segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Artigo: Juruá – Tefé (2ª Parte) - A/01296

Juruá – Tefé (2ª Parte) 

“A partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado ideal. Partirei sem temores; e nada absolutamente me demoverá de tal propósito.” (Euclides da Cunha)

-  Estirão das Gaivotas – Tamaniquá (17.02.2013)
Dormi mal, a expectativa era muito grande. Estava prestes a me despedir definitivamente deste belo, tumultuário e sinuoso amigo, encantador e cheio de surpresas, mas que exigira de cada membro da Expedição o limite de sua força, tenacidade, capacidade de vencer o cansaço, o calor insuportável, o assédio constante dos insetos, o desconforto muscular e a constante incerteza de encontrar um abrigo seguro e salubre ao final de cada jornada.

Para conseguirmos completar nossa próxima jornada de 135 km precisaríamos contar com a boa vontade de São Pedro, uma determinação férrea e torcer para que nossos músculos cansados e maltratados aguentassem mais este enorme esforço. Partimos as 05h30 da manhã imprimindo inicialmente um ritmo lento para aquecer progressivamente nossos corpos, uma agradável garoa acariciava-nos como querendo mostrar que São Pedro, o Santo Padroeiro do meu pago, Mestre dos ventos e das chuvas nos prometia uma trégua neste derradeiro dia vagando pelo Juruá. Curiosamente confirmava-se a previsão, feita na noite anterior por um dos moradores da Comunidade, que apesar da noite muito clara e sem nuvens, afirmara categoricamente que iria chover a manhã inteira.
Confirmamos, no terreno, o que nos informara o Secretário Extraordinário do Município de Juruá José de Arribamar, o grande vazio demográfico que existia desde o Estirão até a próxima Comunidade em condições de se buscar abrigo, exatos 60 quilômetros. A chuva só parou por volta das 13 horas e o calor amazônico começou a minar nossas forças. Por volta das 15 horas o Arribamar passou por nós numa embarcação escolar e daí em diante fomos costurando nossas rotas já que o dinâmico secretário estava realizando a matrícula escolar das crianças ribeirinhas e precisava aportar em cada Comunidade.

Chegamos à foz do Juruá às 17h30 e me surpreendi com a mudança processada nos últimos 5 anos, a Comunidade Nova Matusalém (antiga Porto Columbiano) que ficava à margem esquerda da Boca do Juruá simplesmente sumira. O Rio que antes apontava para Leste num percurso de 5 km até encontrar o Solimões retificara sua rota final rumo Norte e assoreara o antigo braço aterrando-o. Encontramos, depois, Nova Matusalém a cinco quilômetros à jusante da foz.
“É o mais original dos lazaretos – um lazareto de almas! Ali, dizem, o recém-vindo deixa a consciência... A Ilha que existe à Boca do Purus, perdeu o antigo nome geográfico e chama-se ‘Ilha da consciência’; e o mesmo acontece a uma outra, semelhante, na foz do Juruá. É uma preocupação: o homem, ao penetrar as duas portas que levam ao paraíso diabólico dos seringais, abdica às melhores qualidades nativas e fulmina-se a si próprio, a rir, com aquela ironia formidável.” (Euclides da Cunha)

Quando desci o Solimões, em dezembro de 2008, ainda se podia vislumbrar o que restara da abalada Ilha da Consciência. Naquela época ela já era uma mera sombra do que fora no passado. Parece que a natureza resolveu definitivamente exterminar este “lazareto de almas”, a que se refere o grande Euclides da Cunha, como se quisesse varrer da memória as sandices praticadas outrora.
Chegamos a Tamaniquá, às 06h30, exaustos. O Mário já tinha feito os contatos necessários e fomos alojados na escolinha podendo usar a cozinha e o banheiro.

-  Tamaniquá – Flu. Novo Horizonte – Flu. Cauaçu (18 e 19.02.2013)
Graças ao Coordenador de Operações do Instituto Mamirauá Sr. Armando Athos Rebelo de Medeiros Filho conseguimos autorização para pernoitar nos confortáveis Flutuantes Novo Horizonte e Cauaçu. Nosso caro amigo Josivaldo Ferreira Modesto, mais conhecido como César Modesto é agora Coordenador do Núcleo de Inovações Tecnológicas Sustentáveis. O César nos apoiou incondicionalmente por ocasião de nossa Descida pelo Solimões.

-  Flutuante Cauaçu – Tefé (20.02.2013)
O General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Comandante da 16º Brigada de Infantaria de Selva, Tefé, AM, montou um aparato fantástico para nossa chegada em Tefé. Pela primeira vez desde que iniciei minhas descidas pelos amazônicos caudais tive uma recepção desta magnitude. Fomos acompanhados, desde a Boca do Lago de Tefé no Solimões até o Porto, por uma escolta fluvial e na chegada além dos sons marciais proporcionados pela excelente Banda de Música da 16ª Bda Inf Sl e dos fogos de artifício fomos recepcionados pelo Chefe do EM Coronel Dougmar Nascimento das Mercês, Ten Cel Marcelo Rojo, Comandante da 16ª Base Logística de Selva e diversos oficiais do alto comando da 16ª Bda.

O E/5 da Bda, Capitão Diógenes Pinheiro Pimentel, havia agendado diversas entrevistas na cidade e além delas, à noite fui entrevistado, às 21 horas, via celular pelos nossos fiéis amigos da AmazonSat que nos acompanham a par e passo desde o início de nossa jornada no Acre. O querido Ir:. Carlos Atanau também havia agendado uma entrevista na Rádio Luz e Alegria de Frederico Westphalen (FW), RS, para as 19 horas (hora do Amazonas). Nessa entrevista lembrei que desde que iniciei, há 13 anos uma série de palestras sobre a Amazônia Brasileira, hoje ultrapassam a 400, esta foi a segunda vez que não consegui segurar a emoção e as lágrimas escorreram sobre a face enrugada deste velho guerreiro. A primeira foi em FW, RS, o Ir:. Carlos convidou-me a realizar uma palestra para estudantes do ensino fundamental do Colégio Nossa Senhora da Auxiliadora. Ao final do evento as crianças vieram me abraçar, beijar e pedir autógrafos, chorei e ao olhar para meus irmãos maçons, que me acompanhavam, Carlos, Teixeira e Deoclécio vi que eles também não tinham conseguido conter as lágrimas. Quando me perguntam por que não cobro pelas palestras eu digo que este é o meu pagamento – a emoção de ter transmitido algo que tenha, de alguma forma, repercutido no coração e nas mentes das pessoas.
-  Adeus Irmão Juruá

Concluindo agora minha saga pelo Rio mais sinuoso do mundo só tenho a agradecer a todos que de uma maneira ou outra colaboraram para que atingíssemos nosso objetivo. Tivemos desde o início o apoio fundamental do
Exército Brasileiro através da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Tefé, AM, e seu 61º Batalhão de Infantaria de Selva, Cruzeiro do Sul, AC, do 2º Grupamento de Engenharia representado pelo 5º Batalhão de Engenharia de Construção, Porto Velho, RO, 7º Batalhão de Engenharia de Construção, Rio Branco, AC e 8º Batalhão de Engenharia de Construção, Santarém, PA. No Acre e no Amazonas fomos apoiados pelas Polícias Militares desses Estados. Gostaríamos de agradecer particularmente ao Capitão PM Moura e Sgt PM Antônio que nos apoiaram em Cruzeiro do Sul e Porto Valter, ao Tenente PM Rodney, em Ipixúna, Tenente PM Ricardo em Eirunepé, Sargento PM Barbosa em Itamarati, Tenente PM Alain em Carauari e Tenente PM Jesus de Juruá. Além destas Instituições fomos assistidos pelos irmãos maçons de Eirunepé e Carauari liderados pelos veneráveis Ir:. Francisco Djanir e Santiago, respectivamente, pelo Sr. Armando Athos Rebelo de Medeiros Filho do Instituto Mamirauá e pelo empresário Abraão Cândido em Ipixúna.

 Veja nosso vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=hRYd2M_hYSE&feature=youtu.be

(Hiram Reis e Silva, Tefé, Amazonas, 23 de fevereiro de 2013)

 

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