terça-feira, 2 de abril de 2013

Artigo: De Volta à Realidade - A/01314

De Volta à Realidade


O corpo exausto, o pensamento cansado, meu raciocínio pedindo demissão e a insônia me fazendo de vítima mais uma noite. Uma madrugada reticente, agoniada. As horas que passavam, pareciam não passar. (...) Viajei pelo espaço sideral, visitei satélites, fui a lugares onde as palavras não alcançam e até a lugares onde só a imaginação consegue ir. Solta como quem possui asas. Sem termo, sem limite, tudo ao acaso e sem pretensão de volta à realidade. Sonho ou fantasia? Sei eu! Aos poucos, as estrelas foram perdendo o brilho e sumindo do céu uma por uma. A lua deu bom-dia ao sol enquanto dezenas de passarinhos alvoroçados vieram até minha janela contar-me seus sonhos e avisar que mais um dia raiou. Só então, depois de sonhar acordada, acordei sonhando. (Ismara Alice).

A missão de reconhecimento do Juruá findou, a 17 de fevereiro, mas, só agora, me sinto a vontade para arvorar remos. Cheguei à foz do Juruá 44 dias depois de partir de Cruzeiro do Sul, AC, havíamos remado freneticamente durante 28 dias e desfrutado do conforto das cidades de Ipixúna, Eirunepé, Itamarati, Cararuari e Juruá, onde, graças às autoridades municipais e à Polícia Militar, pernoitamos em hotéis durante 16 dias recuperando-nos do excessivo desgaste, coletando novas informações e repercutindo-as. Conseguimos manter uma média diária de mais de 90 km, mas, a um alto custo, perdi 12 quilos neste difícil percurso, perdendo mais de 0,4 quilos por dia de remo em decorrência não só do esforço físico, mas, sobretudo, pela alimentação inadequada e disenterias.

As curtas passagens por Manaus, AM, Santarém, PA e Natal, RN, serviram para trazer-me, progressivamente, de volta à realidade. Uma realidade mesclada de alegrias e tristezas, de júbilo por ter conseguido, apesar das dificuldades impostas pela logística, terreno, clima e condições meteorológicas, cumprir todas as metas propostas no mais curto espaço de tempo e amargura de verificar que alguns companheiros colocavam em cheque ou escarneciam do trabalho que havíamos executado. Alegria por ter sido recepcionado em Tefé como um bandeirante do século XXI, com direito à escolta fluvial, foguetório e banda de música, alegria de encontrar na figura do Gen de Bda Paulo Sérgio, comandante da 16ª Bda Sl, uma liderança atuante capaz de conduzir seus homens pelo exemplo e pelo dinamismo como nossos grandes chefes militares do passado. Tristeza de verificar, que em Manaus, a quantidade de representantes da imprensa era muitíssimo maior do que o número de companheiros de arma presentes na nossa chegada, considerando que a expedição era uma missão oficial do Comando Militar da Amazônia. Alegria de ter sido recebido pelo 2° Grupamento de Engenharia, Manaus, AM e pelo 8º BEC, Santarém, PA, com a cordialidade e o carinho tão característico dos discípulos de Vilagran. Alegria por reencontrar, em Porto Alegre, os familiares, amigas e velhos amigos, mas, uma profunda tristeza por reencontrar minha esposa encarcerada ao catre e presa a uma carcaça martirizada pela enfermidade. Alegria de ser abraçado carinhosamente por meus ex-alunos e tristeza em verificar que o valor do contra-cheque continua sendo muito inferior às despesas mensais.

-  Chegada em Porto Alegre, RS (24.03.2013)

Pousamos, no Aeroporto Salgado Filho, pontualmente à 09h35. Fiquei surpreso ao constatar que apenas a Rosângela e sua mãe, D.a Maria (a mama de Bagé), e o Cel Angonese e esposa S.ra Eliana lá estavam para me recepcionar, afinal eu estivera ausente por quase 4 meses. O fato de não encontrar nenhum familiar no aeroporto me entristeceu. O Angonese convidou-nos para almoçar no Grelhatus, eu não podia declinar do convite do caro parceiro, que nos acompanhara, a remo, no trecho da Foz do Breu até Cruzeiro do Sul. Fomos até em casa, tomei um banho para espantar o sono, passara a noite em claro e, pontualmente ao meio-dia, nos dirigimos ao restaurante acompanhados da Vanessa e do João Paulo.

A Rosângela estacionou o carro numa rua lateral onde encontramos o Coronel Regadas, achei estranha a coincidência e só me dei conta de que havia uma “trama” em andamento quando topei com o Coronel Araújo na função de Mestre de Cerimônias na frente do Grelhatus. Havia duas enormes mesas reservadas para os familiares e amigos mais diletos, a indignação de antes cedeu lugar a emoção que mexeu com o coração e a alma deste velho soldado. Consegui manter heroicamente o equilíbrio emocional até chegar o caro amigo Pastl, D.a Ana Claci e seus filhos Guilherme e Emanuel que se recuperaram bravamente dos ferimentos causados pelo incêndio da boate Kiss, de Santa Maria, RS. Não consegui conter a emoção e chorei como criança.

De cada cidade do Juruá eu ligara para saber notícias dos meninos e acompanhara a par e passo a evolução de seu estado. Ter, agora, a oportunidade de abraçar meus ex-alunos e seus queridos pais fez com que eu afrouxasse a couraça espartana que tenho carregado desde o AVC de minha esposa. A Rosângela e o Araújo souberam guardar segredo, eu não imaginara, jamais, tal surpresa.

-  Tapajós

Estamos tentando viabilizar, para setembro deste ano, o reconhecimento do Rio Purus para dar continuidade à história do Acre tão vinculada aos Rios Purus e Juruá. Caso não se concretize esta possibilidade vamos percorrer o Rio Tapajós, partindo de Santarém, a remo, pela margem esquerda até Itaituba, de voadeira até Jacareacanga e daí descendo pela margem direita, de caiaque, até Santarém.
-  Livro do Juruá

Dois dias depois da chegada e de tomadas algumas providências administrativas iniciamos o lançamento dos dados coletados nos mapas que posteriormente entregaremos ao DNIT. O professor Sérgio Pedrinho Minúscoli entregou-me o livro “Descendo o Madeira” totalmente revisado fazendo-me abandonar os trabalhos do Juruá, temporariamente, para finalizar a 4ª etapa do Projeto Desafiando o Rio-mar.
(Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 03 de abril de 2013)

 

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