Inocente fui pela aragem da manhã
colher flores selvagens, dessas miúdas
de tufos baixos e corolas brancas
dessas que trocam sem problema
o chão dos campos por jarros na sala
até ficarem cinzentas, cobertas de pó.
Assim me extraviei entre moitas
atrás das tais sempre-vivas-do-mato ...
Ao sair do sol entrei num túnel de galhos
que levava à corrente e à pequena praia
de areias alvas como macaxeiras nuas.
Daí entrei num banho de águas castanhas
anoitecendo cada vez mais escuras
e logo me senti envolvida num abraço
que me puxava ao fundo, como se houvesse
alguma armadilha de peixe submersa
meus pés tentando em vão tocar o chão,
o grito quando eu vinha à tona, sumia
abafado no gorgolejo da correnteza,
e o caudal sempre me enrolando brutal
sem que eu pudesse me desvencilhar.
Pensei, em vez de flores quase eternas
vou colher agora a flor da minha morte
no olho deste abismo, no umbigo do rio.
Então deu-se o milagre! Um anjo, saído
do verde ou do céu, me salvou das águas.
Tudo isso aconteceu há meio século
e a paisagem de tão antiga evaporou-se.
Aqui estou vestida com a poeira do tempo
irmã das flores que buscava em meu passeio.
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