domingo, 24 de fevereiro de 2013

Artigo: Itamarati – Carauari (2ª Parte) - A/01294


Itamarati – Carauari (2ª Parte) 
Continuamos encontrando dificuldades no acesso à internet. Adquirimos em Rio Branco, AC, numa loja próxima ao Mercado Velho um modem 3G que, segundo a atendente da VIVO, possibilitaria nosso acesso à internet nas cidades da Bacia do Juruá. Propaganda enganosa, até hoje só conseguimos comunicação sofrível em Cruzeiro do Sul e Itamarati.
-  Comunidade Morada Nova – Boca do Preguiça (01.02.2013)
Novamente nos deparamos com uma Ilha formada nas últimas décadas – a Ilha do Chué. A única diferença que existe na formação desta Ilha e a de Marari, citada no artigo anterior, é que o canal agora era formado por igapós. Curiosamente a posição da Ilha, as curvas do Juruá e do afluente são muito semelhantes às do Marari.
Remamos freneticamente neste dia para conseguirmos realizar nosso intento de alcançar Carauari em seis dias. Vale a pena relatar um caso insólito que aconteceu em Rio Manso. Ao nos aproximarmos da Comunidade as pessoas em fila indiana se dirigiram rapidamente para uma das casas e como esta era muito pequena para acomodar tanta gente buscaram imediatamente uma maior e fecharam apressadamente portas e janelas. Perguntei a uma senhora que perdera a estranha “procissão” se ela podia me dizer o nome do povoado e ela, visivelmente apavorada, disse que não sabia de nada. Depois de algum tempo um homem entreabriu uma das janelas do refúgio. Informei-lhe sobre nossa missão, que não éramos celerados e que aquela multidão não precisava ter medo de dois inofensivos canoístas.
Rio Manso parece ter sido um presságio que não identificamos na oportunidade. Depois de remar mais dez quilômetros, chegamos exaustos à Imperatriz por volta das quinze horas, após navegar durante nove horas, sem aportar, foram mais de 105 km sob sol causticante, banzeiros e ventos fortes. O Mário já fizera os devidos contatos e estava desembarcando o material na frente da escolinha da grande povoação que possui Igreja, Centro de Recreação, enfim diversos locais onde exaustos peregrinos poderiam encontrar abrigo.
Puxamos nossos caiaques para a margem, retiramos a água do convés, e estávamos carregando também nossas tralhas para a escolinha quando surgiu um elemento, não sei de onde, dizendo que a chave da escolinha estava com a líder do povoado e que a mesma se encontrava em Carauari. O impressionante disso tudo é que ninguém interviu oferecendo uma varanda, um telheiro, enfim um abrigo. A sugestão “surreal” e absurda dos “hospitaleiros” ribeirinhos é que deveríamos procurar abrigo em Nova Esperança uma Comunidade que fica a quase quarenta quilômetros de distância e que jamais teríamos condições de alcançar naquele dia remando.
Observem os leitores que em nenhuma oportunidade me referi à Imperatriz como COMUNIDADE, ela absolutamente não merece este título. A primeira lição que recebi de COMUNIDADE foi de uma índia Kokama da Comunidade Prosperidade quando lá aporei em dezembro de 2008 pedindo abrigo. Ela veio até nós e nos ajudou a carregar nossas tralhas para a escolinha e quando foi interpelada, por um jovem e arrogante nativo, porque estava nos ajudando ela lhe respondeu altiva – porque isto aqui é uma COMUNIDADE!
A falta de hospitalidade de Imperatriz ficará, para sempre marcada em nossas memórias. Que saudades tenho dos pescadores da minha Laguna dos Patos que, numa emergência, nos abrigaram, vestiram e alimentaram. Saudades da Dona Anésia lá da Santa Isabel do Rio Negro que mesmo acompanhada de apenas duas filhas e dois netos numa ilha remota não deixou de alimentar e abrigar o canoísta que se perdera da equipe de apoio. Aqui mesmo no Juruá quantas vezes fomos abrigados e convidados a partilhar do jantar na casa de ribeirinhos, não esquecerei jamais do professor Raimundo Nonato Andriola, da Comunidade da Boca da Campina que comemorou meu aniversário na sua casa com direito a bolo e refrigerantes. Muito tem de aprender os ribeirinhos de Imperatriz com seus vizinhos, perfeitos comunitários.
O desastre só não foi total porque encontramos a sete quilômetros de distância de Imperatriz a Comunidade da Boca do Preguiça. Nesta época de alagação na Bacia do Juruá não existem praticamente locais de terra firme para acampar e os que existem estão cobertos de mata. Depois de uma longa curva à esquerda, uma esperança, avistamos ao longe o Mário conversando com uma moradora, até que, de repente, o Mário acelerou o motor e achamos que mais uma vez tínhamos sido enxotados. Felizmente ele estacionou a lancha na frente de outra casa e nos sinalizou, de longe, com o polegar para cima. A nossa barraca seria montada na varanda da humilde habitação do hospitaleiro Sr. Antônio Geraldo Brito dos Santos e o Marçal dormiria na sala-cozinha da casa. Tomei meu banho, coloquei meu abrigo e meias para não ser torturado pelos piuns, coloquei um filmete de nossas jornadas para as crianças verem no computador enquanto conversava com nosso anfitrião. O contraste era nítido entre Imperatriz e a Comunidade da Boca do Preguiça, uma com boas e numerosas construções, escola, templo, casa de recreação e a outra com apenas quatro famílias vivendo na penúria, mas solidários e dispostos a dividir o pouco que tem. Obrigado Sr. Antônio Geraldo por nos acolher, não encontraríamos outro abrigo até chegar à distante Nova Esperança.
-  Comunidade Boca do Preguiça – Goiabal (02.02.2013)
O Sr. Antônio Geraldo nos orientou a respeito dos dois furos que encontraríamos na nova etapa, Jaibá e Pupunhas. O Mário teve dificuldades para entrar com a lancha na boca do Jaibá tomada por troncos, mas superado o entrave inicial o amplo Furo não possuía obstáculos. Antes do Furo Pupunhas existem algumas entradas que podem ser identificadas como Bocas de Lagos pela cor escura de suas águas e que não enganariam um nauta atento, o Furo Pupunhas fica na curva, depois de um barranco, e para confirmar nossas expectativas surgiram dele duas rápidas voadeiras.
Chegamos à Comunidade Goiabal por volta das duas da tarde. Localizada a pouco mais de um quilometro do Arrombado do Idílio. O Mário aguardou nossa chegada para confirmar a parada já que a próxima Comunidade ficava muito longe. Decidimos permanecer em Goiabal já que a próxima etapa até Carauari era inferior a sessenta quilômetros. O Sr. Ataíde Soares dos Santos e o líder da Comunidade Sr. Mário Castro dos Santos ajudaram-nos a carregar as tralhas e nos instalaram na Casa de Recreação. A esposa do Líder comunitário, Srª Antonia Rosa Pires dos Santos permitiu que o Marçal preparasse a refeição na sua cozinha. Tomei meu banho, almocei e permaneci na barraca lançando os dados no computador e tratando da perna que vinha me incomodando há dois dias.
-  Comunidade Goiabal – Carauari (01.02.2013)
Partimos por volta das sete horas já que a jornada era bem mais curta neste último dia. Passamos pelo Arrombado do Euré que certamente em menos de uma década deverá alterar novamente o seu curso. Ele deverá romper o bloqueio em um pequeno estreito (05º04’04,8”/66º52’39,2”) diminuindo ainda mais a distância até Carauri. Chegamos depois do meio-dia ao canal que já foi um dia o leito principal do Juruá e avançamos lentamente até a bela cidade. Sem o auxílio da correnteza do Rio nossa velocidade que antes girava em torno dos 13 km/hora passou para 7,7 km/h.
Novamente fomos socorridos pelos amigos da Polícia Militar liderados pelo 1º Tenente Alain que providenciou para que ficássemos instalados no confortável Hotel Medeiros e realizássemos as refeições no Restaurante Bom Gosto. O acesso a internet, por sua vez, só foi possível graças à boa vontade da Fernanda Camilo Ferreira, Agente de Pesquisas e Mapeamento do IBGE.
(Hiram Reis e Silva, Itamarati, Amazonas, 06 de fevereiro de 2013)

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