“A partida para o Alto Purus
é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado ideal. Partirei sem temores; e nada
absolutamente me demoverá de tal propósito.” (Euclides da Cunha)
- Estirão das Gaivotas
– Tamaniquá (17.02.2013)
Dormi mal, a expectativa era
muito grande. Estava prestes a me despedir definitivamente deste belo,
tumultuário e sinuoso amigo, encantador e cheio de surpresas, mas que exigira
de cada membro da Expedição o limite de sua força, tenacidade, capacidade de
vencer o cansaço, o calor insuportável, o assédio constante dos insetos, o
desconforto muscular e a constante incerteza de encontrar um abrigo seguro e
salubre ao final de cada jornada.
Para conseguirmos completar
nossa próxima jornada de 135 km precisaríamos contar com a boa vontade de São
Pedro, uma determinação férrea e torcer para que nossos músculos cansados e
maltratados aguentassem mais este enorme esforço. Partimos as 05h30 da manhã
imprimindo inicialmente um ritmo lento para aquecer progressivamente nossos
corpos, uma agradável garoa acariciava-nos como querendo mostrar que São Pedro,
o Santo Padroeiro do meu pago, Mestre dos ventos e das chuvas nos prometia uma
trégua neste derradeiro dia vagando pelo Juruá. Curiosamente confirmava-se a
previsão, feita na noite anterior por um dos moradores da Comunidade, que
apesar da noite muito clara e sem nuvens, afirmara categoricamente que iria
chover a manhã inteira.
Confirmamos, no terreno, o
que nos informara o Secretário Extraordinário do Município de Juruá José de
Arribamar, o grande vazio demográfico que existia desde o Estirão até a próxima
Comunidade em condições de se buscar abrigo, exatos 60 quilômetros. A chuva só
parou por volta das 13 horas e o calor amazônico começou a minar nossas forças.
Por volta das 15 horas o Arribamar passou por nós numa embarcação escolar e daí
em diante fomos costurando nossas rotas já que o dinâmico secretário estava
realizando a matrícula escolar das crianças ribeirinhas e precisava aportar em
cada Comunidade.
Chegamos à foz do Juruá às
17h30 e me surpreendi com a mudança processada nos últimos 5 anos, a Comunidade
Nova Matusalém (antiga Porto Columbiano) que ficava à margem esquerda da Boca
do Juruá simplesmente sumira. O Rio que antes apontava para Leste num percurso
de 5 km até encontrar o Solimões retificara sua rota final rumo Norte e
assoreara o antigo braço aterrando-o. Encontramos, depois, Nova Matusalém a
cinco quilômetros à jusante da foz.
“É o mais original dos
lazaretos – um lazareto de almas! Ali, dizem, o recém-vindo deixa a
consciência... A Ilha que existe à Boca do Purus, perdeu o antigo nome
geográfico e chama-se ‘Ilha da consciência’; e o mesmo acontece a uma outra,
semelhante, na foz do Juruá. É uma preocupação: o homem, ao penetrar as duas
portas que levam ao paraíso diabólico dos seringais, abdica às melhores
qualidades nativas e fulmina-se a si próprio, a rir, com aquela ironia
formidável.” (Euclides da Cunha)
Quando desci o Solimões, em
dezembro de 2008, ainda se podia vislumbrar o que restara da abalada Ilha da
Consciência. Naquela época ela já era uma mera sombra do que fora no passado.
Parece que a natureza resolveu definitivamente exterminar este “lazareto de
almas”, a que se refere o grande Euclides da Cunha, como se quisesse varrer
da memória as sandices praticadas outrora.
Chegamos a Tamaniquá, às
06h30, exaustos. O Mário já tinha feito os contatos necessários e fomos
alojados na escolinha podendo usar a cozinha e o banheiro.
- Tamaniquá – Flu.
Novo Horizonte – Flu. Cauaçu (18 e 19.02.2013)
Graças ao Coordenador de
Operações do Instituto Mamirauá Sr. Armando Athos Rebelo de Medeiros Filho
conseguimos autorização para pernoitar nos confortáveis Flutuantes Novo
Horizonte e Cauaçu. Nosso caro amigo Josivaldo Ferreira Modesto, mais conhecido
como César Modesto é agora Coordenador do Núcleo de Inovações Tecnológicas
Sustentáveis. O César nos apoiou incondicionalmente por ocasião de nossa
Descida pelo Solimões.
- Flutuante Cauaçu –
Tefé (20.02.2013)
O General Paulo Sérgio
Nogueira de Oliveira, Comandante da 16º Brigada de Infantaria de Selva, Tefé,
AM, montou um aparato fantástico para nossa chegada em Tefé. Pela primeira vez
desde que iniciei minhas descidas pelos amazônicos caudais tive uma recepção
desta magnitude. Fomos acompanhados, desde a Boca do Lago de Tefé no Solimões
até o Porto, por uma escolta fluvial e na chegada além dos sons marciais
proporcionados pela excelente Banda de Música da 16ª Bda Inf Sl e dos fogos de
artifício fomos recepcionados pelo Chefe do EM Coronel Dougmar Nascimento das
Mercês, Ten Cel Marcelo Rojo, Comandante da 16ª Base Logística de Selva e
diversos oficiais do alto comando da 16ª Bda.
O E/5 da Bda, Capitão
Diógenes Pinheiro Pimentel, havia agendado diversas entrevistas na cidade e
além delas, à noite fui entrevistado, às 21 horas, via celular pelos nossos
fiéis amigos da AmazonSat que nos acompanham a par e passo desde o início de
nossa jornada no Acre. O querido Ir:. Carlos Atanau também havia agendado uma
entrevista na Rádio Luz e Alegria de Frederico Westphalen (FW), RS, para as 19
horas (hora do Amazonas). Nessa entrevista lembrei que desde que iniciei, há 13
anos uma série de palestras sobre a Amazônia Brasileira, hoje ultrapassam a
400, esta foi a segunda vez que não consegui segurar a emoção e as lágrimas
escorreram sobre a face enrugada deste velho guerreiro. A primeira foi em FW,
RS, o Ir:. Carlos convidou-me a realizar uma palestra para estudantes do ensino
fundamental do Colégio Nossa Senhora da Auxiliadora. Ao final do evento as
crianças vieram me abraçar, beijar e pedir autógrafos, chorei e ao olhar para
meus irmãos maçons, que me acompanhavam, Carlos, Teixeira e Deoclécio vi que
eles também não tinham conseguido conter as lágrimas. Quando me perguntam por
que não cobro pelas palestras eu digo que este é o meu pagamento – a emoção de
ter transmitido algo que tenha, de alguma forma, repercutido no coração e nas
mentes das pessoas.
- Adeus Irmão Juruá
Concluindo agora minha saga
pelo Rio mais sinuoso do mundo só tenho a agradecer a todos que de uma maneira
ou outra colaboraram para que atingíssemos nosso objetivo. Tivemos desde o
início o apoio fundamental do
Exército Brasileiro através
da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Tefé, AM, e seu 61º Batalhão
de Infantaria de Selva, Cruzeiro do Sul, AC, do 2º Grupamento de Engenharia
representado pelo 5º Batalhão de Engenharia de Construção, Porto Velho, RO, 7º
Batalhão de Engenharia de Construção, Rio Branco, AC e 8º Batalhão de
Engenharia de Construção, Santarém, PA. No Acre e no Amazonas fomos apoiados
pelas Polícias Militares desses Estados. Gostaríamos de agradecer
particularmente ao Capitão PM Moura e Sgt PM Antônio que nos apoiaram em
Cruzeiro do Sul e Porto Valter, ao Tenente PM Rodney, em Ipixúna, Tenente PM
Ricardo em Eirunepé, Sargento PM Barbosa em Itamarati, Tenente PM Alain em
Carauari e Tenente PM Jesus de Juruá. Além destas Instituições fomos assistidos
pelos irmãos maçons de Eirunepé e Carauari liderados pelos veneráveis Ir:.
Francisco Djanir e Santiago, respectivamente, pelo Sr. Armando Athos Rebelo de
Medeiros Filho do Instituto Mamirauá e pelo empresário Abraão Cândido em
Ipixúna.
Veja nosso vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=hRYd2M_hYSE&feature=youtu.be
(Hiram Reis e Silva,
Tefé, Amazonas, 23 de fevereiro de 2013)
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