, grande azáfama. Cubículos especiais são mandados construir nalgumas das piores prisões. A sua guarda pessoal passa a ser constituída exclusivamente por portugueses. Dois granadeiros são encarregados de vigilância extraordinária. Informações sobre as origens de todos os seus soldados são solicitadas com urgência – estes são portugueses, aqueles são brasileiros....
Os granadeiros vigiam Joaquim José da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, por causa do ofício que aprendera com o padrinho. Agora é alferes do Regimento pago por Vila Rica, Minas Gerais. Andava a procurar gente que o ajudasse a libertar o Brasil através duma conspiração abominável. Sabedor de tal crime, o governador de Minas havia encarregado o Coronel, amigo do suspeito, de seguir seus movimentos e comunicar seus achados directamente ao Vice-Rei.
Tiradentes sonha. Ao ajudante de artilharia Nunes Cardoso, proclama:
- Esta terra há ser um dia maior que a Nova Inglaterra! Mas as suas riquezas só as poderemos alcançar no dia em que nos libertarmos do jugo dos portugueses para sermos os senhores da terra que é nossa.
Nunes Cardoso empalidece. Roga-lhe que nunca mais se refira a tais assuntos…
Mas Tiradentes não desiste. Pede a várias pessoas que lhe traduzam livros políticos ingleses, também a Declaração da Independência americana. Alguns dos livros têm até referências elogiosas à República… Em Vila Rica, na casa de João Rodrigues de Macedo, chegara mesmo a exibir a lista, por ele levantada, dos habitantes da capitania e comentara:
- Têm Vossas Mercês aqui todo este povo açoitado por um só homem, e nós todos a chorarmos como negros – ai, ai... E de três em três anos vem um, e leva um milhão; e os criados levam outro tanto; e como hão-de passar os pobres filhos da América? Se fosse outra nação já se tinha levantado!
Os amigos pedem-lhe que pare. Além disso, tens estado a ser seguido por dois granadeiros, informam-no. Tiradentes primeiro pensa liquidá-los. Depois opta por regressar mais depressa a Minas, quem sabe se na mira de precipitar o golpe... Pede um bacamarte emprestado e inicia os preparativos para a fuga. Mas, vigiado como anda, logo se apercebe que é impossível fugir. Esconde-se.
Em anterior viagem, havia curado a chaga cancerosa no pé da filha duma viúva. Pede-lhe ajuda. O decoro manda que não alberguem homem em casa. Tiradentes, por sua recomendação, vai para casa do ourives Domingos Fernandes, guiado pelo Padre Inácio Nogueira, sobrinho da viúva. Aí entra no dia sete de Maio pelas dez da noite.
O desaparecimento de Tiradentes provoca pânico entre os adversários. Na manhã do dia oito pede ao Padre que visite o coronel Joaquim Silvério, que continua a julgar seu amigo. O delator, que periodicamente envia relatórios escritos ao Vice-Rei sobre as actividades do amigo, finge-se preocupado. Quer saber do paradeiro de Tiradentes para poder ajudá-lo... Mas o Padre é jesuíta, contorna a inquirição, afirma não morar na Corte. Silvério não desarma e, ao encontrar na rua, no dia seguinte, outro clérigo, pergunta pelo Padre Inácio.
- Tenho bom negócio a propor-lhe.
O outro cai na esparrela e eis o Padre Inácio arrastado para o palácio do Vice-Rei. Pessoa comum, não resiste às ameaças, inclusivamente de morte. A teia começa a ser tecida.
INFRA-ESTRUTURA I
Na segunda metade do século XVIII, do Rio de Janeiro para Norte, o processo económico dominante é a monocultura agrária sustentada pela mão-de-obra escrava, uma espécie de feudalismo tardio importado da Europa.
Já no Centro, em Minas Gerais, que tanto aqui nos interessa – mas também em Mato Grosso - a presença de ouro e diamantes, recentemente revelada, produz outro tipo de sistema económico. S. Paulo era a província em que mais tomara forma uma população brasileira autêntica, pronta a tomar posse de tudo a que pudesse lançar mão, mineral, vegetal, mineral ou… humano.
Depressa irrompem por Minas e Mato Grosso e não viram a cara ao confronto com aqueles que se lhes opõem. Assim, em 1708, no Rio das Mortes, chacinam os emboabas. Este é a alcunha tupi que dão aos reinois, pois emboaba quer dizer galinha ou pinto calçudo, evocação sarcástica das botas de cano alto usadas pelos portugueses que vinham da Metrópole para sacar e enviar para Lisboa o ouro do Brasil. A cidade principal da capitania é Vila Rica, vinte mil habitantes, luxo, esbanjamento, aventura, sangue. E a nova situação afecta os mercados do Norte, pois claro, que "isto anda tudo ligado". O preço dos negros sobe em flecha nos mercados de escravos.
Tanto basta para que, no Reino, os poderosos imponham as suas vontades: esse ouro pertence à Metrópole e não à colónia de onde é extraído. Se necessário, não terão pejo em recorrer à força. Porém, o tempo é amigo da distância e esta é irmã do desrespeito. Os escravos são na mesma trocados por ouro, através da Baía. As trocas comerciais estimulam o aparecimento de novas necessidades e consequentemente alarga-se o leque das ofertas. A sociedade prospera. Em Minas, mas também em S. Paulo, há grandes feiras. Rasgam-se caminhos para Sul, sedimenta-se o território. O gado vem do Rio Grande, quer para o abate, quer para a produção leiteira.
A repressão aumenta, ciclo vicioso. Novas leis ditando os direitos da Coroa sobre o ouro. Igualmente visando pôr fim ao contrabando. A revolta cresce e nessa revolta começa a germinar uma ideia: nacionalidade. Como todas as ideias tem uma história. E um precursor. Que tem nome, claro: Filipe dos Santos.
A PRISÃO
Os vultos assomam às janelas. Os mais afoitos saem à rua, timidamente, olham de longe, falam baixinho. Uma centena de soldados comandados pelo Alferes Francisco Pereira Vidigal, impede o trânsito no quarteirão onde fica a casa do ourives Domingos Fernandes, contratador e marcador de prata.
O cerco aperta-se. A casa parece deserta. Um soldado informa que um homem se escondeu no sótão com uma arma na mão. Vidigal, incerto, acaba por mandar forçar a entrada. Irrompe no sótão, rodeado por dezenas de soldados. O homem olha-os de frente mas não reage, não fala. Entrega-se. Veste o dólman. Põe o chapéu.
- Que pretendia fazer com o bacamarte?
- Resistir, mas são tantos…
INFRA-ESTRUTURA II
As contas do Rei são fáceis: seu, é um quinto de todo o ouro brasileiro. Não admira que aumentem as confrontações entre brasileiros e portugueses. Os resultados são variáveis. Se no Rio das Mortes quem leva a melhor são os paulistas, no Caeté vira-se o feitiço.
Braz Baltazar da Silveira, governador desde 1713, passa a cobrar outros impostos além do quinto, as chamadas taxas de entrada. E, porque o Rei supunha ser na mesma enganado, para garantir o quinto, cobram-se dez oitavas de ouro por bâtea.
O governador tenta um acordo que o Rei reprova. Nova tentativa resulta num compromisso. Para além duma redução nos outros impostos e taxas, em vez do quinto passarão as capitanias a arrecadar trinta arrobas de ouro e a enviá-las para o Reino. O governador inclui no acordo uma cláusula que virá a tornar-se importante: autorizações para decretar derramas (para garantir mesmo as trinta arrobas) e para criar novos impostos quando quisesse. E isso acontece mesmo.
Antes do(s) acordo(s), é a revolta do Rio Vermelho. Depois, as de Vila Rica, de Pitangui, do Rio das Velhas. Instabilidade. Entra em cena governador novo em 1717, o conde de Assumar. Agitação. O Conde propõe reduzir a taxa para vinte e cinco arrobas, mas todos os impostos vão para a Coroa por inteiro, nada fica no Brasil. O Rei ainda não está satisfeito e manda construir quatro fundições em Minas, que devem tratar todo o ouro e mandar vinte por cento do total fundido para a Metrópole. O quinto, o famigerado quinto... No século XX, no Brasil, dir-se-á ainda, os quintos do Inferno...
Para piorar as coisas, manda o Governador que não mais se use o ouro em pó, até aí a real, apesar de não ser a Real, moeda. Revolta. A de Vila Rica é a mais importante. O Conde de Assumar assina o acordo. O povo festeja. A mando do Governador, os soldados praticam violências e saques. Prendem também os chefes do movimento, que são enviados para Lisboa, condenados e presos. Filipe Santos é o chefe popular. Sabendo que não pode recuar, incita as massas contra o opressor, libertem os prisioneiros, rompam-se as amarras com a Metrópole!
É preso, julgado e enforcado. O cadáver é preso a um cavalo que lançam a galope. Sangue e morte. E a encenação virá a repetir-se.
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