sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Artigo: Kampũ – a Vacina do Sapo - A/01250

Kampũ – a Vacina do Sapo


Este remédio extraído da rã de nome Kambô é bom porque traz felicidade e também para se caçar. Quando toma o Kambô a caça se aproxima curiosa, pois quem o toma passa a emitir uma luz verde e é esta luz que faz a caça e as coisas boas se aproximarem de nós. Serve para tirar a panema (preguiça, perda de ânimo) e também desentope as veias do coração e faz circular o sangue do ser humano como um todo. O uso do Kambô é milenar em nossa tradição: vem da sabedoria dos nossos ancestrais. (Pajé Assis André Katukina)

Phyllomedusa bicolor

A Phyllomedusa bicolor ou rã Kampũ, Kambo, Kambô, Cambo ou Sapo Verde, é uma rã arborícola encontrada na Bolívia, Peru, Venezuela e Guianas, na Amazônia e em algumas vegetações ribeirinhas do Cerrado brasileiro. É um anfíbio da Família Hylidae da família das pererecas (Hylidae), apresenta placas aderentes na ponta dos dedos, que facilitam a escalada dos troncos. É a maior espécie do gênero, podendo chegar a quase 12 cm de comprimento. A Phyllomedusa possui hábitos noturnos e os machos nos meses de reprodução cantam empoleirados na vegetação em alturas de até 10 metros. Os ovos são colocados sobre folhas nas margens de igapós e lagos permitindo que os girinos ao eclodir caiam diretamente no ambiente aquático.

O Kambô e os Katukina e Kaxinawá

Os animais são capturados, pelos pajés, durante a madrugada para extrair deles sua secreção cutânea considerada como um antibiótico natural poderoso capaz de combater e eliminar diversas moléstias. Embora não existam pesquisas científicas que comprovem sua eficiência, alguns pesquisadores acreditam que ela possa ser utilizada nos tratamentos do câncer e da AIDS, pois consideram que ela reforça o sistema imunológico destruindo as membranas celulares das bactérias.

Os pajés consideram as doenças como um espírito negativo que ataca o indivíduo. Os nativos fazem uso do Kambô para afastar o inimigo, acabar com o desânimo e falta de vontade para caçar, para estimular a libido, afugentar a má sorte, a tristeza, combater a baixa estima, fortalecer o corpo, a mente e o espírito, e fundamentalmente, para buscar a harmonia com a natureza, melhora o fluxo sanguíneo permitindo mais ativamente circular a emoção, o sentimento e o amor. Os líderes espirituais afirmam que o remédio traz a sorte para quem caça, fazendo com que o animal se aproxime curiosamente do caçador já que ao ser tratado com o Kambô ele passa a emitir uma luz verde que faz a caça se aproximar.

Os Katukinas, nunca matam os Kambô, pois acham que se o fizerem, poderão ser picados por cobras. Os Ashaninkas, afirmam que se o sapo cantar próximo de uma cabana, ele precisa ser imediatamente capturado e, a seguir, o nativo precisa queimar os pulsos e, no alvorecer do dia seguinte, bater nas costas do sapo, para ele soltar o veneno que será passado sobre o local.

Pesquisa Internacional

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Pesquisas científicas vem sendo realizadas sobre as propriedades da secreção da Phyllomedusa bicolor desde a década de 80. O primeiro a “descobrir” as propriedades da secreção para a ciência moderna foi um grupo de pesquisadores italianos. Amostras das rãs foram levadas do Peru por um pesquisador para os EUA (o mesmo pesquisador que já tinha pesquisado e patenteado anteriormente substâncias da rã Epipedobates tricolor, utilizada tradicionalmente pelos povos indígenas do Equador). Também foram publicadas pesquisas sobre as propriedades da secreção por pesquisadores franceses e israelitas. Mais recente, a Universidade de Kentucky (EUA) está pesquisando (e patenteando) uma das substâncias encontradas na secreção do sapo em colaboração com a empresa farmacêutica Zymogenetics. Diversos laboratórios internacionais já estão interessados no veneno do kambô para desenvolver um medicamento que pode levar à cura do câncer.

Resultados surpreendentes

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As pesquisas revelaram que a secreção do Phyllomedusa bicolor contém uma série de substâncias altamente eficazes, sendo as principais a dermorfina e a deltorfina, pertencentes ao grupo dos peptídeos. Estes dois peptídeos eram desconhecidos antes das pesquisas com o Phyllomedusa bicolor. Dermorfina é um potente analgésico e deltorfina pode ser aplicada no tratamento da Ischemia (um tipo de falta de circulação sanguínea e falta de oxigênio, que pode causar derrames). As substâncias da secreção do sapo também possuem propriedades antibióticas e de fortalecimento do sistema imunológico e ainda revelaram grande poder no tratamento do mal de Parkinson, AIDS, câncer, depressão e outras doenças. Deltorfina e Dermorfina hoje estão sendo produzidos de forma sintética.

Doenças combatidas pelo kambô


O medicamento vem sendo desenvolvido e mostrado bons resultados nas pessoas que se encontram com dores e inflamação em geral: musculares, coluna, ciática, artrite, reumáticas, tendinite, enxaqueca e outros. Cansaço nas pernas, dor de cabeça crônica, asma, bronquite, rinite, sinusite, acne, alergias, gastrite, úlcera, diabetes, pressão arterial, obesidade, problemas circulatórios, formigamento, retenção de líquido, colesterol, cateterismo, doenças do coração em geral, hepatite, cirrose, malária (aguda) e pós malária, labirintite, epilepsia, TPM, irregularidades menstruais, infertilidade, impotência, redução da libido, depressão e suas consequências, ansiedade, insônia, irritação, insegurança, nervosismo, medo, stress, fadiga, sistema nervoso abalado, esgotamento físico, mental, emocional, desintoxicação, dependência química e tabagismo são algumas das possíveis doenças tratadas pela Vacina do Sapo. Trata distúrbios nos órgãos genitais, pulmão, rim, vesícula, baço-pâncreas, bexiga, coração, estômago, intestino, tiróide, fígado, garganta.

Reação


A reação da vacina dura cinco minutos. Nesse tempo ocorre a limpeza no campo físico, energético, emocional e espiritual. Após cinco minutos a sensação é de limpeza, leveza, tranquilidade, bem estar, paz interior e conscientização do desequilíbrio ou distúrbio a ser tratado. Depois de 30 minutos da aplicação, a pessoa já está apta para suas atividades normais. (...)

 

Aplicação é Indolor e os Efeitos Imediatos


A coleta da substância da rã é feita sem machucá-la, no tempo certo e na lua certa. Conhece-se o animal pelo canto. Logo que a secreção é retirada, ele é devolvido à mata. Após seis meses a rã pode ser reutilizada. Na aplicação não utilizam-se agulhas. São feitos os pontos para introduzir a vacina no organismo com um cipó em brasa (lembra um incenso), fazendo uma leve escamação na pele, em contato com a pele, retira um pedaço pequeno, deixando a circulação exposta, onde é aplicada a substância. O cipó usado é anti-inflamatório e após a aplicação não é necessários cuidados especiais, pois a cicatrização dos pontos é rápida. O tratamento é composto de três aplicações com intervalo de 30 dias para cada aplicação.

 

 Pesquisa “in loco”


O Soldado Delcio Ubim Tesquim, do 61º BIS e membro da Terra Indígena Poyanawas (Dukuda Kayapaika), município de Mâncio Lima, AC, apresentou-nos ao Pajé José Luiz (Puwẽ). Infelizmente, não conseguimos realizar a aplicação da Vacina do sapo na quarta-feira, 02.12.2013, como era nossa intenção, o Pajé afirmou que tinha usado seu último estoque da secreção e agendamos, então, para o dia seguinte (03.12.2013).

Chegando cedo à aldeia, o Pajé José Luiz, devidamente paramentado, levou-nos até a Arena, conhecida por eles como “Casa, Floresta de Todos Nós” (Dimanã Ẽwê Yubabu) onde realizam diversos eventos culturais, entre eles os “Jogos da Celebração”. Eu e o Marçal fomos orientados a beber goles generosos de Caiçuma. Sou abstêmio convicto, mas o pajé garantiu que a bebida tinha um teor alcoólico bastante baixo e fazia parte do ritual, por isso, bebi.

Caiçuma: não perguntei como eles preparavam a bebida, mas, normalmente, as mulheres da comunidade depois de cozinharem a macaxeira reúnem-se para a mastigarem, colocando a mistura em um recipiente feito de argila. A massa sofre fermenta e apresenta no final do processo um sabor levemente adocicado e azedo de textura e cor semelhante ao leite. Quanto maior o tempo de maturação do produto maior seu teor alcoólico. (Nota do Autor)

Após a ingestão da bebida fomos levados por uma trilha para o interior da mata onde ingerimos mais caiçuma. O Soldado Tesquim foi encarregado de fazer as tomadas das cenas. O Pajé preparou um cipó-titica e com ele em brasa somente aproximou-o de meu braço fazendo cinco aplicações com o intuito de remover parte da pele. O processo foi totalmente indolor.

Cipó-titica: é da espécie botânica Heteropsis flexuosa, encontrada na Amazônia, nas áreas de terra firme. Quando adulto, o caule grosso, lenhoso, resistente e durável, é utilizado na indústria moveleira e no artesanato. (Nota do Autor)

Após isso adicionou um pouco de água a uma pequena espátula de madeira onde se encontrava a secreção do Kampũ. Passou então uma pequena porção da mistura em cada um dos cinco pontos preparados do braço esquerdo. O Soldado Tesquim, neste momento, aproximou-se disse que a máquina estava sem memória para continuar as gravações. Eu tinha esquecido de deletar as fotografias anteriores, tentei removê-las, mas o efeito da vacina já começara a agir, passei a máquina para o Marçal que limpou a memória toda, por isso perdemos a gravação da primeira parte do ritual.

Fui orientado pelo Pajé a me deitar nas palhas que haviam sido colocadas para isso e literalmente apaguei, não sei como cheguei até lá. Comecei a vomitar e o Pajé e seus assistentes, Isa e Xĩdu procurara me deixar sentado. Só fiquei sabendo disso, depois, pelas gravações. Durante todo o tempo tivemos acompanhamento constante do Pajé e de seus assistentes. Volta e meia ele vinha até nós e usava sobre nossos corpos a fumaça do cachimbo. Os mesmos procedimentos foram aplicados ao Marçal que teve uma reação muito melhor que a minha. Levei mais de vinte minutos para ter condições de me levantar, depois de ter vomitado diversas vezes.

Fomos levados então para tomar um banho nas águas geladas do Igarapé Traíra. Foi um banho revigorante após o qual nos sentimos em condições de voltar a Aldeia. Na casa do Pajé experimentei o rapé já que, desde o ritual, saia de minhas narinas uma abundante secreção. Ficamos conversando sobre a cultura dos nativos e de como as novas religiões trazida para as Aldeias pelos Padres e Pastores vem determinando a perda de identidade dos povos. A esposa do Pajé, a Sra. Awĩ Vari (Mulher Sol) se prontificou a fazer uma pintura de jenipapo no meu braço direito e no do Marçal.

Foi uma experiência bastante interessante que guardaremos com carinho por toda vida, mas, muito além disso foi importante reconhecer no jovem casal dois guerreiros que trabalham e lutam para manter viva sua cultura e a identidade de seu povo.

 Conclusão

 Hoje, por volta do meio-dia, estaremos na TV Juruá (SBT) concedendo nossa última entrevista ao repórter Leandro Altheman Lopes e amanhã, voltaremos a enfrentar as águas tumultuárias do Juruá. Estamos programando nossa chegada a Ipixuna, AM, na terça-feira. Queremos deixar patente nosso agradecimento especial ao 61º Batalhão de Infantaria de Selva, na pessoa de seu Comandante Tenente-coronel Alexandre Guerra e ao Capitão Gustavo Mayrink Pedro da Silva, que não mediram esforços para tornar nossa estada em Cruzeiro do Sul a mais agradável possível além de apoiar-nos irrestritamente no tocante a Expedição General Belarmino Mendonça.

 

Fontes:

SOUZA, Moisés B. Diversidade de Anfíbios nas Unidades de Conservação Ambiental: Reserva Extrativista do Alto Juruá (REAJ) e Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), Acre – Brasil – UNESP- Rio Claro, SP. 2003, p.56-57. (Tese de doutorado).

 SOUZA, Moisés B. et al. Anfíbios. In: CUNHA, M. C. da; ALMEIDA, M. B. (Orgs.). Enciclopédia da Floresta: O Alto Juruá: Práticas e Conhecimentos das Populações, São Paulo - SP., Companhia das Letras, 2002, p.608-610.

(Hiram Reis e Silva, Cruzeiro do Sul, Acre, 04 de janeiro de 2013)

 

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