As Cotas Sociais no Brasil – Negros, Indígenas
e Estudantes da Rede Pública de Ensino
e Estudantes da Rede Pública de Ensino
Políticas Públicas nas Cotas Sociais: Ações afirmativas e questionamentos sobre a Polêmica Questão nas Universidades
Brasileiras e na Sociedade em geral
O sistema de cotas integra uma
série de medidas implementadas pelo Governo Federal com vistas a diminuir as
desigualdades sociais de acesso ao ensino superior, entre as quais se inclui
também o Programa Universidade para Todos – o festejado Prouni, institucionalizado
pela Lei Federal nº 11.096/2005, que concede bolsas integrais e parciais em
instituições particulares de ensino superior para pessoas que cursaram todo o
ensino médio em escolas públicas ou que foram bolsistas integrais em escolas
particulares, e que cumulativamente possuem renda familiar per capita de até
três salários mínimos mensais.
O sistema de cotas visa exatamente equiparar
materialmente um grupo de pessoas que ao longo da história foram vítimas de
discriminação social e estatal.
As ações afirmativas são políticas públicas que visam beneficiar setores
da população considerados desfavorecidos em termos de sua participação nos
benefícios, regalias e vantagens disponíveis na sociedade, especialmente as que
dizem respeito a emprego, saúde, educação e participação política.
As Cotas Sociais ou reservas de vagas em instituições públicas ou no
mercado de trabalho para esses setores, constituem uma das formas mais
controvertidas de ação afirmativa.
Esta questão está sendo discutida em todo o Pais, em virtude de propostas do governo de
estabelecer reserva das vagas oferecidas pelas universidades públicas para
contemplar candidatos egressos do ensino médio público, destinadas apenas aos
candidatos que se declararem negros,e aos indígenas, fato que ocorre nas universidades federais em
virtude de lei aprovada pelo Congresso Nacional.
O estabelecimento das cotas foi impulsionado no Brasil por movimentos
sociais de lideranças negras e se referiam, inicialmente, apenas a cotas
raciais. Dado, entretanto, que o índice de desigualdade nos níveis educacionais
caracteriza não apenas negros, mas todo o amplo conjunto dos estratos de menor
renda do país, a legislação implantada pelo governo federal contemplou também cotas
chamadas sociais, para beneficiar os brancos pobres excluídos do ensino
superior publico, e aos indígenas. Considerando que os estudantes de menor
renda se concentram no ensino médio público, que é gratuito, as cotas sociais
elegeram como critério de escolha os egressos dessas escolas.
É preciso, no entanto, discutir a
justiça e a eficácia da medida como instrumento para enfrentar as enormes
desigualdades que caracterizam o sistema educacional brasileiro e analisar o
processo em sua plenitude.
Nos Estados Unidos, as
universidades americanas resultaram de um grande movimento social, liderado por
Martin Luther King na década de 60, na luta contra o racismo, o segregacionismo
e a discriminação que permeavam, especialmente nos estados do Sul, discutindo o
mercado de trabalho, os serviços públicos, a educação e o sistema político. Em
muitos estados, todo o sistema educacional era segregado e havia escolas
separadas para crianças negras e brancas. Muitas universidades discriminavam
candidatos negros o que levou, inclusive, a criação de universidades só para
negros.
Ali, as cotas sociais tinham o claro objetivo de eliminar uma
discriminação explícita e insistir na observância de direitos iguais para
todos, consagrada na constituição americana. Nos Estados Unidos as cotas nas
universidades fizeram parte de um movimento muito maior que alterou todo o
sistema educacional do país. Cumpre lembrar que, eliminadas as barreiras legais
e raciais para a inclusão de negros, as cotas perderam sua importância nos
Estados Unidos e, atualmente, a Corte Suprema reexamina a questão sobre a sua
constitucionalidade. Ações neste sentido ocorreram em outros países, como na
África do Sul, onde a segregação era ainda mais rígida.
A experiência mostra que estas ações afirmativas se dirigiam contra
restrições legais à participação de negros em diversas esferas da vida social e
faz muito mais sentido neste contexto, o que jamais ocorreu em terras
brasileiras, com raras exceções.
Conforme mostra Simon Schwartzman, em recente estudo sobre Ações
Afirmativas, apresentado à Academia Brasileira de Ciências, a experiência da
França na formulação de cotas sociais (e não raciais) se aproxima mais da
realidade do problema que hoje estamos enfrentando na tentativa de democratizar
o acesso às universidades públicas de um modo geral.
O sistema universitário na França é basicamente formado por um grande
número de universidades às quais todos os alunos que concluem o curso
secundário (“Lycée”) e passam num exame de Estado semelhante ao ENEM, têm
acesso automatic ao ensino superior. O que existe, contudo, são algumas escolas
de elite, criadas há mais de um século como a Escola Politécnica, a Escola
Normal Superior e a Escola Nacional de Administração das quais usualmente saem
os futuros líderes intelectuais e ocupantes dos altos postos da administração
pública, assim como os professores dos Liceus. O acesso a elas é feito por
rigorosos exames de seleção e os candidatos, normalmente, frequentam cursos
preparatórios de um ou dois anos após terminarem o ensino médio. Estas escolas
de elevado nível de exigência intelectual são consideradas como um dos grandes
avanços da Revolução Francesa que permitiu criar uma elite de técnicos e
administradores escolhidos exclusivamente pelo mérito, em contraste com o
sistema vigente antes de 1789. Na prática os estudantes destas escolas de elite
se originam majoritariamente da classe médica alta e excluem os menos
afortunados que vivem nos bairros mais pobres, cujas deficiências em sua formação
escolar não lhes permitem passar nos exames. Foi este o motive que levou o
presidente Sarkozy a propor em 2008 que fossem reservadas nestas escolas cotas
de 30% a estudantes que vivem nos bairros. As propostas do Presidente da França
foram rejeitadas, porque violavam o principio de igualdade de direito, um dos
pilares básicos da Revolução Francesa e da Democracia do País.
O sistema de ensino superior público brasileiro é diferente da França em
dois aspectos: ele é majoritariamente privado e os cursos “de elite” estão
dentro e não fora das universidades públicas. Mas a função principal das nossas
universidades públicas é semelhante a das grandes Escolas Francesas: a de
formar o pessoal mais altamente qualificado necessário para o desenvolvimento
da pesquisa científica, para o mercado de trabalho em geral e para o serviço
público em particular. Em todos os países existem universidades deste tipo que
constituem, entretanto, uma minoria dos estabelecimentos de ensino superior.
No Brasil, os vestibulares são considerados democráticos porque
eliminam qualquer possibilidade de discriminação por raça, etnia, gênero, renda
e posição social. Estes exames, apesar de justos e necessários, de fato, como
na França, beneficiam os estudantes de classe média provenientes de famílias
mais escolarizadas. Alunos mais pobres, filhos de pais pouco escolarizados,
provenientes de escolas públicas de má qualidade enfrentam muitos obstáculos
para completarem o ensino médio com um aproveitamento razoável. É justo que se
procure oferecer pelo menos aos mais talentosos e dedicados alunos a
oportunidade de ingressar numa universidade pública de excelente qualidade. É a
razão que leva a sociedade a discutir a eficácia das cotas, que não constituem a única nem a
melhor solução porque não enfrentam a raiz do problema da desigualdade
educacional e porque beneficiam apenas uma ínfima minoria dos excluídos.
No Brasil, 1,9 milhões de alunos concluíram o Ensino Médio em 2005, o
que corresponde a 28,8% dos 6,6 milhões de alunos que ingressaram na primeira série
do Ensino Fundamental em 1995, ou seja, 10 anos antes. Isto significa que o
sistema de Educação básica, excluiu, antes do vestibular, cerca de 2/3 da
população escolar. Como só 870 mil alunos concluíram o ensino superior em 2011,
isto é, 13% dos ingressantes no ensino fundamental em 2005, o percentual de
excluídos ao ensino superior chegou a 87%. É verdade que houve inegável
progresso nos últimos anos, tendo mais que dobrado a matrícula no ensino médio
e superior.
A situação no Estado de São Paulo é muito melhor do que a média
brasileira; a taxa de conclusão do ensino médio não é de 28% mas 59%.
Ainda assim, sobram 41% dos previamente excluídos, isto é, sem possibilidade de
disputar uma vaga no ensino superior. Vejamos a questão de outro ângulo: no
Estado de São Paulo, um pouco menos de 30% dos jovens está matriculado no
ensino superior – há, portanto, pelo menos 70% de excluídos. Dos 30% incluídos,
as universidades públicas atendem apenas cerca de 15% do total de matriculados,
isto é, o equivalente a cerca de 5% dos jovens de 18 a 24 anos. Com ou sem cotas,
as universidades paulistas excluem 95% da população em idade de cursar o ensino
superior. Para privilegiar ínfimos 2, 5%, isto é, metade dos jovens
matriculados nas universidades públicas, o projeto das cotas subverte todo o
sistema de mérito dos vestibulares.
É importante assinalar também que as cotas não aumentam o nível de
inclusão da população no ensino superior (que é dos mais baixos entre os países
em desenvolvimento), porque não implicam em aumento das matrículas. Desta forma
a inclusão de alguns se dá pela exclusão de outros – aqueles que, sem o
mecanismo das cotas, ingressariam no ensino superior, boa parte dos quais,
provavelmente, os brancos de menor renda.
A questão da exclusão de brancos pobres promovida pelas cotas se agrava
pelo fato de que o cálculo das vagas reservadas para negros seja o da
porcentagem desta categoria na população. Se se trata de equalizar
oportunidades, o critério correto seria o de estabelecer o número de vagas
reservadas em função da porcentagem dos autodeclarados negros ou índios que
concluem o ensino médio. Com a proposta de cota de 50% para alunos das escolas
públicas (supostamente os mais pobres), das quais 35% para alunos negros,
sobram apenas 15% para os não negros, que também são mais pobres e em número
muito maior. Desta forma, a relação entre número de candidatos possíveis e
vagas é muito menor para negros do que para brancos e, portanto, a competição
entre negros é bem menor que entre brancos. Nunca se deve corrigir uma
injustiça estabelecendo um privilégio, mas equalizando oportunidades.
Mas não se trata apenas de uma questão de quantidade, mas também de
qualidade. O acesso ao ensino superior exige uma formação básica prévia.
Indicadores das competências essenciais que devem ser adquiridas no Ensino
Básico antes do ingresso nas universidades, incluídos em avaliações
internacionais que permitem a comparação com outros países, relativamente à
língua materna.
Os dados do PISA at a Glance (OECD, 2010, pp. 13 a 19) indicam
que a situação do Brasil é muito preocupante. Vejamos: do total de alunos que
concluiu o ensino fundamental, numa escala de um a seis, um pouco mais de 50%
estão nos níveis um e menos um, isto é, não são capazes de ler e interpretar
mais do que textos muito simples (mais simples do que os dos livros didáticos).
Em matemática os dados são ainda piores: cerca de 70% estão nestes níveis.
Pode se argumentar que o PISA é aplicado a alunos de 15 anos
matriculados no último ano do ensino fundamental, isto é, antes do ensino
médio, e que o desempenho dos estudantes pode melhorar muito antes do
vestibular. O que os dados do sistema de avaliação do ensino básico efetuado
pelo MEC (o SAEB) indicam é o contrário: embora os alunos de fato aumentem seus
conhecimentos e competências durante o ensino fundamental, o médio acrescenta
muito pouco. Isto não é de estranhar, uma vez que estas competências são
cumulativas e o mal desempenho nos níveis mais básicos implica dificuldades
crescentes nos mais avançados. O mesmo raciocínio se aplica à passagem para o
ensino superior.
Podemos inferir destes dados que, sendo o domínio da escrita condição
indispensável para o ingresso no ensino superior, os jovens em condição de
disputar uma vaga em boas universidades são aqueles com índices pelo menos
maiores que 2. No Brasil o percentual destes jovens no nível 3 é de cerca de
20%, sendo que apenas cerca de 4% estão no nível 4 e é de menos de 1% os que
atingem o nível 5. Provavelmente são apenas estes dois últimos que estão em
condições de ingressar nos cursos academicamente mais exigentes.
A conclusão parece obvia. O ensino superior de boa qualidade só é
acessível a, no máximo, 25% dos jovens e é, portanto, necessariamente elitista.
Mas não se trata de uma elite econômica nem política – a grande maioria dos
alunos das universidades públicas provém das classes médias, de famílias com
renda per capita entre 2 e 5 salários mínimos. Não há reservas de vagas para
brancos, nem para filhos de milionários, de parlamentares, de juízes ou mesmo
de governadores.
O maior problema do abandono de critérios universalistas está em
oficializar a categoria Raça,
contrariando o conhecimento científico, o qual aponta a enorme miscigenação da
população brasileira e a artificialidade das diferenças raciais, que são
construções culturais e não categorias naturais. Um critério universalista
significa não considerar essas diferenças como válidas e relevantes. Foi isto
que permitiu que as mulheres fossem admitidas em grande número nas universidades,
sem a necessidade de cotas femininas para ingresso.
Sobre a questão em foco, há ainda outra característica preocupante das cotas
que é intransigentemente defendida pelo movimento negro - a de um sistema
de acordo com o qual alunos “negros” não podem competir com “brancos”, mas
apenas com outros negros. Isto representa o inverso de qualquer política de
inclusão com integração, criando duas populações de alunos separados no próprio
vestibular o qual pode se perpetuar durante todo o curso. Já existem inclusive
reivindicações de cotas também para a pós-graduação, sendo isto inaceitável
porque nega toda a política de combate ao racismo que reside em negar a
possibilidade de utilizar critérios étnicos, raciais ou de gênero em qualquer
processo seletivo. A questão é ainda agravada por não haver limites de tempo
para sua exigência. Embora exista forte correlação entre ser preto e pardo e
ter pior desempenho escolar, a questão é mais complexa do que a explicação
corrente que a atribui exclusivamente ao preconceito racial.
De fato, as pesquisas têm mostrado que o nível de renda é mais
importante do que a cor, e há ainda outros fatores sociais e culturais
igualmente relevantes a serem considerados (Schwartzman, 2008; IPEA, 2006). Mas
são importantes ações afirmativas que contemplem a grande concentração de
pretos e pardos nas classes de menor renda. Cotas no vestibular não atingem
esta imensa maioria e são, portanto, de pouca valia para corrigir a imensa
desigualdade social e educacional que caracteriza nosso País.
Não estamos querendo negar a existência do preconceito racial no Brasil
e a necessidade de combatê-lo. Mas há duas observações a serem feitas. O
preconceito permeia insidiosamente todo o ensino básico, especialmente entre os
alunos. Da parte dos professores, o preconceito é mais sutil – manifesta-se
geralmente na pressuposição de que os alunos cujo fenótipo é mais próximo do
estereótipo do negro não vão conseguir um bom desempenho escolar e são deixados
de lado, não recebendo os estímulos afetivos e intelectuais que promoveriam um
aproveitamento satisfatório. Além disso, os alunos que podem se declarar
“negros” acumulam outros fatores negativos associados ao mau desempenho escolar
pois estão altamente representados na população mais pobre, entre as famílias
desestruturadas e de baixa escolaridade. A baixa escolaridade desta população
constitui uma pesada herança da escravidão, a qual afetou profundamente a
cultura brasileira.
Esta situação justifica e mesmo exige políticas compensatórias durante o
processo de escolarização. O problema está em querer realizar esta compensação
nos exames vestibulares, especialmente porque, de todo o sistema educacional é
o sistema de ingresso na universidade o único que neutraliza a possibilidade de
manifestações de preconceito. Os exames são aplicados e os resultados são
avaliados sem que se conheça a cor do candidato e a própria natureza do exame
afasta a possibilidade de manifestação preconceituosa por parte dos
examinadores. Além disso, o ambiente universitário é o mais tolerante para com
diferenças de origem étnica. É por esta razão que achamos estranho que na
batalha necessária contra o preconceito, seja exatamente o vestibular o
escolhido para uma ação afirmativa.
Analisemos agora a lógica de propor cotas para egressos da escola
publica. Todos concordam que a maioria das escolas de ensino médio público,
teoricamente acessível a todos, é incapaz de preparar os pobres, tanto brancos
como negros ou índios, para ingressar
nas universidades públicas. Aliás, é incapaz de preparar também os não pobres.
A solução encontrada na proposta de cotas é a de, reconhecendo as deficiências
do ensino básico público, aceitá-la como inevitável e estabelecer dois
critérios para ingresso: um menos exigente para os estudantes desta
proveniência e outro mais rígido para os demais. Entretanto, já prevendo que
aqueles encontrariam grandes dificuldades em acompanhar os cursos, propõe-se
criar um programa especial de um ou dois anos para permitir que superem suas
deficiências mais graves. Mas este trabalho de superar deficiências inclui
retomar não apenas os conteúdos do ensino médio mas, inclusive do ensino
fundamental, especialmente no que diz respeito à matemática. Esta não é tarefa
da universidade nem estão seus professores preparados para trabalhar em um
nível tão elementar das disciplinas que ministram.
Há ainda outro fator a considerar. A escolha do critério de estabelecer
cotas para os egressos das escolas públicas de nível médio reside na
pressuposição de que, desta forma, seriam beneficiados os alunos mais pobres,
os quais são os que encontram maiores dificuldades no processo escolar. É
inegável que, sendo gratuita e não exigindo exames de ingresso, a escola
pública concentra o maior percentual de alunos pobres.
É verdade também que a variável mais significativa na explicação do
nível de desempenho dos alunos é a renda e é preciso reconhecer que há alunos
de diferentes níveis de renda tanto na escola pública como na privada.
O estabelecimento de cotas que contemplam apenas alunos de escolas
públicas teriam excluído, em 2003, a maioria dos 53% dos de alunos com renda de
até meio salário mínimo, e 58% dos que estão na faixa entre ½ a 1 salário
mínimo, além do 67%, da faixa subsequente de 1 a 2 salários. A cota prejudice, portanto,
não apenas os ricos, mas os pobres que investiram muito em propiciar aos seus
filhos uma formação melhor.
Além do mais, é preciso também considerar que há excelentes escolas
públicas de nível médio, como os colégios de aplicação criados por
universidades, os colégios militares e os cursos técnicos cujos egressos
disputam uma vaga nas universidades públicas em condições de igualdade com os
provenientes das melhores escolas particulares, estando inclusive entre os
melhores colocados. Dada a elevada procura para estes cursos, o ingresso é
feito por um exame de seleção bastante exigente e que, por isto, privilegia
alunos de classe média tal como ocorre nos vestibulares. Estes alunos já
obtiveram as condições necessárias para ingressar nas universidades e seria injusto
que se beneficiassem da cota reservada para egressos da escola pública regular.
No levantamento do efeito das cotas nas universidades federais,
organizado por Jocélio Teles dos Santos, há um bom exemplo de como esta
variação entre as escolas públicas distorce o objetivo de atingir os alunos
mais pobres que não tiveram a oportunidade de receber uma boa formação básica.
Na Universidade de Juiz de Fora, onde foi possível avaliar essa distorção, os
egressos de 4 colégios públicos de alto rendimento foram responsáveis por 13%
de todos os ingressantes, sendo 26% dos cotistas negros egressos de escolas
públicas e 18% dos quotistas de escolas públicas não negros. O mais
preocupante, entretanto, é que esses alunos se concentraram exatamente nos
cursos de maior procura e prestígio; no curso de Direito, eram 43% dos
quotistas; no de Medicina, 50% provinham destes 4 colégios. Outra questão que
precisa ser examinada diz respeito à possível queda de qualidade do ensino nas
universidades públicas que poderia decorrer do ingresso de alunos menos bem
preparados incluídos nas cotas.
O levantamento organizado por Santos, já em 2013, mais detalhado, mostra
uma grande variação nos resultados obtidos por cotistas e não quotistas,
conforme a universidade estudada e os cursos considerados, com uma tendência
bastante geral de desempenho pior entre os primeiros em relação aos segundos,
embora haja cursos com inversão desta tendência. Por outro lado, em algumas
universidades, como a da Bahia, as cotas não são necessárias, pois a composição
do corpo discente já preenchia os objetivos das cotas.
Se os resultados são variáveis, há entretanto uma grande uniformidade em
todos os casos, na afirmação, por parte das universidades, da necessidade de
complementação de estudos, ou tutoria e de bolsas para os cotistas, o que
indica que esses alunos encontram maiores dificuldades em acompanhar os cursos.
De fato, todos os programas de cotas preveem esta necessidade. Isto nos leva a
indagar se esta necessidade não deveria ser suprida antes e não depois do
ingresso na universidade.
Uma última questão sobre a qual não há pesquisas confirmadoras, deriva
de meus 50 anos de magistério: é o fato de que, em turmas com elevado número de
alunos mal preparados, os professores tendem a diminuir o grau de
complexidade das matérias a abordar, o que diminui a qualidade dos cursos e o
nível de preparação dos formandos.
A melhor solução para o problema seria a que foi encontrada pela França
para as suas Grandes Escolas: a de que as universidades públicas, utilizando o
seu enorme capital cultural, os espaços subutilizados, os recursos multimídia,
as novas tecnologias educacionais, criassem, como parte de seus programas de
extensão, excelentes cursos pré-universitários presenciais e gratuitos para
alunos de baixa renda vocacionados e empenhados em ingressar no ensino
superior, contribuindo assim, de fato, para permitir que esses alunos possam
superar as deficiências de sua formação anterior e disputar com os alunos do
ensino privado as vagas disponíveis.
Podemos também lembrar que, no Brasil, as famílias de classe média cujos
filhos tiveram desempenho medíocre no ensino básico público ou privado,
recorrem a cursinhos pagos para suprir as deficiências que trazem de sua
formação anterior.
Utilizando estes precedentes, o corpo docente do curso pré-vestibular
poderia ser constituído pelos alunos de pós-graduação e de graduação,
especialmente os licenciandos, para os quais esta experiência substituiria com
vantagens os atuais estágios obrigatórios. Um curso como este poderia atender a
um número muito maior de estudantes do que o de ingressantes pelas cotas
provenientes das escolas públicas.
Neste aspecto, no entanto, caberia ao Governo Federal, ao
Poder Legislativo e, em último caso, aos juízes dar cabo da inconstitucional
desigualdade instalada pelas políticas públicas que corretamente amparam os
negros, os índios e os oriundos de escolas públicas, mas que relegam à própria
sorte outros pobres cuja única falta foi sacrificar relevante parcela da
diminuta renda na tentativa de oferecer uma educação de qualidade a seus
filhos.
Conclusões
O que a experiência nacional e internacional da introdução de cotas
sociais ou raciais nas universidades descrita acima nos diz que cotas não são o
melhor instrumento para democratizar o acesso às universidades.
A principal causa da enorme desigualdade que permeia o sistema
educacional brasileiro é a enorme desigualdade de renda que caracteriza nosso
País.
O ensino público pode ser um fator de grande importância na diminuição
desta desigualdade mas só terá sucesso quando partir dos níveis iniciais de
ensino fundamental em lugar de promover alterações no final do sistema.
Ações afirmativas deverão ter como prioridade atingir a população de
menor renda em lugar de utilizar critérios como cor ou proveniência de escolas
públicas ou privadas.
A melhor solução é através de cursos preparatórios gratuitos para o
ingresso nas universidades que utilizariam preferencialmente os alunos de
pós-graduação como professores e criando um sistema de bolsas de estudo para
apoiar estudantes carentes.
Cotas são uma solução fácil, porque envolvem apenas ações burocráticas e
administrativas. Cursos pré-universitários, ao contrário, constituem uma ação
educativa, que envolve o relacionamento permanente de professores e alunos
junto ao sistema educacional público.
Referências bibliográficas
DURHAM, Eunice R. Desigualdade educacional e quotas para negros nas
universidades. Revista Novos
Estudos CEBRAP, n. 66, julho de 2003. São Paulo, SP, pp. 3-22.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLCIADA. Sobre recente queda da
desigualdade de renda no Brasil. Nota Técnica Brasília, 2006. Disponível
em http:/www.gcaplac.org/documentos407.html
Organisation for Economic Co-operation and Development. Pisa at a
Glance. Paris: OECD, 2010.
Santos, Jocélio Teles dos (org.). O impacto das cotas nas universidades brasileiras (2004-2012).
Salvador: CEAO, 2013.
Schwartzman, Simon. A questão da inclusão social na universidade
brasileira. In Universidade Pública e
inclusão social. Peixoto, Maria do Carmo de Lacerda e Aranha, Antônia
Vitória. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
Watenberg, Fábio D. e Carvalho, Marcia de. Cotas aumentam a diversidade
dos estudantes sem comprometer o desempenho. Sinais Sociais. Rio de Janeiro, vol. 7, n. 20, pp. 36-77,
setembro-dezembro de 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário