Desencontros
Penso que este desvario que se respira neste tempo que passa e apodrece tem muito a ver com a perda de sentido do eterno e tudo a ver com a psicológica aceleração do tempo: nada permanece e tudo é descartável: o emprego, o desejo, a confiança, o próprio sentir. E, no meio de tudo isto, perdem-se os melhores de nós — os que de nós são fruto — entre fumos alienantes e apatias marmóreas; morre em nós o próprio olhar no abandono, na bisca lambida, na desobjetivação da vida, na desprogramação do suor.
O ponto de contato entre o tempo e a eternidade — diria Agostinho da Silva — seria o amor!… Mas este esvai-se exangue, perdido de avulsos e incontroláveis desejos. E ele que é um e onde chega tudo acrescenta, faz-se plural e falso e logo tudo diminui. O dinheiro e o poder, o prestígio e o ter erguem os muros invisíveis que não nos deixam ver do outro a diferença que nos enriquece nem dar-lhe de nós o espelho que o enalteça.
De companhia — mas sós! — seguimos pelas estradas que não escolhemos com o passo de conveniência do monismo plúmbeo de quem não quer problemas e vai cansado, mas sem saber para onde.
Foi pelo de
sejo que limitámos em nós a liberdade de SER; é pela incapacidade de vermos no outro o que nele é beleza e eternidade que lhe negamos a liberdade e a diferença e o queremos agrilhoado como nós, para nossa própria justificação.
Não entendermos que todos somos estrelas ímpares de brilho e de destino, faz deste um fado triste e da vida um luto em lágrimas. Não ser capaz de ver de cada coisa o nosso entendimento dela e, como se fosse o nosso, o entendimento do outro, faz a raiz do conflito – de todos os conflitos – e, em última instância, justifica a guerra.
Colocarmo-nos no lugar do outro, eis o enriquecimento da visão do mundo. Faz tempos, estava entre nós o saudoso Professor Agostinho da Silva, um grupo de pessoas, maioritariamente muito «new age», contava das suas infelicidades, motivadas por, numa quinta em que se reuniam para saudar a natureza e a pacificidade, não terem domingos de paz, como mereciam, por causa de uns malvados caçadores que em permanentes puns-puns deitavam abaixo tudo o que era bicho e ainda mexia.
Queriam do Professor a condenação de tanta malvadez. Ele ouvia, ouvia e por fim respondeu assim: «Têm razão, claro, que coisa desagradável… mas, por outro lado, já viram quanto apuro técnico, quanto treino, quanta destreza, apontar ao passarinho, que é uma coisa tão pequenina, premir o gatilho e acertar?!…»
Pois é. Partilhar o mundo com os que nos são próximos é coisa fácil; difícil é aceitar as diferenças, quando desejávamos era o poder de os submeter aos nossos valores, às nossas conceções…
Numa quinta, algures no Alentejo, na Síria, em Timor, na Guiné, na Patagônia…
Que falta faz um míssil, quando nos contrariam, para roubarmos definitivamente o tempo ao inimigo.
Que falta faz o amor – a caritas – para que o tempo se torne eternidade!
(DOMINGO, 19 DE AGOSTO DE 2012 – Abdul Cadre – Portugal)
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