Leia esta Crônica:
Sou um lago que reflete o azul do céu, embora não seja o céu. Mesmo sendo lago, tenho o sol em meu espelho, tenho as nuvens em minha superfície, tenho a lua e as estrelas me adornando. Vou mudando de forma, continuamente, a depender da estação do ano. Posso tornar-me menor ou maior, mais calmo ou mais movimentado, mais cristalino ou com águas mais turvas. O mais importante é a riqueza que guardo em meu interior, os peixes que abrigo, e a vida que habita ao meu redor, as flores que permito existir às minhas margens, e as aves que vêm se encontrar e brincar em minhas águas.
Nunca serei o mesmo e sempre serei eu mesmo. Não temo a mudança – eu a abençôo. E quando, mais tarde, deixar definitivamente de ser lago, minha água habitará o oceano ou o mais profundo veio da terra; meu leito será, talvez, uma floresta; e minha memória estará eternizada em todos os que se beneficiaram com meu ser inconstante.
O recado do lago vem mostrar que a existência humana é pautada fundamentalmente pela transformação. O ser humano nasce e é educado por um complexo sistema de valores oriundos da família, escola, sociedade etc. Até certa altura da existência tudo é aceito de forma relativamente tranqüila pela pessoa.
No entanto, esta tranqüilidade aparente é perturbada pelo questionamento de tais valores pela própria pessoa que até há pouco tempo os vivenciava, defendia.
Também se aprende com o recado do lago algo, até esquecido e repelido por muitos, a fugacidade da vida física como destino natural de todos os seres humanos. É o eterno fluir da vida mostrando que já se nasce com prazo de validade determinado para existir neste mundo.
Este movimento do fluir da vida demonstra a sabedoria da natureza em cada um de nós, impelindo-nos a perder folhas no outono para florir na primavera.
A impermanência é polaridade da imanência. Posso dar-lhe exemplo conceitual, recorrendo á psicologia zen que ensina:
Estamos fadados a sofrer a morte dos seres que amamos e a sofrer o encontrar com os que não amamos...
Amigo, o mistério da vida nos atrela a todos. A angústia existencial do nascimento é comum. A impotência diante dos desafios é geral. A ignorância que gera medo diante da morte simboliza estado psíquico de adormecimento.
Deixa-se dominar pelas dúvidas e esquece-se de existir plenamente a cada segundo, valorizando a tudo e a todos que estão conosco. Alguém prefere ficar no emprego que o deixa doente, ficar do lado de alguém que não mais ama, muitos mantêm a mesma forma equivocada de agir com os filhos ou refugiam-se em crenças religiosas pensando que serão salvos por Deus porque fulano disse e, por sua vez, alguém disse ao fulano.
O recado do lago finalmente nos impele a buscar resgatar a si próprio, percebendo o que, como e para que se está existindo.
Existe uma dimensão de consciência humana na qual as dores e sofrimentos cessam, onde os julgamentos e cobranças desaparecem e que a ignorância diante da morte evapora?
Respondo afirmativamente. O lago mandou-me um recado. (Luiz Tadeu Martins de Oliveira)
*Eterno aprendiz.
Professor Uems.
Psicólogo. luiztadeumartins@yahoo.com.br
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