segunda-feira, 12 de agosto de 2013

As Cotas Sociais - um Tratado

As Cotas Sociais no Brasil

As Cotas Sociais no Brasil – Negros, Indígenas
e Estudantes da Rede Pública de Ensino

Políticas Públicas nas Cotas Sociais: Ações afirmativas e questionamentos  sobre a Polêmica Questão nas Universidades Brasileiras e na Sociedade em geral
O sistema de cotas integra uma série de medidas implementadas pelo Governo Federal com vistas a diminuir as desigualdades sociais de acesso ao ensino superior, entre as quais se inclui também o Programa Universidade para Todos – o festejado Prouni, institucionalizado pela Lei Federal nº 11.096/2005, que concede bolsas integrais e parciais em instituições particulares de ensino superior para pessoas que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas ou que foram bolsistas integrais em escolas particulares, e que cumulativamente possuem renda familiar per capita de até três salários mínimos mensais.

O sistema de cotas visa exatamente equiparar materialmente um grupo de pessoas que ao longo da história foram vítimas de discriminação social e estatal.
As ações afirmativas são políticas públicas que visam beneficiar setores da população considerados desfavorecidos em termos de sua participação nos benefícios, regalias e vantagens disponíveis na sociedade, especialmente as que dizem respeito a emprego, saúde, educação e participação política.

As Cotas Sociais ou reservas de vagas em instituições públicas ou no mercado de trabalho para esses setores, constituem uma das formas mais controvertidas de ação afirmativa.
Esta questão está sendo discutida em todo o Pais,  em virtude de propostas do governo de estabelecer reserva das vagas oferecidas pelas universidades públicas para contemplar candidatos egressos do ensino médio público, destinadas apenas aos candidatos que se declararem negros,e aos indígenas,  fato que ocorre nas universidades federais em virtude de lei aprovada pelo Congresso Nacional.

O estabelecimento das cotas foi impulsionado no Brasil por movimentos sociais de lideranças negras e se referiam, inicialmente, apenas a cotas raciais. Dado, entretanto, que o índice de desigualdade nos níveis educacionais caracteriza não apenas negros, mas todo o amplo conjunto dos estratos de menor renda do país, a legislação implantada pelo governo federal contemplou também cotas chamadas sociais, para beneficiar os brancos pobres excluídos do ensino superior publico, e aos indígenas. Considerando que os estudantes de menor renda se concentram no ensino médio público, que é gratuito, as cotas sociais elegeram como critério de escolha os egressos dessas escolas.
É preciso, no entanto,  discutir a justiça e a eficácia da medida como instrumento para enfrentar as enormes desigualdades que caracterizam o sistema educacional brasileiro e analisar o processo em sua plenitude.

Nos Estados Unidos,  as universidades americanas resultaram de um grande movimento social, liderado por Martin Luther King na década de 60, na luta contra o racismo, o segregacionismo e a discriminação que permeavam, especialmente nos estados do Sul, discutindo o mercado de trabalho, os serviços públicos, a educação e o sistema político. Em muitos estados, todo o sistema educacional era segregado e havia escolas separadas para crianças negras e brancas. Muitas universidades discriminavam candidatos negros o que levou, inclusive, a criação de universidades só para negros.
Ali, as cotas sociais tinham o claro objetivo de eliminar uma discriminação explícita e insistir na observância de direitos iguais para todos, consagrada na constituição americana. Nos Estados Unidos as cotas nas universidades fizeram parte de um movimento muito maior que alterou todo o sistema educacional do país. Cumpre lembrar que, eliminadas as barreiras legais e raciais para a inclusão de negros, as cotas perderam sua importância nos Estados Unidos e, atualmente, a Corte Suprema reexamina a questão sobre a sua constitucionalidade. Ações neste sentido ocorreram em outros países, como na África do Sul, onde a segregação era ainda mais rígida.

A experiência mostra que estas ações afirmativas se dirigiam contra restrições legais à participação de negros em diversas esferas da vida social e faz muito mais sentido neste contexto, o que jamais ocorreu em terras brasileiras, com raras exceções.
Conforme mostra Simon Schwartzman, em recente estudo sobre Ações Afirmativas, apresentado à Academia Brasileira de Ciências, a experiência da França na formulação de cotas sociais (e não raciais) se aproxima mais da realidade do problema que hoje estamos enfrentando na tentativa de democratizar o acesso às universidades públicas de um modo geral.

O sistema universitário na França é basicamente formado por um grande número de universidades às quais todos os alunos que concluem o curso secundário (“Lycée”) e passam num exame de Estado semelhante ao ENEM, têm acesso automatic ao ensino superior. O que existe, contudo, são algumas escolas de elite, criadas há mais de um século como a Escola Politécnica, a Escola Normal Superior e a Escola Nacional de Administração das quais usualmente saem os futuros líderes intelectuais e ocupantes dos altos postos da administração pública, assim como os professores dos Liceus. O acesso a elas é feito por rigorosos exames de seleção e os candidatos, normalmente, frequentam cursos preparatórios de um ou dois anos após terminarem o ensino médio. Estas escolas de elevado nível de exigência intelectual são consideradas como um dos grandes avanços da Revolução Francesa que permitiu criar uma elite de técnicos e administradores escolhidos exclusivamente pelo mérito, em contraste com o sistema vigente antes de 1789. Na prática os estudantes destas escolas de elite se originam majoritariamente da classe médica alta e excluem os menos afortunados que vivem nos bairros mais pobres, cujas deficiências em sua formação escolar não lhes permitem passar nos exames. Foi este o motive que levou o presidente Sarkozy a propor em 2008 que fossem reservadas nestas escolas cotas de 30% a estudantes que vivem nos bairros. As propostas do Presidente da França foram rejeitadas, porque violavam o principio de igualdade de direito, um dos pilares básicos da Revolução Francesa e da Democracia do País.
O sistema de ensino superior público brasileiro é diferente da França em dois aspectos: ele é majoritariamente privado e os cursos “de elite” estão dentro e não fora das universidades públicas. Mas a função principal das nossas universidades públicas é semelhante a das grandes Escolas Francesas: a de formar o pessoal mais altamente qualificado necessário para o desenvolvimento da pesquisa científica, para o mercado de trabalho em geral e para o serviço público em particular. Em todos os países existem universidades deste tipo que constituem, entretanto, uma minoria dos estabelecimentos de ensino superior.

No Brasil, os vestibulares são considerados democráticos  porque eliminam qualquer possibilidade de discriminação por raça, etnia, gênero, renda e posição social. Estes exames, apesar de justos e necessários, de fato, como na França, beneficiam os estudantes de classe média provenientes de famílias mais escolarizadas. Alunos mais pobres, filhos de pais pouco escolarizados, provenientes de escolas públicas de má qualidade enfrentam muitos obstáculos para completarem o ensino médio com um aproveitamento razoável. É justo que se procure oferecer pelo menos aos mais talentosos e dedicados alunos a oportunidade de ingressar numa universidade pública de excelente qualidade. É a razão que leva a sociedade a discutir a eficácia  das cotas, que não constituem a única nem a melhor solução porque não enfrentam a raiz do problema da desigualdade educacional e porque beneficiam apenas uma ínfima minoria dos excluídos.
No Brasil, 1,9 milhões de alunos concluíram o Ensino Médio em 2005, o que corresponde a 28,8% dos 6,6 milhões de alunos que ingressaram na primeira série do Ensino Fundamental em 1995, ou seja, 10 anos antes. Isto significa que o sistema de Educação básica, excluiu, antes do vestibular, cerca de 2/3 da população escolar. Como só 870 mil alunos concluíram o ensino superior em 2011, isto é, 13% dos ingressantes no ensino fundamental em 2005, o percentual de excluídos ao ensino superior chegou a 87%. É verdade que houve inegável progresso nos últimos anos, tendo mais que dobrado a matrícula no ensino médio e superior.

A situação no Estado de São Paulo é muito melhor do que a média brasileira;  a taxa de conclusão do ensino médio não é de 28% mas 59%. Ainda assim, sobram 41% dos previamente excluídos, isto é, sem possibilidade de disputar uma vaga no ensino superior. Vejamos a questão de outro ângulo: no Estado de São Paulo, um pouco menos de 30% dos jovens está matriculado no ensino superior – há, portanto, pelo menos 70% de excluídos. Dos 30% incluídos, as universidades públicas atendem apenas cerca de 15% do total de matriculados, isto é, o equivalente a cerca de 5% dos jovens de 18 a 24 anos. Com ou sem cotas, as universidades paulistas excluem 95% da população em idade de cursar o ensino superior. Para privilegiar ínfimos 2, 5%, isto é, metade dos jovens matriculados nas universidades públicas, o projeto das cotas subverte todo o sistema de mérito dos vestibulares.
É importante assinalar também que as cotas não aumentam o nível de inclusão da população no ensino superior (que é dos mais baixos entre os países em desenvolvimento), porque não implicam em aumento das matrículas. Desta forma a inclusão de alguns se dá pela exclusão de outros – aqueles que, sem o mecanismo das cotas, ingressariam no ensino superior, boa parte dos quais, provavelmente, os brancos de menor renda.  A questão da exclusão de brancos pobres promovida pelas cotas se agrava pelo fato de que o cálculo das vagas reservadas para negros seja o da porcentagem desta categoria na população. Se se trata de equalizar oportunidades, o critério correto seria o de estabelecer o número de vagas reservadas em função da porcentagem dos autodeclarados negros ou índios que concluem o ensino médio. Com a proposta de cota de 50% para alunos das escolas públicas (supostamente os mais pobres), das quais 35% para alunos negros, sobram apenas 15% para os não negros, que também são mais pobres e em número muito maior. Desta forma, a relação entre número de candidatos possíveis e vagas é muito menor para negros do que para brancos e, portanto, a competição entre negros é bem menor que entre brancos. Nunca se deve corrigir uma injustiça estabelecendo um privilégio, mas equalizando oportunidades.

Mas não se trata apenas de uma questão de quantidade, mas também de qualidade.  O acesso ao ensino superior exige uma formação básica prévia. Indicadores das competências essenciais que devem ser adquiridas no Ensino Básico antes do ingresso nas universidades, incluídos em avaliações internacionais que permitem a comparação com outros países, relativamente à língua materna.
Os dados do PISA at a Glance (OECD, 2010, pp. 13 a 19) indicam que a situação do Brasil é muito preocupante. Vejamos: do total de alunos que concluiu o ensino fundamental, numa escala de um a seis, um pouco mais de 50% estão nos níveis um e menos um, isto é, não são capazes de ler e interpretar mais do que textos muito simples (mais simples do que os dos livros didáticos). Em matemática os dados são ainda piores: cerca de 70% estão nestes níveis.

Pode se argumentar que o PISA é aplicado a alunos de 15 anos matriculados no último ano do ensino fundamental, isto é, antes do ensino médio, e que o desempenho dos estudantes pode melhorar muito antes do vestibular. O que os dados do sistema de avaliação do ensino básico efetuado pelo MEC (o SAEB) indicam é o contrário: embora os alunos de fato aumentem seus conhecimentos e competências durante o ensino fundamental, o médio acrescenta muito pouco. Isto não é de estranhar, uma vez que estas competências são cumulativas e o mal desempenho nos níveis mais básicos implica dificuldades crescentes nos mais avançados. O mesmo raciocínio se aplica à passagem para o ensino superior.
Podemos inferir destes dados que, sendo o domínio da escrita condição indispensável para o ingresso no ensino superior, os jovens em condição de disputar uma vaga em boas universidades são aqueles com índices pelo menos maiores que 2. No Brasil o percentual destes jovens no nível 3 é de cerca de 20%, sendo que apenas cerca de 4% estão no nível 4 e é de menos de 1% os que atingem o nível 5. Provavelmente são apenas estes dois últimos que estão em condições de ingressar nos cursos academicamente mais exigentes.

A conclusão parece obvia. O ensino superior de boa qualidade só é acessível a, no máximo, 25% dos jovens e é, portanto, necessariamente elitista. Mas não se trata de uma elite econômica nem política – a grande maioria dos alunos das universidades públicas provém das classes médias, de famílias com renda per capita entre 2 e 5 salários mínimos. Não há reservas de vagas para brancos, nem para filhos de milionários, de parlamentares, de juízes ou mesmo de governadores.
O maior problema do abandono de critérios universalistas está em oficializar a categoria Raça, contrariando o conhecimento científico, o qual aponta a enorme miscigenação da população brasileira e a artificialidade das diferenças raciais, que são construções culturais e não categorias naturais. Um critério universalista significa não considerar essas diferenças como válidas e relevantes. Foi isto que permitiu que as mulheres fossem admitidas em grande número nas universidades, sem a necessidade de cotas femininas para ingresso.

Sobre a questão em foco, há ainda outra característica preocupante das cotas que é intransigentemente defendida pelo movimento negro -  a de um sistema de acordo com o qual alunos “negros” não podem competir com “brancos”, mas apenas com outros negros. Isto representa o inverso de qualquer política de inclusão com integração, criando duas populações de alunos separados no próprio vestibular o qual pode se perpetuar durante todo o curso. Já existem inclusive reivindicações de cotas também para a pós-graduação, sendo isto inaceitável porque nega toda a política de combate ao racismo que reside em negar a possibilidade de utilizar critérios étnicos, raciais ou de gênero em qualquer processo seletivo. A questão é ainda agravada por não haver limites de tempo para sua exigência. Embora exista forte correlação entre ser preto e pardo e ter pior desempenho escolar, a questão é mais complexa do que a explicação corrente que a atribui exclusivamente ao preconceito racial.
De fato, as pesquisas têm mostrado que o nível de renda é mais importante do que a cor, e há ainda outros fatores sociais e culturais igualmente relevantes a serem considerados (Schwartzman, 2008; IPEA, 2006). Mas são importantes ações afirmativas que contemplem a grande concentração de pretos e pardos nas classes de menor renda. Cotas no vestibular não atingem esta imensa maioria e são, portanto, de pouca valia para corrigir a imensa desigualdade social e educacional que caracteriza nosso País.

Não estamos querendo negar a existência do preconceito racial no Brasil e a necessidade de combatê-lo. Mas há duas observações a serem feitas. O preconceito permeia insidiosamente todo o ensino básico, especialmente entre os alunos. Da parte dos professores, o preconceito é mais sutil – manifesta-se geralmente na pressuposição de que os alunos cujo fenótipo é mais próximo do estereótipo do negro não vão conseguir um bom desempenho escolar e são deixados de lado, não recebendo os estímulos afetivos e intelectuais que promoveriam um aproveitamento satisfatório. Além disso, os alunos que podem se declarar “negros” acumulam outros fatores negativos associados ao mau desempenho escolar pois estão altamente representados na população mais pobre, entre as famílias desestruturadas e de baixa escolaridade. A baixa escolaridade desta população constitui uma pesada herança da escravidão, a qual afetou profundamente a cultura brasileira.
Esta situação justifica e mesmo exige políticas compensatórias durante o processo de escolarização. O problema está em querer realizar esta compensação nos exames vestibulares, especialmente porque, de todo o sistema educacional é o sistema de ingresso na universidade o único que neutraliza a possibilidade de manifestações de preconceito. Os exames são aplicados e os resultados são avaliados sem que se conheça a cor do candidato e a própria natureza do exame afasta a possibilidade de manifestação preconceituosa por parte dos examinadores. Além disso, o ambiente universitário é o mais tolerante para com diferenças de origem étnica. É por esta razão que achamos estranho que na batalha necessária contra o preconceito, seja exatamente o vestibular o escolhido para uma ação afirmativa.

Analisemos agora a lógica de propor cotas para egressos da escola publica. Todos concordam que a maioria das escolas de ensino médio público, teoricamente acessível a todos, é incapaz de preparar os pobres, tanto brancos como negros ou  índios, para ingressar nas universidades públicas. Aliás, é incapaz de preparar também os não pobres. A solução encontrada na proposta de cotas é a de, reconhecendo as deficiências do ensino básico público, aceitá-la como inevitável e estabelecer dois critérios para ingresso: um menos exigente para os estudantes desta proveniência e outro mais rígido para os demais. Entretanto, já prevendo que aqueles encontrariam grandes dificuldades em acompanhar os cursos, propõe-se criar um programa especial de um ou dois anos para permitir que superem suas deficiências mais graves. Mas este trabalho de superar deficiências inclui retomar não apenas os conteúdos do ensino médio mas, inclusive do ensino fundamental, especialmente no que diz respeito à matemática. Esta não é tarefa da universidade nem estão seus professores preparados para trabalhar em um nível tão elementar das disciplinas que ministram.
Há ainda outro fator a considerar. A escolha do critério de estabelecer cotas para os egressos das escolas públicas de nível médio reside na pressuposição de que, desta forma, seriam beneficiados os alunos mais pobres, os quais são os que encontram maiores dificuldades no processo escolar. É inegável que, sendo gratuita e não exigindo exames de ingresso, a escola pública concentra o maior percentual de alunos pobres.

É verdade também que a variável mais significativa na explicação do nível de desempenho dos alunos é a renda e é preciso reconhecer que há alunos de diferentes níveis de renda tanto na escola pública como na privada.
O estabelecimento de cotas que contemplam apenas alunos de escolas públicas teriam excluído, em 2003, a maioria dos 53% dos de alunos com renda de até meio salário mínimo, e 58% dos que estão na faixa entre ½ a 1 salário mínimo, além do 67%, da faixa subsequente de 1 a 2 salários. A cota prejudice, portanto, não apenas os ricos, mas os pobres que investiram muito em propiciar aos seus filhos uma formação melhor.

Além do mais, é preciso também considerar que há excelentes escolas públicas de nível médio, como os colégios de aplicação criados por universidades, os colégios militares e os cursos técnicos cujos egressos disputam uma vaga nas universidades públicas em condições de igualdade com os provenientes das melhores escolas particulares, estando inclusive entre os melhores colocados. Dada a elevada procura para estes cursos, o ingresso é feito por um exame de seleção bastante exigente e que, por isto, privilegia alunos de classe média tal como ocorre nos vestibulares. Estes alunos já obtiveram as condições necessárias para ingressar nas universidades e seria injusto que se beneficiassem da cota reservada para egressos da escola pública regular.
No levantamento do efeito das cotas nas universidades federais, organizado por Jocélio Teles dos Santos, há um bom exemplo de como esta variação entre as escolas públicas distorce o objetivo de atingir os alunos mais pobres que não tiveram a oportunidade de receber uma boa formação básica. Na Universidade de Juiz de Fora, onde foi possível avaliar essa distorção, os egressos de 4 colégios públicos de alto rendimento foram responsáveis por 13% de todos os ingressantes, sendo 26% dos cotistas negros egressos de escolas públicas e 18% dos quotistas de escolas públicas não negros. O mais preocupante, entretanto, é que esses alunos se concentraram exatamente nos cursos de maior procura e prestígio; no curso de Direito, eram 43% dos quotistas; no de Medicina, 50% provinham destes 4 colégios. Outra questão que precisa ser examinada diz respeito à possível queda de qualidade do ensino nas universidades públicas que poderia decorrer do ingresso de alunos menos bem preparados incluídos nas cotas.

O levantamento organizado por Santos, já em 2013, mais detalhado, mostra uma grande variação nos resultados obtidos por cotistas e não quotistas, conforme a universidade estudada e os cursos considerados, com uma tendência bastante geral de desempenho pior entre os primeiros em relação aos segundos, embora haja cursos com inversão desta tendência. Por outro lado, em algumas universidades, como a da Bahia, as cotas não são necessárias, pois a composição do corpo discente já preenchia os objetivos das cotas.
Se os resultados são variáveis, há entretanto uma grande uniformidade em todos os casos, na afirmação, por parte das universidades, da necessidade de complementação de estudos, ou tutoria e de bolsas para os cotistas, o que indica que esses alunos encontram maiores dificuldades em acompanhar os cursos. De fato, todos os programas de cotas preveem esta necessidade. Isto nos leva a indagar se esta necessidade não deveria ser suprida antes e não depois do ingresso na universidade.

Uma última questão sobre a qual não há pesquisas confirmadoras, deriva de meus 50 anos de magistério: é o fato de que, em turmas com elevado número de alunos  mal preparados, os professores tendem a diminuir o grau de complexidade das matérias a abordar, o que diminui a qualidade dos cursos e o nível de preparação dos formandos.
A melhor solução para o problema seria a que foi encontrada pela França para as suas Grandes Escolas: a de que as universidades públicas, utilizando o seu enorme capital cultural, os espaços subutilizados, os recursos multimídia, as novas tecnologias educacionais, criassem, como parte de seus programas de extensão, excelentes cursos pré-universitários presenciais e gratuitos para alunos de baixa renda vocacionados e empenhados em ingressar no ensino superior, contribuindo assim, de fato, para permitir que esses alunos possam superar as deficiências de sua formação anterior e disputar com os alunos do ensino privado as vagas disponíveis.

Podemos também lembrar que, no Brasil, as famílias de classe média cujos filhos tiveram desempenho medíocre no ensino básico público ou privado, recorrem a cursinhos pagos para suprir as deficiências que trazem de sua formação anterior.
Utilizando estes precedentes, o corpo docente do curso pré-vestibular poderia ser constituído pelos alunos de pós-graduação e de graduação, especialmente os licenciandos, para os quais esta experiência substituiria com vantagens os atuais estágios obrigatórios. Um curso como este poderia atender a um número muito maior de estudantes do que o de ingressantes pelas cotas provenientes das escolas públicas.

Neste aspecto, no entanto, caberia ao Governo Federal, ao Poder Legislativo e, em último caso, aos juízes dar cabo da inconstitucional desigualdade instalada pelas políticas públicas que corretamente amparam os negros, os índios e os oriundos de escolas públicas, mas que relegam à própria sorte outros pobres cuja única falta foi sacrificar relevante parcela da diminuta renda na tentativa de oferecer uma educação de qualidade a seus filhos.

Conclusões
O que a experiência nacional e internacional da introdução de cotas sociais ou raciais nas universidades descrita acima nos diz que cotas não são o melhor instrumento para democratizar o acesso às universidades.

A principal causa da enorme desigualdade que permeia o sistema educacional brasileiro é a enorme desigualdade de renda que caracteriza nosso País.
O ensino público pode ser um fator de grande importância na diminuição desta desigualdade mas só terá sucesso quando partir dos níveis iniciais de ensino fundamental em lugar de promover alterações no final do sistema.

Ações afirmativas deverão ter como prioridade atingir a população de menor renda em lugar de utilizar critérios como cor ou proveniência de escolas públicas ou privadas.
A melhor solução é através de cursos preparatórios gratuitos para o ingresso nas universidades que utilizariam preferencialmente os alunos de pós-graduação como professores e criando um sistema de bolsas de estudo para apoiar estudantes carentes.

Cotas são uma solução fácil, porque envolvem apenas ações burocráticas e administrativas. Cursos pré-universitários, ao contrário, constituem uma ação educativa, que envolve o relacionamento permanente de professores e alunos junto ao sistema educacional público.

Referências bibliográficas
DURHAM, Eunice R. Desigualdade educacional e quotas para negros nas universidades.  Revista Novos Estudos CEBRAP, n. 66, julho de 2003. São Paulo, SP, pp. 3-22.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLCIADA. Sobre recente queda da desigualdade de renda no Brasil. Nota Técnica Brasília, 2006. Disponível em  http:/www.gcaplac.org/documentos407.html
Organisation for Economic Co-operation and Development. Pisa at a Glance. Paris: OECD, 2010.

Santos, Jocélio Teles dos (org.). O impacto das cotas nas universidades brasileiras (2004-2012). Salvador: CEAO, 2013.
Schwartzman, Simon. A questão da inclusão social na universidade brasileira. In Universidade Pública e inclusão social. Peixoto, Maria do Carmo de Lacerda e Aranha, Antônia Vitória. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

Watenberg, Fábio D. e Carvalho, Marcia de. Cotas aumentam a diversidade dos estudantes sem comprometer o desempenho. Sinais Sociais. Rio de Janeiro, vol. 7, n. 20, pp. 36-77, setembro-dezembro de 2012.





Nenhum comentário: